quinta-feira, 1 de novembro de 2007

As curvas que a UE insistir em deixar cair


Há poucos gráficos que transmitam tão bem a ideia de que a UE é uma promessa não cumprida. Este foi retirado do Relatório da Competitividade de 2007 (apresentado ontem pela confederação empresarial AIP) e dá-nos conta de como tem evoluído a taxa nominal de imposto sobre os lucros na UE desde 1995. Nos últimos 10 anos os lucros das empresas têm vindo a contribuir cada vez menos para financiar as despesas públicas, ao ritmo de 1% de redução por ano (os especialistas vão-nos alertar para o facto da taxa nominal de imposto não reflectir o que as empresas de facto pagam, já que a base de incidência de imposto pode variar muito; mas dificilmente negarão que a tendência no contributo dos lucros para as receitas de impostos tem vindo a diminuir). Isto significa que os Estados têm cada vez menos recursos para financiar as despesas públicas e/ou que têm de recorrer cada vez mais a outros tipos de impostos (que tipicamente são menos progressivos, ou seja, que fazem menos distinção entre ricos e pobres). Os resultados disto são conhecidos: os Estados vão-se demitindo das suas funções sociais e as desigualdades aumentam para níveis sem precedentes.

Acusa-se a globalização deste fenómeno. Diz-se que face aos baixos impostos cobrados às empresas noutros países não resta a cada Estado senão a opção de reduzir os impostos sobre os lucros na sua sua economia, sob a pena de dificultar a competitividade internacional das empresas domésticas e de tornar mais difícil a atracção do investimento estrangeiro.

É aqui que a UE poderia fazer a diferença: a esmagadora maioria do comércio internacional dos países da UE faz-se dentro do espaço europeu; a maior parte das vezes, quando uma empresa multinacional pondera localizar-se num país europeu, a alternativa que considera é outro país europeu - e não qualquer papão asitático. Ou seja, se os países europeus harmonizassem entre si os impostos sobre os lucros, poderiam evitar esta 'corrida para baixo' (que a pouco e pouco vai arruinando o que resta do chamado modelo social europeu) sem com isso por em causa a competitividade da economia europeia.

Mas, segundo os tratados existentes (incluindo o que acabou de ser aprovado) tal alteração só será possível com o acordo de todos os países. Basta que um governo se oponha para que tal medida não avance. E, de facto, não tem avançado. A UE e a sua estrutura institucional (que permite que os votos de um punhado de cidadão de um país-membro inviabilizem uma medida necessária para inverter as lógicas preniciosas para as quais a UE tem vindo a contribuir) continuam assim a favorecer o inverso do que eloquentemente é anunciado - a preservação de uma sociedade com elevados padrões de coesão social.

3 comentários:

NC disse...

É impressão minha ou isso da "criação de riqueza" para vocês é secundário? O que interessa é redistribuir, redistribuir, redistribuir!

Ricardo Paes Mamede disse...

Estranhamente, todos os indicadores mostram que os períodos de maior "criação de riqueza" da Europa foram aqueles em que a desigualdade na distribuição de rendimentos foi menor...

NC disse...

E a relação causa efeito? Qual é que acha que era?