sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

PS sem maioria absoluta? E depois?

Esta sondagem tem dados interessantes que confirmam a erosão da base de apoio do governo Sócrates e o reforço da esquerda socialista. Com a direita muito fragilizada, pelo menos temporariamente, esta sondagem coloca cenários muito interessantes e exigentes para toda a esquerda. A definição de uma agenda igualitária, capaz de romper consensos, tem que ser a prioridade das prioridades. E depois esta sondagem coloca questões que continuam a ser irrecusáveis: será que a captura da direcção do PS pelas correntes neoliberais é apenas circunstancial e pode ser reversível com outra correlação das forças sociais e políticas? Quais poderiam ser os termos de convergências políticas mais ambiciosas à esquerda? Será que é possível em Portugal um programa reformista forte de esquerda? Com os actuais constrangimentos? Uma coisa é certa: são questões e impulsos políticos deste tipo que assustam a direita dos interesses responsável pelo chamado mal-estar nacional. Estou convencido que mais cedo ou mais tarde teremos de lhes dar resposta colectiva convincente. Convinha que fosse mais cedo.

A corrosão da imprensa

«Uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta produzirá a prazo pessoas tão 'rasteiras' como ela». Joseph Pulitzer. Citação retirada desta recensão da Economist a um livro sobre as preocupantes derivas da imprensa. É importante identificar as consequências perversas engendradas pelos processos que tendem a reduzir a informação a uma mera «mercadoria» e a comunicação social a um mero «negócio».

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Lucros e salários

Jcd do blasfémias questiona-se sobre a preocupação da esquerda com os «lucros privados». Não é só a esquerda que anda precupada com a questão que importa: «Tenho esperado e continuo à espera de alguma normalização na partilha do lucro e dos salários (. . .) a parte dos salários no valor acrescentado é historicamente baixa ao contrário da produtividade que está incessantemente melhorar». Alan Greenspan, um economista com credenciais neoliberais mais do que suficientes. É evidente que para os liberais do romance de mercado nada disto importa. Um «somatório de transacções voluntárias de mercado» não pode ser ser questionado e de qualquer forma tudo correrá pelo melhor no longo prazo. Acontece que isto é uma ficção. Porque o resultado que Greenspan identifica é o produto dos processos de engenharia social que alteraram as regras do jogo e as instituições que influenciam quem se apropria do quê e porquê. Nada disto é natural ou amoral. E depois temos as consequências destes padrões. Crescimento insuficiente do investimento (é paradoxal o que acontece quando os capitalistas são bem sucedidos como classe), promoção de maior recurso ao endividamento para superar os défices de procura, aumento da fragilidade financeira e crises recorrentes. É interessante ler as revistas ditas liberais da área: por exemplo, defendem a «liberalização» do mercado de trabalho, ou seja a alteração das regras do jogo a favor dos patrões, e depois espantam-se quando a procura não é suficiente porque o crescimento dos salários é estranhamente comprimido. Contradições. A serem superadas por uma política económica de esquerda.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Eu poria as coisas ao contrário

Escreve hoje Manuel Carvalho no Editorial do Público: «ainda que concedamos que a ministra [da Educação] não teve sentido táctico, que se perdeu no labirinto dos papéis que infernizaram a vida nas escolas, que errou no processo dos professores titulares ou que abusou da sua pose de autoridade quando tinha o dever de negociar, de um facto há poucas dúvidas: a maioria das reformas que propunha apontava para o caminho certo.»

Parece-me que a questão que merece reflexão é precisamente a inversa: ainda que concedamos que muitas das reformas que propunha (e.g., avaliação de professores, associação entre progressão na carreira e desempenho, estabilização do quadro docente) apontavam para o caminho certo, a multiplicação de leis e despachos (muitas vezes inconsistentes entre si), a falta de credibilidade do processo dos professores titulares (que veio pôr em causa os princípios de avaliação que se apregoavam), o autoritarismo e a incapacidade de negociar (classificando todo e qualquer sinal de descontentamento como atitudes reaccionárias e corporativas), a diabolização dos professores desde o primeiro momento, inviabilizaram o sucesso das mudanças que se propunham.

Como afirma Manuel Carvalho de forma cristalina, «o alcance reformista do seu programa estará sempre condenado à contestação. Sem o apoio da maioria dos professores, pouco mais é que um manifesto.»

Pela n-ésima vez houve quem se convencesse que se governa por decreto, ignorando a importância da mobilização dos agentes centrais da mudança. Grande parte dos professores sempre aceitou os princípios da avaliação e da relação entre desempenho e progressão na carreira. Mas optou-se pelo populismo, por atacar a classe docente como um todo (talvez seja a isto que tem em mente Manuel Carvalho quando fala em falta de 'sentido táctico'). Agora paga-se o preço. Seria bom que se aprendesse com esta experiência. Bom demais, desconfio.

Lógicas Atlânticas

Primeiro escreve isto: «Mas o problema da esquerda de hoje e dos neo-socialistas é precisamente esse: (. . .) quando chegam ao poder resignam-se à realidade dos factos e mudam de discurso e de práticas, sobretudo no que diz respeito às políticas económicas (. . .)». Isto é de facto um problema em Portugal. E logo em seguida denuncia isto: «Portugal é o país que menos cresce economicamente na UE. Portugal tem os maiores níveis de pobreza da UE. Portugal tem uma das economias menos competitivas da Europa. (. . .)». Segue-se a evidente pergunta: «Não estará na altura de a direita ter, finalmente, uma oportunidade?». Paulo Pinto Mascarenhas (quem mais poderia ser?) ou a total desorientação da «direita liberal» na época de Sócrates.

O neoliberalismo também não é um chavão na Alemanha

O chamado modelo renano de capitalismo - baseado na co-gestão e na concertação social, no quadro de uma «economia social de mercado» sustentada por uma política industrial sofisticada e por relações fortes entre a banca e a indústria - tem vindo a ser corroído pelos ventos funestos da liberalização económica e da globalização financeira que impõem progressivamente as práticas e arranjos institucionais da variedade anglo-saxónica de capitalismo. No entanto, a estagnação dos salários da generalidade dos trabalhadores (contrastando com a subida de 16,7% dos salários dos gestores em 2006-07) ou o escândalo da fuga maciça às obrigações fiscais dos grupos privilegiados usando o paraíso fiscal do Lichenstein (a propósito: quando é que a UE abandona a sua complacência para com estas escandalosas «trémitas fiscais»?) têm vindo a minar a legitimidade destas transformações. Os robustos ganhos eleitorais do Partido da Esquerda nas recentes eleições constituem o melhor sinal deste processo. Agora foi em Hamburgo. A aliança entre sociais-democratas de esquerda e comunistas renovados está a baralhar o mapa partidário alemão e a quebrar todos os consensos. Como deve ser.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Causa comum e hegemonia

Excertos de um comentário de Jorge Bateira, economista de esquerda do Partido Socialista: «é importante não esquecer que os domínios ‘social’ e o ‘cultural’ têm autonomia relativa: a luta pelo poder, e por uma partilha dos recursos mais igualitária, é forçosamente orientada por conceitos, ideias, valores, ideologias. Ao mesmo tempo, a produção cultural inspira-se e emerge a partir das dinâmicas sociais. São domínios interdependentes mas são distintos (. . .) Por si só, a crise não leva às 'reformas estruturais' de que precisamos. Não leva, por exemplo, à consagração de uma política económica promotora do pleno emprego na Europa. Para que os movimentos sociais e políticos de esquerda sejam credíveis, não podem limitar-se a apresentar propostas vagas ou, como diz Thomas Palley, uma ‘uma lista de compras’ de medidas de política económica. A tarefa da esquerda é bem mais exigente porque lhe é pedida a integração das suas propostas numa visão global convincente do funcionamento da economia. Segundo Palley, o discurso terá de ser feito pela positiva afirmando três vectores centrais: política de concertação social ligando os salários à evolução da produtividade, pleno emprego como objectivo explícito, sustentabilidade como critério de discussão dos défices. Pela minha parte tudo farei para que a nova corrente de opinião socialista convocada por Manuel Alegre crie nos próximos meses algumas condições logísticas e intelectuais para que o trabalho de casa da esquerda se faça rapidamente».

De pequenino se distorce o destino no capitalismo sem freios

Portugal está bem acompanhado. Já se sabia que o Reino Unido e os EUA têm taxas de pobreza infantil bastante mais elevadas do que os países, com níveis de riqueza semelhantes, onde existiram condições políticas para construir e manter estados sociais mais robustos. Países onde a «lotaria da vida» tem menos impacto nas oportunidades que estão abertas a todos. Além disso, existem hoje estudos que mostram o impacto que a pobreza tem no desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sobre isto vale a pena ler este artigo, da autoria do economista Paul Krugman, simpaticamente deixado pelo Tiago Antão numa caixa de comentários.

Crise e saúde

Um estudo da Universidade de Cambridge, citado pelo Financial Times, associa as crises bancárias a um aumento do número de mortes relacionadas com complicações cardiovasculares. Sendo hoje dado assente que a liberalização financeira das últimas duas décadas foi responsável por um incremento da instabilidade e por uma multiplicação das crises, então existem outras relações a explorar. Esta é aliás uma interessante linha de investigação na área do impacto do «ambiente» na saúde pública. Vincent Navarro que a tem prosseguido com dedicação já tinha argumentado convincentemente que as desigualdades prejudicam enormemente a saúde. É o preço das utopias de mercado.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O neoliberalismo não é um chavão nos EUA

Este elucidativo gráfico compara a evolução da produtividade (a vermelho) com a evolução do salário mediano (benefícios incluidos) de várias categorias de trabalhadores (homens entre 35 e 44 anos com diferentes níveis de escolaridade). Como se pode ver, nos EUA, entre 1980 e 2006, o salário mediano dos trabalhadores com o liceu (high school) decaiu em termos reais. Via Dani Rodrik, economista da Universidade de Harvard e um excelente blogger.

É por aqui que se distorce o destino

«Portugal é um dos oito países da União Europeia (UE) onde se registam níveis mais elevados de pobreza nas crianças, nomeadamente nas que vivem com adultos empregados, segundo um relatório da Comissão Europeia (. . .) em Portugal há mais de 20 por cento de crianças (uma em cada cinco) expostas ao risco de pobreza» (Público). Estes dados repetem-se. Queremos perceber as fontes do «mal-estar» nacional? As consequências de não garantirmos a todos o acesso a condições para um desenvolvimento humano (o que obviamente só pode ocorrer se, lembrando Marx, organizarmos humanamente as circunstâncias desde os primeiros anos)? Abandono escolar, trabalho infantil, défices de formação, «escolhas» trágicas que recaem sobre alguns? A vacuidade de um discurso que fala, em abstracto, em «premiar o mérito» e em «igualdade de oportunidades»? É por aqui. Alguém disse uma vez que a decência de uma comunidade política se pode avaliar pela forma como cuida das crianças. Por aqui se vê como ainda vivemos num país indecente.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Dispositivos comuns para ganhar a luta das ideias

Renato Carmo afirma que «para um verdadeiro debate à esquerda (com consequências) é necessário, por um lado, denunciar as causas e os mecanismos que reproduzem o perene dualismo, e, por outro lado, encetar um caminho programático que avance com propostas concretas e viáveis». Nuno Ramos de Almeida também fala da «criação de uma agenda comum para a mudança que batalhasse para alterar a hegemonia no terreno das propostas». Acho que é por aqui. Vai assim ganhando força a ideia de criar um qualquer dispositivo que acumule e distribua com eficácia conhecimento «para uso comum de toda a esquerda que queira uma política de transformação» (NRA).

À esquerda só há questões de sociedade

Renato Carmo do blogue A Vez do Peão defende que o debate à esquerda «deve ultrapassar a questão económica e, sobretudo, deverá representar mais do que uma mera discussão em torno da viabilidade económica do Estado social». Concordo inteiramente. Aliás julgo que é urgente superar a ideia de que existem questões económicas, sociais, políticas ou culturais. Assim separadas para serem escrutinadas por diferentes «especialistas». Para ser mais concreto: uma coisa que me preocupa em certas debates à esquerda é a ideia de que existe uma «coisa» a que chamamos «o económico», geralmente reduzida «ao nexo mercantil», que tem de ser complementada com mais atenção ao «social» ou ao «político». Isto só pode gerar maus diagnósticos e propostas incompletas e ineficazes. Estou a pensar em fórmulas do tipo: «queremos uma economia de mercado, mas não uma sociedade de mercado». Já aqui argumentei que o conceito de economia de mercado é demasiado vago para nos permitir pensar a pluralidade de instituições que asseguram um sistema viável e decente. Uma estratégia igualitária de esquerda tem que discutir todas as «regras do jogo» da vida social que são importantes na determinação dos recursos, das oportunidades e do poder que cada um possui. Isto exige ir a «montante» e a «jusante» dos espaços onde está a placa que diz «proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço», mas também entrar neles e questioná-los. Até porque, feliz ou infelizmente, não é possível separar a «produção» da «distribuição». Também é por isso que à esquerda só há questões de sociedade.

O início da bola de neve?

No início, a estratégia do Governo na área da Educação consistiu em tentar colocar o país todo contra a classe docente. Era apresentada como uma classe pouco empenhada, preguiçosa, faltosa, desqualificada, que progredia sem ter de dar provas de mérito. Havia que limitar a progressão na carreira e sujeitá-la a momentos de avaliação, obrigar os docentes a estar mais tempo nas escolas, responsabilizá-los pelo sucesso ou insucesso educativo. O discurso soava quase razoável para quem desconhecia a realidade das escolas - e quase pegou.

Mas a pouco e pouco foi-se percebendo que a estratégia de difamar o conjunto da classe - menorizando os efeitos devastadores que tal estratégia produziria na motivação dos muitos milhares de professores que o são por vocação e paixão, e que sustentam a escola pública em Portugal - ao mesmo tempo que se exigiam mais horas efectivas de trabalho, que se congelavam salários e progressão nas carreiras, que se aumentava a dimensão das turmas, que aumentava a proporção de docentes contratados (o grupo mais mal-tratado e injustiçado da classe), que se esperava de cada professor que fosse cada vez mais não apenas docente mas também psicólogo, assistente social, monitor de actividades de tempos livres e gestor de organizações, era uma estratégia arriscada.

Em contextos como estes, os erros burocráticos a que a 5 de Outubro nos habituou ao longo dos anos e de vários governos - trapalhadas nos concursos, nos exames nacionais, na avaliação dos professores - só poderiam aumentar o clima de insatisfação nas escolas.

As manifestações de professores que aconteceram ontem em várias cidades do país não devem espantar ninguém, a não ser por só terem lugar agora. Se o retrato que tracei acima é minimamente fiel do que se passa nas escolas, o que aconteceu ontem é o início de uma bola de neve cujo final provável é a demissão de Maria de Lurdes Rodrigues - apesar do inglês no 1º ciclo, das aulas de substituição ou dos outros tópicos que o 1º Ministro escolha para referir nas entrevistas.

Se acertar nesta previsão, não vou festejar. Vou lamentar terem-se perdido mais 3 anos no trabalho que é necessário fazer para pôr a funcionar o sistema mais crucial para o desenvolvimento deste país.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A «mãe de todas as crises»?

Sabemos que uma crise financeira circunscrita se pode ter transformado numa crise económica generalizada quando começamos a perceber que podemos estar trancados num ciclo vicioso em que a evolução dos preços dos activos e o sobre-endividamento, que tinham suportado a «economia eufórica» (Minsky), conduzem a perversas reacções em cadeia que trabalham numa única direcção: crescentes problemas de insolvência, vendas forçadas, quebras dos preços dos activos, desestruturação dos precários e opacos circuitos da finança de mercado, contracção do crédito e do investimento a gerarem quebras de rendimentos que alimentam todo o processo e o intensificam. Como sempre liquidez é a palavra de ordem. E o esforço descoordenado para a obter só agrava os problemas. Sigam os doze passos, propostos por Martin Wolf, para a «mãe de todas a crises» e verão como a ilusão dos mercados auto-regulados pode custar cara aos EUA e ao mundo. Que fazer? Cortar juros, injectar liquidez, aumentar a despesa e o investimento público e reformar e, em alguns casos superar, os «processos de mercado» que geraram tudo isto. E, se calhar mais importante, abandonar definitivamente a fé na possibilidade e bondade dos equilíbrios de mercado.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

SEDES ou a ilusão do meio

A SEDES tem o mérito de juntar gente com posições políticas e ideológicas diversas e com conhecida intervenção e influência no debate político (de Ribeiro Mendes e Vítor Bento a João Ferreira do Amaral e Henrique Neto). Essa é a sua grande força e a sua grande fraqueza. A sua grande força porque as suas tomadas de posição públicas têm o impacto das coisas que pretendem superar as divisões que supostamente impedem a visão do conjunto. A sua grande fraqueza porque estas não podem deixar de ser a expressão de um mínimo denominador comum que produz documentos com muito pouca substância. É o caso do texto sobre o actual «mal-estar» nacional. Serve para muito pouco um texto sobre este tema que não refere uma única vez o problema da pobreza e das desigualdades de rendimentos e de riqueza (e sua tradução na criação de um país fracturado onde o acesso ao poder, a oportunidades e a recursos é muito díspar). A não ser para mostrar a ilusão do meio. Estou convencido que o mesmo não se diria de um documento sobre o «mal-estar» escrito apenas por Henrique Neto e por João Ferreira do Amaral. Seria certamente um documento menos difuso. Para começarmos a resolver a crise temos de ser radicais, ou seja, temos de ir à raiz dos problemas. Para então percebermos, por exemplo, o que realmente causa a corrosão da moralidade na vida nacional a que o documento alude. A SEDES, pela sua natureza, nunca conseguirá fazer isso.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Excepção chinesa?

O discurso económico convencional parece ser crescentemente contraditório. Por um lado, saúda e promove a liberdade irrestrita de circulação de capitais. Por outro lado, suspira de alívio porque os chineses sensatamente resistiram às pressões para abolir os seus pertinentes mecanismos de controlo de capitais. Desde a crise asiática de 1997-98 que é assim. Agora, até o Financial Times defende que, perante os actuais desequilíbrios mundiais, os controlos são bastante úteis para guiar a política cambial chinesa. O pragmatismo britânico a reconhecer que o capitalismo não sobrevive sem a impureza que só um Estado activo garante. Sobre isto vejam este excelente artigo também no Financial Times.

Quando não há argumentos. . .

Paulo Pinto Mascarenhas (PPM) argumentou previsivelmente que a corrupção seria o resultado do peso excessivo do Estado. Eu procurei argumentar (aqui e aqui) que tal simplismo não era sustentável. Isto poderia ter dado um debate interessante. Depois PPM queixou-se do uso da expressão «neoliberalismo». Eu argumentei, entre outras coisas, que tal expressão tinha sido usada por Friedman e Hayek. Isto poderia ter dado um debate interessante. Já antes PPM, em resposta ao Nuno Teles, tinha ficado de reconsiderar as suas posições sobre este escândalo se lhe mostrassem evidência para a Europa. Foi o que fez o Nuno Teles. Resposta a isto? Estamos à espera. Finalmente, PPM decide brindar-nos com este comentário arrasador. Queixa-se de que não vale a pena discutir porque, vejam lá, eu recorro a citações quando os argumentos não são meus, dou «lições» e critico as políticas de Sócrates. Enfim, PPM é livre de discutir com quem quiser, mas as «reacções» irritadas disfarçam mal a falta de argumentos. Talvez seja então melhor PPM dedicar-se ao que sabe fazer: gerir os egos que pululam no blogue/revista que dirige e garantir que o dinheiro dos gestores do «Compromisso Portugal» continua a financiar as aventuras editoriais da direita intransigente. O debate fica para outros.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Será que o elo mais forte também poder ser o mais fraco?

Para além do aumento da instabilidade, uma das consequências mais nefastas dos processos de liberalização financeira, com o correspondente reforço do papel dos mercados financeiros internacionalizados e dos seus agentes, foi a reafirmação dos interesses dos proprietários que passaram a ter mais mecanismos para captar o «valor» criado nas empresas. Julgo que esta é uma das principais explicações para o aumento das desigualdades salariais (resultado do esforço dos accionistas para «alinhar» os interesses dos gestores e quadros de topo com as suas prioridades), mas também para a quebra generalizada do peso dos salários no rendimento nacional (resultado da pressão para a compressão dos salários dos restantes trabalhadores por forma a «criar» cada vez mais «valor para o accionista»). Isto tem mecanismos «micro» e «macro»: a ameaça permanente e credível de fuga de capitais reergueu o famoso «muro do dinheiro» que dificulta ou sabota as reivindicações salariais e os projectos políticos igualitários. Nas discussões à esquerda dá-se muita atenção à abertura comercial e pouca ao poder da finança e à sua «liberdade» excessiva de circulação. A crise financeira, ao abrir de novo a discussão sobre o papel e a natureza de um sistema financeiro agora fragilizado pelos seus desenvolvimentos internos, poderia também ajudar a eliminar, se se introduzissem reformas profundas na suas estruturas, muitas das causas dos actuais desequilíbrios entre o capital e o trabalho.

O neoliberalismo não é um chavão

Paulo Pinto Mascarenhas fica muito incomodado cada vez que alguém usa a expressão neoliberal. Não percebo porquê. Está mal quem não conhece a história das ideias que defende. Nos anos quarenta e cinquenta, os ideólogos de referência deste movimento intelectual e político - F. Hayek e Milton Friedman - usavam-na. Depois deixaram-se disso. Ainda não percebi porquê. Mas ela continuou a circular, como tantas outras, entre o discurso político e académico. Está tudo neste longo artigo de Jamie Peck que traça a história intelectual dos primórdios do neoliberalismo, essencialmente nas décadas de quarenta e cinquenta, antes da conquista da hegemonia nos anos oitenta. Existe hoje trabalho académico sério e rigoroso no campo da história das ideias e da teoria social. Este usa a expressão para se referir a um conjunto vencedor de ideias assentes na reconfiguração do Estado para o subordinar à promoção de processos de engenharia mercantil à escala global com o correspondente reforço do poder da empresa capitalista. Ideias que recriaram uma «mentalidade de mercado» que legitima as desigualdades que estes processos «inevitavelmente» geraram.

Nota: a fotografia mostra o primeiro encontro da Mont Pelerin Society. Um dos momentos charneira da história do neoliberalismo. Um punhado de académicos, jornalistas e políticos com ideias derrotadas e impopulares, mas com a ajuda de alguns financiadores privados generosos, reúne-se pela primeira vez, depois da 2ªGM, para «pensar o impensável».

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Os trabalhadores pagam a crise

Não surpreende, mas os números do INE, noticiados aqui por Sérgio Anibal do Público, confirmam como o ajustamento da economia nacional está a ser feita à custa dos salários. O rendimento líquido médio dos trabalhadores por conta de outrem foi de 720 euros em 2007. Um aumento de um euro face a 2006. Isto em termos nominais. Se descontarmos a taxa de inflação, o rendimento médio dos trabalhadores diminuiu. Por outro lado, os lucros das 500 maiores empresas nacionais não financeiras, responsáveis por 60% do PIB, aumentaram 41% no ano de 2006 (ainda não há dados para 2007). Este duplo movimento não é só trágico do ponto de vista da repartição da riqueza nacional. Mostra também como os salários baixos continuam a ser a aposta competitiva dos nossos empresários.

Concerto do ano?



A melhor da banda de 2007, os The National, dá finalmente um concerto a solo em Portugal. Dia 11, Aula Magna, Lisboa.

O debate é possível e desejável II

Algumas notas em resposta a este artigo (que confirma Vital Moreira como o mais eficaz defensor das actuais orientações governativas): (1) algumas das medidas que Vital Moreira elenca para demonstrar as credenciais do governo na defesa do Estado social são de facto positivas (embora uma parte delas ainda seja do domínio das intenções) e tiveram o apoio da esquerda socialista; (2) se existem «regalias» em algumas áreas do sector público que podem não se justificar, também é verdade que a convergência se deu sempre para baixo; (3) não me parece que seja muito útil agitar as ameaças de destruição do Estado social vindas da direita para justificar medidas que, embora preservando os seus princípios fundamentais, representaram uma amputação efectiva e universal de direitos (caso da segurança social), ainda para mais quando existem boas propostas à esquerda (baseadas na diversificação das fontes de financiamento); (4) não se pode desligar a questão do Estado social das orientações de uma política macroeconómica que aceita o desemprego como fatalidade de mercado (o Estado social e o pleno emprego deveriam ser parte da agenda incontornável da esquerda e estão aliás profundamente imbricados); (5) para quem defende a virtude da evidência, Vital Moreira falha na questão da eficiência dos serviços públicos uma vez que não avança com dados nesta área (a força das convicções não chega); (6) algumas medidas (caso dos empréstimos para os estudantes do ensino superior) não podem ser isoladas do projecto mais vasto, e em curso, de fazer repercutir sobre os estudantes uma parte crescente dos custos de um ensino superior cada vez mais mercadorizado (se a experiência inglesa, que o governo copia, serve para alguma coisa, então os dados deste estudo deveriam fazer pensar); (7) e, finalmente, temos a questão central, que Vital Moreira ignora, da promoção de mecanismos de «mimetismo mercantil» e da gestão e provisão privadas na esfera do Estado social e das consequências nefastas que teremos de suportar no futuro devido à força política e económica crescente dos grupos privados que aqui operam (o caso inglês parece mostrar, como argumenta John Gray, que esta orientação do «novo trabalhismo» tem sabotado a legitimidade do Estado social).

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O debate é possível e desejável

Vital Moreira acha que é impeditivo do debate à esquerda defender (como eu aqui faço) que as actuais políticas de «reforma» do Estado social (inseridas num projecto mais vasto de reconfiguração do Estado e da sua articulação com o sector privado) apontam para o seu esvaziamento e descaracterização. Gostaria de saber desde quando é que a divergência intelectual é obstáculo ao debate político profícuo? Desde que se partilhem valores fundamentais, o debate político que consolide ou obrigue a rever posições e que ajude a estabelecer as convergências possíveis é sempre fundamental. Existam espaços e oportunidades. Além disso, é urgente superar a divisão, que tantos gostam de cavar e que tão bem serve os projectos de retrocesso social, entre a esquerda com vocação «governativa» e a esquerda «pura» e «verdadeira». Não faz sentido outra esquerda que não seja a que ambiciona ser poder, não como um fim em si mesmo, mas sim como um meio, o melhor de que dispomos, para mudar o país.

Nota: sobre o debate à esquerda vale a pena ler esta posta de Nuno Ramos de Almeida.

As virtudes da empresa pública

Acho que hoje é um bom dia para relembrar os argumentos, já apresentados neste blogue, em defesa da existência de um sector empresarial do Estado em áreas fundamentais para a vida de qualquer comunidade política (I, II e III).

Nacionalização

Embora o governo trabalhista se tenha esforçado para encontrar uma solução alternativa, a grave situação financeira do Northern Rock obrigou à sua nacionalização. Um "fechar de portas" do banco implicaria, além das perdas de milhares de pequenos aforradores, a desconfiança generalizada no sistema financeiro. A economia britânica não aguentaria o abalo. É certo que esta decisão não é mais do que uma socialização das perdas privadas, resultado das arriscadas opções que tomaram os seus dirigentes. No entanto, é muito significativo que a primeira nacionalização em terras de sua majestade desde os anos 70 seja a de um banco. Mesmo a contragosto, a intervenção pública atinge a principal esfera de poder das economias contemporâneas. A maré está a mudar?

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Debate à esquerda? Vamos a isso II

Mas acho que se pode e deve ir mais longe: é preciso criar condições para que a prazo possa emergir um espaço permanente de encontro, debate e proposta no campo da esquerda socialista que esteja para além dos partidos (que não contra eles) e que contribua, através de um envolvimento sério e sem concessões na luta das ideias, para quebrar o consenso neoliberal que ainda continua a definir os termos do possível em Portugal. Um «colectivo intelectual», organizado e consequente, que junte académicos, jornalistas, dirigentes políticos e activistas para elaborar argumentos e propostas robustas. Precisamos de aprender com a direita intransigente e com a sua capacidade para criar dispositivos formais e informais de persuasão. Será que o modelo anglo-saxónico do «think-tank» poderia ser viável em Portugal?

Debate à esquerda? Vamos a isso

Manuel Alegre quer organizar uma «convenção de esquerda» para discutir «alternativas». Presumo que às actuais orientações neoliberais dominantes no seu partido. Se assim for acho que se trata de um contributo importante. Na minha opinião existem quatro questões, associadas à definição de uma estratégia igualitária, que não podem, hoje, deixar de ser discutidas à esquerda: (1) Como definir, no quadro dos actuais constrangimento e para além deles, uma política económica de pleno emprego bem sucedida; (2) Como reverter as actuais políticas de esvaziamento e descaracterização do estado social e dos serviços públicos, aumentando a qualidade, a eficiência e a participação dos cidadãos?; (3) Quais as melhores formas para incrementar a eficácia e progressividade do sistema fiscal, reduzir o leque salarial e reforçar os mecanismos redistributivos?; (4) Como evitar o esfarelamento dos direitos e solidariedades no mundo do trabalho e como reforçar os contra-poderes laborais no espaço da empresa?

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Um só combate

«Manuel Carvalho da Silva associa desigualdades sociais a corrupção» (Público). E associa muito bem: «o combate às desigualdades e à corrupção, a exigência do exercício do poder com ética de forma a dar espaço para que todos os portugueses tenham voz e influenciem as decisões e acção política, são imprescindíveis». Como já aqui procurei argumentar, existe evidência empírica e argumentos plausíveis mais do que suficientes para associar estes dois problemas. Sociedades com desigualdades de rendimento e de riqueza muito acentuadas são sociedades que dão livre curso à insolência do poder do dinheiro concentrado que tende a extravasar a sua esfera politicamente delimitada. Hoje, o programa neoliberal do «socialismo moderno», que entrega ao sector privado a gestão de áreas que correspondem a funções sociais do Estado, só acrescenta novos mecanismos a estes processos. A luta pela defesa da provisão pública deve traçar linhas claras. Em nome da igualdade e da decência.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Taxa de desemprego sobe

O INE anunciou hoje a taxa de desemprego para o ano de 2007. O desemprego em Portugal fixa-se agora em 8% da população activa, uma subida de quase 5% em relação a 2006. Os dados não surpreendem. O actual crescimento económico não chega para criar emprego suficiente que contrabalance simultaneamente o ritmo de destruição deste e o aumento da população activa. Esta evolução dificilmente se irá inverter. Além da crise internacional que inevitavelmente nos irá afectar, a explosão da bolha imobiliária em Espanha faz prever a volta de muitos dos nossos emigrantes que aí trabalham na construção civil. Importaremos desemprego espanhol. Sinceramente, não vejo muito espaço para mixed feelings.

Como meter a finança na gaiola


Como apontava João Ferreira do Amaral, num dos últimos Prós e Contras da RTP, a gravidade da presente crise financeira talvez não seja suficiente para que se pense seriamente num novo Sistema Monetário Internacional. Contudo, é possível avançar com algumas propostas regulatórias robustas. Dominique Plihon, presidente do conselho científico da ATTAC, fá-lo através de três eixos: (1) Alargamento das regras prudenciais bancárias aos restantes actores dos mercados financeiros (por exemplo, os hedge funds) uma vez que esta crise, como aliás a do Japão no início dos anos noventa, teve origem em «finance companies» não reguladas; (2) Reforço das regras impostas pelo comité de Basileia (ver post abaixo), integrando as necessidades de liquidez das operações de titularização de crédito, mesmo de curto prazo, nos cálculos dos seus fundos próprios. Tais regras implicariam um claro desincentivo à desintermediação financeira, reduzindo assim o número de actores e a opacidade destes mercados; (3) Redefinição das condições em que os bancos comerciais se refinanciam junto dos bancos centrais. Os bancos recorrem à liquidez disponibilizada pelo banco central de forma indiscriminada. É possível favorecer (através de taxas de juro mais baixas) os bancos com melhores práticas, por forma a criar incentivos para uma maior cooperação com as autoridades monetárias.

Estas propostas não são simples. No entanto, é fácil de perceber que todas apontam na mesma direcção: um maior controlo público de uma esfera demasiado importante para ser deixada a um mercado com poucas regras.

Adenda: Um excelente debate do segundo canal público francês sobre a crise, com a presença de Plihon, encontra-se aqui. Infelizmente sem legendas.

Prosperidade partilhada: por uma política económica de esquerda

Vale a mesmo a pena ler o artigo do economista norte-americano Thomas Palley publicado na semana passada no The Guardian: «o problema é que o poder das políticas keynesianas está a ser invocado numa economia que já não gera os resultados keynesianos do pleno emprego e da prosperidade partilhada». Reformas estruturais robustas (a esquerda tem que reconquistar esta expressão) são necessárias para combater a crise e modificar a matriz do capitalismo depois de décadas de engenharia social neoliberal: «as políticas keynesianas de estímulo têm que ser acompanhadas por políticas estruturais que garantam que os salários acompanham a produtividade, assim assegurando o crescimento da procura. Estas políticas estruturais incluem legislação social e laboral que suporte os sindicatos e o poder dos trabalhadores e políticas económicas internacionais que previnam a concorrência desenfreada e os défices insustentáveis». Estas ideias, embora formuladas para os EUA, têm validade geral. O seu livro, publicado em 2000, contém um diagnóstico dos problemas e propostas que poderiam ter evitado as actuais «complicações». Mais uma prova que já vai sendo tempo da esquerda recuperar a iniciativa e propor uma agenda socioeconómica igualitária bem fundamentada que rompa com o consenso neoliberal em crise. Isto exige, entre outras coisas, uma alteração das suas prioridades intelectuais. Mas isso é outra conversa.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Flexisegurança - um modelo não exportável

A Alternatives Economiques deste mês faz um mapa europeu com os valores per capita gastos por cada país com os seus desempregados. Os valores foram ajustados ao poder de compra, podendo assim ser honestamente comparados. Resultados: a Dinamarca, país da flexisegurança, com uma taxa de desemprego que ronda os 4%, gasta 45 000 euros por desempregado; Portugal, com 8% de desemprego, gasta 8 000. Para bom entendedor...

Feist - My moon, my man



Concertos de Leslie Feist dias 10 e 11 de Junho no Porto e em Lisboa.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A outra equipa de Basileia

Uma das vantagens da actual crise financeira é a forma como os maiores defensores do capitalismo liberal se tornaram entusiastas da regulação pública. No entanto, esta defesa da intervenção pública limita-se a clamar pelas injecções de liquidez e descidas das taxas do juro dos bancos centrais ou por maior transparência nas transacções financeiras. Para que se atinga este último objectivo apela-se amiúde a que os bancos sigam as recomendações do comité de Basileia. Este muito pouco democrático comité (só os dez maiores bancos centrais têm aqui assento), nascido do fim do sistema de Bretton Woods, define os requisitos de capital desejáveis que os bancos de todo o mundo devem ter face aos empréstimos concedidos, sendo o verdadeiro regulador global da actividade bancária. Ora, mesmo na sua versão mais recente (Basileia II) as recomendações deste comité estão completamente desfasadas face à realidade destes dias. Como bem argumenta o economista françês, Dominique Plihon, os bancos estão hoje sujeitos não só ao risco de não pagamento dos empréstimos concedidos, mas também, como se confirma com a actual crise, às variações dos mercados financeiros. A titularização dos créditos permitiu que os bancos vendessem os seus créditos a instituições financeiras bem menos reguladas, como os hedge funds, diminuindo teoricamente o seu risco individual, mas aumentando o risco sistémico.Não bastam pois medidas parcelares, meramente curativas, que apenas adiem a próxima crise. Só com regulação eficaz da esfera financeira pode a economia real libertar-se da sua instabilidade e dos insaciáveis apetites da finança.

A economia do cherne ou a mesma tanga de sempre

Durão Barroso foi um primeiro-ministro incompetente e socialmente insensível. Devido aos descaminhos da integração europeia chegou a Presidente da Comissão. E repete o que os burocratas de Bruxelas, viciados na mais perniciosa macroeconomia ortodoxa, lhe sussurram: é preciso equilibrar as finanças públicas custe o que custar. Défice zero em 2010. Era para ter sido em 2004. Paciência. O célebre voluntarismo maoísta pode ser útil aqui. É claro que em contexto de desaceleração da actividade económica e de crise financeira internacional, isto significa tornar os poderes públicos parte do problema económico. Esta obsessão com o equilíbrio orçamental a todo o custo, aliada a um Banco Central com um mandato desequilibrado, mas com declarações surpreendentes para jornalistas atentas, é responsável pelos problemas económicos da Europa. Quando é que percebem que o fim da obsessão do défice, ao reintroduzir a escolha pública democrática, dá-nos os instrumentos que, ao debelarem a recessão e o desemprego, no fim de contas melhor eliminam as suas causas?

A crise está para durar

O Fórum para a Estabilidade Financeira é uma discreta organização que reúne a nata dos poderes públicos nacionais (dos países mais ricos) e internacionais encarregue da regulação da finança e da política monetária. O seu último relatório apresenta um cenário sombrio e turbulento para os tempos que se avizinham. A crise financeira está longe do fim. O relatório aponta, de forma algo cifrada, algumas das suas causas: a miopia da finança de mercado e a sua propensão para comportamentos aventureiros, os incentivos distorcidos criados pelos seus agentes, os efeitos perversos da inovação financeira ou o comportamento fraudulento a que este sector parecer ser tão propenso. Os remédios têm que estar à altura da dimensão do fracasso dos mercados financeiros irresponsavelmente liberalizados.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Pensamento crítico contemporâneo

«O seminário pretende mapear algumas das principais problemáticas que desafiam um pensamento crítico contemporâneo, dos estudos sobre nacionalismo à crítica da sociedade do espectáculo. Para este efeito, ao longo das diferentes sessões, serão discutidas propostas de intelectuais cuja reflexão tem motivado importantes debates políticos. O seminário destina-se ao público em geral». Algumas das mais conhecidas e polémicas propostas intelectuais, sobretudo no campo dos estudos culturais e das correntes ditas pós-modernas, serão escrutinadas e discutidas por um excelente naipe de oradores. A acompanhar com atenção. O debate de ideias fortes faz mesmo falta em Portugal. Aqui está o programa e as coordenadas. As inscrições são limitadas. Despachem-se.

Um quarto dos EUA em recessão

Este mapa publicado na revista Economist ilustra muito bem a diversidade da economia norte-americana e a forma como os diferentes Estados estão a reagir à crise do crédito de alto risco e à crise imobiliária. A situação é particularmente preocupante nos Estados onde o sector imobiliário mais alimentava a economia. São quatro os designados "bubble states": California, Florida, Nevada e Arizona. Segundo o economista Mark Zandi, citado pela revista, os quatro Estados juntos, juntamente com o Michigan, são responsáveis por 25% do PIB norte-americano.
Porém, fora destes Estados e das regiões mais industriais, a economia tem revelado sinais positivos, em grande parte devido ao bom desempenho das exportações e da subida dos preços das matérias primas.
Já noutras recessões se registaram diferentes reacções nos Estados norte-americanos, reconhece a Economist. Mas desta vez há uma diferença fundamental, que é a crise imobiliária. O sector da habitação sempre funcionou como uma válvula de segurança para a economia norte-americana, permitindo que os trabalhadores pudessem deslocar-se entre Estados, à procura de emprego. Faziam-no vendendo as suas casas e encaixando as respectivas mais-valias. Ora, se a queda de preços das casas se generalizar mesmo, lá se vai a mobilidade dos norte-americanos. E aí "o desemprego pode continuar a crescer na Califórnia, mesmo que o Montana não consiga ter os trabalhadores de que precisa".

Tudo pior que antes?

André Freire, Professor de Ciência Política no ISCTE, escreveu ontem um excelente artigo no Público onde desmonta eficazmente as teses neoliberais que insistem, contra toda a evidência, em declarar que os sindicatos são parte dos problemas das economias. Podem ler uma versão mais desenvolvida no Le Monde Diplomatique deste mês. Na realidade, os sindicatos são cada vez mais imprescindíveis numa época em que se prova que não há uma relação mecânica entre o crescimento da produtividade e o crescimento dos salários, em que as desigualdades crescem, em que se esfarelam os direitos laborais arduamente conquistados e em que se corroem alguns dos pilares que sustentam os mecanismos públicos de provisão e de redistribuição. Mas a vida não está fácil para o movimento sindical. São muitas as forças e as pressões deliberadas que trabalham para o enfraquecimento das solidariedades de classe. Só um movimento sindical autónomo e plural será capaz de travar o declínio da influência da central sindical que é um dos esteios de muito do que de decente existe em Portugal. Só um movimento sindical liberto de tutelas de direcções partidárias será capaz de (re)construir formas de acção colectiva que derrotem o «fundamentalismo de mercado» ali onde mais importa: nos mundos do trabalho. Neste contexto, os desenvolvimentos que o Arrastão e o Zero de Conduta relatam são reveladores de uma situação sombria e que não augura nada de bom para o futuro do mais importante movimento social português.

Dos sobreiros à Ginjinha é tudo uma questão de regras

«Vamos todos cantar em coro: se não houver regulamentação, não há corrupção. Poderíamos também cantar, dentro de uma lógica semelhante: se não houvesse meteorologia, não haveria chuva». Rui Tavares, no Público, a revelar uma vez mais a fragilidade dos argumentos favoráveis à bondade irrestrita da iniciativa privada sem regras. O problema dos famosos sobreiros, árvore pouco querido para os lados do Largo do Caldas, «estava no excesso de regulamentação: se os sobreiros não fossem uma espécie protegida, e se o seu abate não fosse controlado pelas entidades competentes, os empresários não precisariam dos políticos para nada. A lógica é imbatível: sem regulamentação não haveria necessidade de corrupção. É evidente que sim: mas também não haveria sobreiros». Nem sequer haveria qualquer instituição económica. Este excelente artigo termina em meio urbano, passando pela reaberta Ginjinha do Rossio: «a maior parte dos leitores nem saberá que a Ginjinha voltou a abrir e, como é natural, as intoxicações alimentares que não se apanham nunca chegam a ser notícia». A direita intransigente fica muito irritada sempre que se revela que o mercado só pode funcionar de forma decente no quadro de um sistema de regras que requer apertados mecanismos públicos de monitorização. Desaparece a «mão invisível» e a sua suposta magia. Aliás, e talvez não por acaso, esta expressão, popularizada pelos supostos seguidores de Adam Smith, só aparece uma vez no seu mais conhecido e volumoso livro - A Riqueza das Nações.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Desigualdade e corrupção: o mesmo combate por uma sociedade decente

Já se escreveu muito neste blogue sobre as consequências negativas do aumento da desigualdade de rendimentos. Recentemente, em resposta às posições neoliberais de Paulo Pinto Mascarenhas, também se escreveu sobre corrupção. Este é um debate fundamental que pode ser abordado de várias formas e que tem ligações com o primeiro tema. Um artigo recente de Raul Vaz do Jornal de Negócios menciona as «consequências nefastas da corrupção numa sociedade já de si assimétrica - Portugal é dos países europeus onde mais se tem acentuado o fosso entre ricos e pobres». Na realidade, parece existir evidência que aponta em novas direcções. Um artigo, publicado em 2005 na prestigiada American Sociological Review por dois investigadores da Universidade de Harvard, apresenta ampla evidência empírica (usam dados para 129 países) de que «maiores níveis de desigualdade conduzem, através de mecanismos materiais e normativos, a maiores níveis de corrupção». Segundo os autores, à medida que a desigualdade aumenta quem é mais rico terá mais recursos e mais incentivos, para «contornar» as regras. Além disso, a desigualdade tende corroer a crença de que as instituições fundamentais da sociedade são justas e assim a sabotar a legitimidade social das regras instituídas. E concluem: «se a corrupção é o resultado da tentativa por parte dos ricos para melhorar a sua posição, então um maior peso do Estado pode estar associado a menos corrupção». Assim se mostra como o combate socialista contra as desigualdades é também um combate contra a corrupção. Por uma sociedade decente.

Economistas de Pinochet ou o pecado original do neoliberalismo

Uma das melhores partes do último livro de Naomi Klein - Shock Doctrine - é a que descreve o papel dos economistas formados na Escola de Chicago - um dos principais pilares do neoliberalismo - na definição das linhas orientadoras da política económica dos primeiros anos da ditadura de Pinochet (o seu falhanço obrigou a posteriores mudanças de curso). Filipe Castro tem toda a razão sobre o objectivo deste excelente livro: «A ideia de Naomi Klein é explicar às pessoas que não é possível compatibilizar liberdade e capitalismo selvagem». Para Milton Friedman, a liberdade sempre esteve, na realidade, confinada ao centro comercial e à satisfação de preferências suportadas por dinheiro. E um ditador servia muito bem para criar um laboratório para as ideias do «colectivo intelectual» de que foi uma das mais conhecidas figuras (embora a sua estatura intelectual seja, na minha opinião, muito inferior à de F. Hayek). Esta história de cumplicidades está hoje bem documentada. Apesar dos esforços dos neoliberais para a ocultar ou minorar. Afinal de contas tudo começou no Chile.Vejam a troca de cartas entre Friedman e Pinochet (via Esquerda Republicana). Quem quiser saber mais sobre os economistas de Pinochet pode ler o livro de Juan Gabriel Valdés (a obra de referência em que Naomi Klein se baseia).

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Não há que esperar muito das eleições americanas

Depois de John Edwards se ter afastado da corrida à nomeação democrata para as eleições presidenciais americanas, já pouco se pode esperar no que respeita a alterações significativas nas políticas federais americanas nos próximos anos (mesmo que - como parece, para já - os democratas vençam as eleições em Novembro).

Nem Clinton nem Obama defendem um sistema nacional de saúde universal; nem Clinton nem Obama interpretam a crise do 'subprime' como um resultado da desregulação financeira e ambos se mostram muito cautelosos nas receitas para ultrapassar a crise; nem Clinton nem Obama se comprometem em relação a prazos de retirada no Iraque; nem Clinton nem Obama questionam a energia nuclear como solução para os problemas energéticos do futuro (ver aqui o trabalho de comparação entre os dois candidatos preparado pela Democracy Now, organização americana de informação alternativa de grande qualidade).

Ambos têm uma retórica que apela aos desapossados, aos ambientalistas e àqueles que sentem vergonha da imagem que o resto do mundo tem dos EUA. Ambos poderão vir a tornar o sistema de saúde americano (baseado, essencialmente, em seguros privados) um bocadinho mais abrangente e introduzir ligeiras correcções num sistema fiscal que Bush criou para beneficiar os ricos. Ambos, pelo simbolismo da sua eventual eleição, poderão contribuir para tornar os EUA um pouco menos racista e/ou um pouco menos machista. Mas, vença Clinton ou vença Obama, não vale a pena esperarmos por um novo New Deal, nem uma mudança substancial na política externa americana (para o bem ou para o mal).

Afirmava Michael Tomaski no número de Janeiro do New York Review of Books (num interessante artigo sobre as tendências que dominam actualmente o Partido Republicano e que o tornam, basicamente, numa extensão do movimento conservador americano): «um presidente republicano que seja eleito em 2008 terá sido colocado no lugar pelas facções que controlam o seu partido e não há motivo para esperar que ele irá desafiar essas facções. Esperemos que no futuro os republicanos que não integram essas facções decidam desafiar o poder destas» (a tradução é minha).

Nos EUA, quando se fala de facções partidárias não se fala apenas de ideologia (direita religiosa, neoconservadores, ultra-liberais). Por detrás das correntes ideológicas estão sempre as grandes somas de dinheiro que financiam as campanhas eleitorais. E o que Tomaski escreve sobre os republicanos também se aplica aos democratas: os discursos ambíguos de Clinton e Obama sobre alguns aspectos centrais do que seria uma verdadeira agenda progressista (como a que Edwards apresentou) reflectem em boa medida os interesses daqueles que os apoiam, seja a partir das estruturas do Partido Democrata, seja através de generosos financiamentos privados.

Vídeos como este (via TV Arrastão) emocionam a gente de esquerda e criam grandes esperanças. Mas tenhamos noção das circunstâncias - ou preparemo-nos para as grandes desilusões.

Portugal e o fim da «monocultura do tijolo» em Espanha

Um dos ensaios de economia impura de José Reis é dedicado à discussão do que podemos designar por paroquialização da economia portuguesa. De facto, a aceleração da abertura, realizado no quadro da integração europeia, conduziu a um estreitamento das nossas relações económicas internacionais. Como assinala Sérgio Aníbal no Público de ontem, o mercado espanhol absorve agora 28% das nossas exportações (contra 15% há apenas dez anos). Este processo aparentemente paradoxal, numa época em que se celebra o fim da distância, dá agora muito pouco jeito. A economia espanhola, como é também relatado no Financial Times, está a passar por um processo de «correcção» da sua trajectória de crescimento económico (expressão bizarra que é usada para tentar disfarçar o facto de ninguém saber muito bem o que se irá passar). É a crise da «monocultura do tijolo», alimentada por um brutal ciclo de crédito, e que foi uma das grandes forças por detrás do elevado crescimento espanhol dos últimos anos - este sector chegou a empregar 13% da força de trabalho e a consumir metade do cimento da Europa. Vale ao governo socialista o excedente orçamental alcançado graças ao tal crescimento económico (sublinho o graças porque muita gente tende a confundir causa e efeito nesta área). Agora é necessário aumentar a despesa e o investimento e cortar nos impostos. O sucesso da estratégia do governo português - basear a «retoma» no aumento das exportações - parece agora estar parcialmente dependente da eficácia da política contra-cíclica espanhola.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Mdiplo - o jornal de toda a esquerda

«Uma entrevista a Carvalho da Silva abre o dossiê português da edição de Fevereiro «Sindicalismo e globalização: novos desafios». No mês em que se realiza o Congresso da CGTP, propomos uma reflexão sobre o sindicalismo, o trabalho e a democracia em tempos de globalização neoliberal. Para além da entrevista ao Secretário-Geral da CGTP, o dossiê inclui os artigos «Sindicalismo e democracia na era da globalização», de André Freire e «O sindicalismo na encruzilhada», de Elísio Estanque.

A contagem decrescente para as eleições presidenciais norte-americanas marcará a actualidade durante o ano de 2008. A impopularidade de George W. Bush, confirmada pelas eleições primárias, põe a claro as contradições do espaço político conservador e da sua influência nos Estados Unidos. Johann Hari inscreveu-se num cruzeiro organizado pela revista conservadora National Review para recolher fundos e descreve o que viu e ouviu na reportagem «Cruzeiro no Titanic da direita americana».

A mercantilização da saúde e o seu impacto negativo no acesso dos doentes aos cuidados de saúde, no trabalho dos profissionais da área e na qualidade da medicina constituem o tema de «Rumo a uma medicina a dez velocidades», de André Grimaldi, Thomas Papo e Jean-Paul Vernant. Embora centrado no exemplo francês, este artigo traça um pano de fundo que, nas suas linhas essenciais, vem sendo aplicado em diversos países de uma forma crescentemente preocupante para quem sustenta a necessidade de assegurar a viabilidade dos serviços públicos de saúde.

Mário de Carvalho reflecte sobre a relação do Portugal dos dias de hoje com a sua história em «Sobre lanzudos e malandrins».

Estes são alguns dos principais destaques do número de Fevereirodo Le Monde diplomatique - edição portuguesa, que já chegou às bancas. O sumário da edição bem como o Editorial estão acessíveis aqui».

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O recuo bem pago do eixo do mal

David Frum é um «ideólogo» que ficou conhecido como escrevinhador de discursos de Bush. Parece que a expressão «eixo do mal» foi cunhada por si. Agora é investigador do American Enterprise Institute, um desses bem financiados «think-tanks» que fazem parte do que o economista Philip Mirowski chamou recentemente a «tecnologia de persuasão» do «colectivo intelectual neoliberal». Ontem em artigo no Financial Times Frum faz uma interessante radiografia da hegemonia alcançada pelo tal colectivo nos EUA. Reconhece que, desde os anos oitenta, é ele que domina o debate e define os «limites do possível»: «Quais foram as maiores realizações da presidência de Clinton? Equilíbrio orçamental, reforma dos apoios sociais [corte seria mais apropriado] e expansão da NATO [o desmantelamento de parte importante do sistema de regulação financeira herdado do New Deal também não pode ser esquecido]. E de Jimmy Carter? A liberalização da aviação e do gás natural».

O resto do artigo tenta mostrar que este ciclo de hegemonia está esgotado com o notório avanço democrata e com as reformas que estão a ser propostas para as áreas da saúde e da finança. Tenho muitas dúvidas e acho que há aqui uma tentativa para gerir e suster o recuo inevitável depois do desastre de Bush. Uma coisa parece certa: haverá sempre dinheiro a correr para financiar os combates ideológicos da direita intransigente. Neste campo nada é deixado ao «mercado». Esquecendo o dinheiro por um momento: a esquerda tem algumas coisas a aprender com o construtivismo intelectual da direita. Além disso, esta gente não confunde derrotas políticas com derrotas no campo das ideias. Mais uma lição. Não é que as ideias não se revejam, mas há que fazê-lo porque concluímos que estávamos errados e não porque perdemos politicamente. Aliás o facto desta direita nunca tender a fazê-lo pode ser uma das suas grandes fragilidades.

Relembrar boas posições

Em pleno Agosto José Silva Lopes, em entrevista a Helena Garrido, afirmava: «É preciso isolar as actividades de elevado risco das outras. Aliás foi o que se fez a seguir à crise de 1929. Mais tarde é que se desregulou tudo. Sou um economista antigo, vejo as regulações que tínhamos e que hoje já não existem e fico um bocado preocupado». O desenrolar da crise só confirmou a validade deste ponto de vista. Agora até a The Economist reconhece que algo está mal. No entanto, quem anda nisto há algum tempo sabe que os apelos a regras mais apertadas vindos de publicações «liberais esclarecidas», sempre nas mesmas alturas, são suspeitos e tendem a ser esquecidos pelas próprias. Os interesses sobrepõem-se à evidência que se vai acumulando: o período de liberalização tem sido responsável por um aumento das crises financeiras e os custos são pagos por toda a economia. Como é evidente enquanto existirem regras (e estas existirão sempre porque os mercados não funcionam sem elas), os liberais poderão sempre dizer que a responsabilidade é de quem as criou. A questão é se nós queremos que os «assuntos correntes da vida» sejam guiados pela fé.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A nova direita

Temo bem que Tony Blair possa ser eleito para a futura Presidência do Conselho da UE. Afinal de contas a direita comanda os seus destinos. E pouca gente representa tão bem como Tony Blair a fé nos «mercados livres» construídos pelo poder político, à força de bomba se for necessário. Além disso, se o cherne consegue chegar a Presidente da Comissão, imagine-se até onde pode chegar Blair. Entretanto, a União vai definhando, entre um Banco Central complacente, e disposto a fazer com que a economia europeia pague o processo de «correcção dos desequilíbrios» norte-americanos, e um conjunto de governos que agem como se tivessem percebido uma das teses fundamentais de Friedrich von Hayek: o modelo neoliberal só é compatível com uma democracia atrofiada e de muito fraco alcance.

O verdadeiro projecto de Sócrates

Daqui a alguns anos, quando se fizer a história da governação do Partido Socialista, sob a liderança de José Sócrates, uma coisa se tornará saliente acerca da sua orientação política de fundo: esta foi a época em que se instituiu o processo de esvaziamento e canibalização da provisão pública dos bens e serviços essenciais, espinha dorsal de qualquer comunidade política digna desse nome. O resto pode ser lido aqui.

O direito a fazer a casa que se quer?

O passado nada exemplar de José Sócrates serve, pelo menos, para analisar as posições da direita intransigente numa matéria que lhe deveria ser cara: a propriedade. Helena Matos (Público de ontem, sem link) tem pelo menos o mérito de ser clara lá para o fim do seu artigo: cada um deve poder fazer «a casa que quer». A ideologia do ‘individualismo possessivo’ é assim mesmo. Sem contemplações. Outros, mais sensatos, perceberão que não faz sentido falar de propriedade, como se esta fosse uma coisa, mas sim de direitos de propriedade (assim no plural), ou seja, de «feixes de direitos e obrigações» que definem os interesses e os valores que o Estado decide proteger em cada momento (a ideia é de Warren Samuels, importante economista institucionalista). O direito a usufruir de espaços decentes, de um território ordenado e sustentável, com património ambiental e cultural tanto quanto possível preservado deveria ir moldando a afectação dos direitos e obrigações. Afinal de contas vivemos em sociedade e limitar a ‘liberdade’ de um ‘proprietário’ pode permitir aumentar a liberdade de outros que o podem ser ou não ser. Assim, dizer que os projectos assinados por Sócrates são um «crime ambiental» ou uma «obscenidade arquitectónica» é já meio caminho andado para reconhecer que hoje pagamos um preço demasiado elevado pelo domínio da ideologia egoísta do ‘direito a fazer a casa que se quer’. Ideologia que blogues como o blasfémias e o insurgente continuam a promover de forma tão activa quanto contraditória. Os chamados projectos de interesse nacional são a continuação deste desastre por outros meios e com outros recursos. É o direito a construir o hotel ou o campo de golfe «que se quer».

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Lembrem-se

Está a circular uma petição muito importante que começa assim: «Nós, cidadãos europeus de todas as origens e inclinações políticas, desejamos expressar a nossa oposição à nomeação de Tony Blair para a Presidência do Conselho da União Europeia». Segue-se um conjunto de boas razões (via arrastão).

A europa paga a crise

Visto que a maioria das economias asiáticas tem as suas moedas ancoradas ao dólar, parece caber à Europa o custo do ajustamento norte-americano. Com o euro a valorizar-se como nunca e um BCE que pode, mas nada quer fazer em relação ao assunto, as economias europeias perderão inevitavelmente competitividade externa face aos EUA.

Colapso do dólar?

Martin Wolf, numa curiosa entrevista a Doug Henwood, defende que, à falta de uma nova bolha especulativa, a única solução para a recuperação da economia norte-americana será uma maior desvalorização do dólar, tornando as exportações mais baratas e as importações mais caras.
A significativa redução da taxa de juro das últimas duas semanas ajudará certamente a este resultado - passa a ser menos atractivo comprar dólares para investir em activos financeiros americanos. No entanto, esta estratégia levanta dois problemas: o aumento da inflação devido ao encarecimento das importações e o possível fim do dólar enquanto moeda de referência no sistema monetário internacional. Boa parte das transacções internacionais é feita nesta moeda (veja-se o caso do petróleo). Além disso, numerosos países fixam, de forma mais ou menos flexível, o valor das suas moedas em relação ao dólar na tentativa de assim reduzirem a instabilidade cambial. Ora, um dólar em queda livre deixa de cumprir esta função. Existe, por isso, a remota possibilidade de alguns destes países abandonarem a ancoragem cambial - é certo que com enormes custos - acelerando o colapso da moeda norte-americana. As consequências para a economia mundial seriam desastrosas.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Será hoje o dia da mudança nos EUA?

O estado da corrupção

Ao contrário do que possa pensar Paulo Pinto Mascarenhas, a corrupção não está relacionada com o peso do Estado. Se estivesse os países europeus, com os países escandinavos à cabeça, seriam os mais corruptos e menos transparentes. A diversidade de situações aconselha por isso cautela. As causas da corrupção temos de as procurar na fraqueza e falta de autonomia do Estado e dos seus agentes e na falta de escrutínio democrático do seu funcionamento. E não nos esqueçamos que a corrupção, como afirmou Michael Walzer, representa sobretudo a entrada do poder do dinheiro em esferas que deveriam funcionar com base noutros critérios. E, como sublinhou Kenneth Arrow (prémio Nobel da economia), mesmo «a definição de direitos de propriedade e de um sistema de preços depende precisamente da não universalidade dos direitos de propriedade e do sistema de preços». A estrada para as utopias de mercado, defendidas em revistas como a Atlântico, está pavimentada pela expansão do poder do dinheiro muito para além da sua esfera sempre contestada. Além disso, um discurso que subestima e despreza a ética do serviço público, os profissionais e as práticas que a podem sustentar, fica sem recursos intelectuais para traçar as linhas entre o que se pode comprar e vender e o que não se pode nem deve comprar e vender. A corrupção não se combate pelo encolhimento do Estado (aliás o programa neoliberal, ao contrário de certa retórica libertária romântica que o acompanha, nem sequer o pressupõe, apostado que está em operar uma reconfiguração das suas funções), mas sim pelo encolhimento das possibilidades que o dinheiro tem de influenciar o processo democrático de definição das regras e da sua aplicação (e só a adesão consequente a esta ideia já pressupõe todo um combate anti-neoliberal).