domingo, 10 de fevereiro de 2008

Não há que esperar muito das eleições americanas

Depois de John Edwards se ter afastado da corrida à nomeação democrata para as eleições presidenciais americanas, já pouco se pode esperar no que respeita a alterações significativas nas políticas federais americanas nos próximos anos (mesmo que - como parece, para já - os democratas vençam as eleições em Novembro).

Nem Clinton nem Obama defendem um sistema nacional de saúde universal; nem Clinton nem Obama interpretam a crise do 'subprime' como um resultado da desregulação financeira e ambos se mostram muito cautelosos nas receitas para ultrapassar a crise; nem Clinton nem Obama se comprometem em relação a prazos de retirada no Iraque; nem Clinton nem Obama questionam a energia nuclear como solução para os problemas energéticos do futuro (ver aqui o trabalho de comparação entre os dois candidatos preparado pela Democracy Now, organização americana de informação alternativa de grande qualidade).

Ambos têm uma retórica que apela aos desapossados, aos ambientalistas e àqueles que sentem vergonha da imagem que o resto do mundo tem dos EUA. Ambos poderão vir a tornar o sistema de saúde americano (baseado, essencialmente, em seguros privados) um bocadinho mais abrangente e introduzir ligeiras correcções num sistema fiscal que Bush criou para beneficiar os ricos. Ambos, pelo simbolismo da sua eventual eleição, poderão contribuir para tornar os EUA um pouco menos racista e/ou um pouco menos machista. Mas, vença Clinton ou vença Obama, não vale a pena esperarmos por um novo New Deal, nem uma mudança substancial na política externa americana (para o bem ou para o mal).

Afirmava Michael Tomaski no número de Janeiro do New York Review of Books (num interessante artigo sobre as tendências que dominam actualmente o Partido Republicano e que o tornam, basicamente, numa extensão do movimento conservador americano): «um presidente republicano que seja eleito em 2008 terá sido colocado no lugar pelas facções que controlam o seu partido e não há motivo para esperar que ele irá desafiar essas facções. Esperemos que no futuro os republicanos que não integram essas facções decidam desafiar o poder destas» (a tradução é minha).

Nos EUA, quando se fala de facções partidárias não se fala apenas de ideologia (direita religiosa, neoconservadores, ultra-liberais). Por detrás das correntes ideológicas estão sempre as grandes somas de dinheiro que financiam as campanhas eleitorais. E o que Tomaski escreve sobre os republicanos também se aplica aos democratas: os discursos ambíguos de Clinton e Obama sobre alguns aspectos centrais do que seria uma verdadeira agenda progressista (como a que Edwards apresentou) reflectem em boa medida os interesses daqueles que os apoiam, seja a partir das estruturas do Partido Democrata, seja através de generosos financiamentos privados.

Vídeos como este (via TV Arrastão) emocionam a gente de esquerda e criam grandes esperanças. Mas tenhamos noção das circunstâncias - ou preparemo-nos para as grandes desilusões.

6 comentários:

Mar Arável disse...

Neste caso
tudo diferente para

ficar tudo igual

josé manuel faria disse...

Há o mal menor.

Anónimo disse...

Eu tenho esperança no Obama! Sei que não apresenta um programa completamente de esquerda, mas sinceramente em comparação com a Hillary ou com o John Maccain prefiro 10 Obamas! No panorama politico americano Barack Obama é sem dúvida um mal menor!

Anónimo disse...

Deduz-se pelo artigo, que quem o escreveu,considerará os USA e o seu povo racistas e machichas, no matter what! É um país onde as minorias têm o melhor nível de vida do mundo, onde mais estrageiros triunfam sob todos os aspectos, onde asiáticos, africanos e árabes têm mais inportância na sociedade civil...no entanto, a partir de uma Europa que não sonsegue lidar com "meia dúzia" de emigrantes das suas regiões limitrofes, o autor deste blog arroga-se juiz daqueles que ainda nem sequer foram eleitos! é o velho processo de intenções leninista no seu melhor!
- Que interessa qu eseja preto? Vai ser eleito por racistas, para fingir que não o são! Que importa que seja mulher? Vai ser eleita por machistas a fingir que não o são!
Pois é: mas foi em França que o Jean-Marie Le Pen teve 15% dos votos, não foi nos USA. É na Alemanha que os emigrantes Turcos se sentem mal-tratados e nao nos USA onde 30% dos professores de matemárica são orientais e árabes...
Já agora, a fotografia do terrorista Che Guevara estava mesmo por detrás dos candidatos ou é mais uma concessão aos apoiantes da mais antiga ditadura do mundo?!

Anónimo disse...

"nem Clinton nem Obama questionam a energia nuclear como solução para os problemas energéticos do futuro"
E fazem bem. A energia nuclear é bem mais limpa do que as centrais térmicas. Produzir electricidade a queimar petróleo caríssimo é um disparate monumental. E as chamadas energias alternativas (eólica, por exemplo) ainda não podem competir, em termos de eficácia, com a energia nuclear. Seria saudável para o mundo deixarmo-nos de fundamentalismos.

Ricardo Paes Mamede disse...

Caro anónimo,

o seu comentário permite-me perceber que disse e fiz coisas que nunca conseguiria perceber através da leitura e releitura do meu post. Agradeço os seus esclarecimentos.


Caro jpt,

no que respeita à posição sobre o nuclear não fui completamente rigoroso. Clinton e Obama não expressam exactamente a mesma posição: enquanto o segundo assume frontalmente o nuclear como opção, Clinton reconhece os problemas desta opção - mas num momento raro de demagogia afirma acreditar que a capacidade tecnológica americana poderá resolver todos os problemas que o nuclear acarreta actualmente.

O facto de ambos terem na sua lista de maiores financiadores CEO de empresas de energia nuclear sugere que no final as suas decisões não serão muito diferentes. Mas a posição que exprimem agora não é irrelevante.

Neste como em todos os assuntos estou disponível para um debate baseado em argumentos racionais. E o que sei é que continua a não haver resposta sobre o que fazer com os resíduos da produção de energia nuclear. Quem defende o nuclear como opção inquestionável está a excluir esta variável do seu modelo. Eu defendo um princípio da precaução - e a até agora ainda não conseguiram convencer-me que não vale a pena pensar na questão dos resíduos.

A poisção de Hillary Clinton - a de que a tecnologia resolverá todos os nossos problemas - simplesmente não me convence. Porque é que o avanço tecnológico há de resolver mais facilmente o problema dos resíduos nucleares do que tornar economicamente viáveis as energias alternativas? Consegue esclarecer-me ou prefere ficar por apelidar-me de fundamentalista?