terça-feira, 11 de novembro de 2008

O discurso do combate às corporações - I


O mal-estar que hoje se vive nas escolas, e no resto da Administração Pública embora menos visível, obriga-me a divulgar aqui alguns excertos de um texto que publiquei em Abril no Le Monde Diplomatique (edição portuguesa). Para as referências bibliográficas é preciso comprar o jornal.

O discurso do combate às corporações assume que a racionalidade humana é predominantemente egoísta, um pressuposto essencial ao pensamento neoliberal. Por isso, o seu discurso veicula a ideia de que o comportamento oportunista domina as organizações. Também por isso, concebe a gestão sobretudo como uso de mecanismos de controlo hierárquico através da monitorização do esforço dos subordinados e dos seus resultados. Note-se, antes de mais, que este conceito de racionalidade humana é simplista e não corresponde ao que hoje sabemos sobre a complexidade da natureza humana. Depois, esta visão reducionista do ser humano desvaloriza a generosidade dos actores e a sua capacidade para cooperar na concretização de um projecto de interesse comum. Esse menosprezo do que há de melhor na natureza humana acaba por ter efeitos perversos bem identificados na literatura especializada: os sistemas de gestão que pressupõem um oportunismo generalizado acabam por estimular o tipo de comportamento que visam combater. Por outro lado, os esquemas de avaliação de desempenho não são apenas algo externo, um constrangimento à acção dos indivíduos; também moldam as suas motivações e percepções da realidade em que trabalham. Por isso mesmo, a escolha de um modelo de avaliação não é uma escolha técnica, bem pelo contrário é algo que determinará a natureza (mais ou menos hierárquica, mais ou menos cooperativa) das organizações, com consequências sobre o serviço que prestam. Este é o nó da questão na actual reforma da administração pública, com especial destaque para os sectores da saúde e do ensino.

2 comentários:

F. Penim Redondo disse...

A bondade das corporações também se observa relativamente à Associação Nacional de Bancos ?

Os comportamentos da corporações tendem ou não a centrar-se no interesse "egoista" da classe ?

O ser humano é realmente muito complexo mas, por causa disso, devemos abandonar qualquer tentativa de organizar e avaliar os comportamentos laborais ?

Não percebo qual é a tese deste texto.

Pedro Sá disse...

A tese é a cassette que se ouve do BE: a avaliação vai lançar colegas contra colegas.

Como se isso fosse um drama.

Isto parece o discurso de que "o povo tem que estar unido mesmo que não o queira".