domingo, 15 de fevereiro de 2009

Mal-agradecidos

Hoje logo pela manhã liguei a televisão e apanhei um debate sobre crise financeira na BBC, já ele ia a meio. Um dos comentadores, cujo nome já não tive oportunidade de confirmar, disse a dada altura qualquer coisa como: ‘os críticos que associam a crise actual ao modelo de desenvolvimento neoliberal que tem vigorado na Europa nos últimos anos são uns ingratos; seria bom ouvir dessas mesmas pessoas um agradecimento por tudo o que a Europa, e este modelo, fizeram pela prosperidade económica e social nos últimos vinte/trinta anos. As pessoas melhoraram drasticamente as suas condições de vida e a prova disso está na generalização do acesso aos bens de consumo. Agora que estamos em crise, só são salientados os aspectos negativos e ninguém reconhece o quanto de bom este modelo trouxe aos cidadãos europeus’.

Confesso que ainda não me tinha confrontado com tão explícita afirmação da tamanha ingratidão dos ‘críticos’. O bem-estar dos cidadãos europeus mede-se, afinal, pela generalização do acesso aos bens de consumo e não pelas desigualdades crescentes ou pela polarização social. O bem-estar mede-se, afinal, pela quantidade de coisas que cada um e cada uma pôde comprar nos últimos anos e não pela generalização dos níveis de endividamento que depauperam as famílias europeias.

Efémeros são os bens de consumo que devemos agradecer ao modelo, efémera é a sustentabilidade do próprio modelo, que, de tão bom que é, não consegue aguentar-se mais do que os tais vinte ou trinta anos sem entrar em crise generalizada. Perenes são os custos que temos de pagar por essa generosidade que, mal-agradecidos, nem temos a humildade de reconhecer.

1 comentário:

Pedro Fontela disse...

Fantástico essse comentador da BBC... é o mesmo que dizer: "Vamos condenar 90% das pessoas à irrelevância social e política mas não fiquem tristes porque têm direito a uns brindes!". Isto já é lata a mais.