sábado, 28 de março de 2009

Crise: o que fazer? (II)

O agravamento da crise, acompanhado da incapacidade da UE em combatê-la eficazmente, é suficiente para levar o Estado português a uma situação de emergência financeira. Apenas uma questão de tempo.

Por isso, alguns economistas já vão assumindo como inevitáveis as reduções nos salários (começando pelos funcionários públicos) porque dão por adquirido que o cenário da descoordenação e da inércia na UE é o único possível. Dentro em breve vão sugerir um “governo de salvação nacional” para aplicar medidas gravosas, tal como as que estão a ser tomadas em vários países da Europa de Leste, na Grécia e na Irlanda. Medidas recessivas porque diminuem a despesa interna e agravam o desemprego, dessa forma aprofundando a espiral negativa existente. Neste cenário, indesejável mas provável, a revolta social tomaria conta da rua e a viabilidade da própria União estaria em causa.

Acontece que o cenário federalista de combate à crise, sendo o que melhor e mais rapidamente permitiria superá-la, não é sequer pensável pelos actuais governos da União. A ortodoxia torna os governos europeus cegos perante as soluções possíveis, incluindo os que se dizem socialistas. Impede-os de entender o que se passa e, portanto, de optar por um novo paradigma político. Exactamente como à entrada dos anos trinta do século passado nos EUA.

O que podemos fazer? A minha resposta é: obrigar os governos europeus a romperem com a constituição económica do Tratado da União. Como é que isso se faz? Explorando três dinâmicas cumulativas e interdependentes:

1) Debater a viabilidade das soluções alternativas. Sem ideias credíveis não seremos sequer ouvidos.

2) Exigir na rua a mudança. Sem a pressão dos movimentos sociais as novas ideias não conseguem audiência.

3) Apresentar uma alternativa política. A esquerda não pode refugiar-se numa ética de valores e numa prática de contrapoder. Tem de ir mais longe e assumir uma ética de responsabilidade, o que a obriga a apresentar um programa de governo exequível contemplando medidas de emergência consistentes com um modelo de desenvolvimento sustentável.

Neste quadro, à escala do nosso País, o próximo 1º de Maio deveria constituir um momento de forte interpelação política aos governos europeus. Será que os portugueses de esquerda saberão estar à altura do tempo que lhes foi dado viver?

8 comentários:

João Pedro Santos disse...

Concordo em boa parte no que aqui se refere, nomeadamente quanto aos riscos financeiros para Portugal e às vantagens que uma solução "federalista" poderia ter. Mas noto que não se resiste a culpar a UE pelos nossos males (esquecendo as nossas próprias responsabilidades na nossa situação) numa certa demonização da UE que é vista mais como causa dos problemas do que como possível solução precisamente a característica da actuação dos poderes nacionais que pode por em causa a viabilidade da UE. Além disso, parece-me que relacionar um eventual projecto "federalista" com um projecto de esquerda radical (em vez de um projecto que vise unir várias sensibilidades políticas) não contribui em nada para a respectiva viabilização.

CS disse...

Jorge,

Respeitando como sempre o JP Santos eu penso que o modelo actual da UEM é ingovernável. O caso da Irlanda quase dava um cardápio sobre como evitar a crise. Mas ela já aí está. Curioso é ainda haver quem queira que Portugal siga aquele modelo: http://tinyurl.com/cwrw7e

Abraço,
Carlos

CCz disse...

Recomenda algum sítio para "dummys" onde se possam ler essas soluções alternativas:
.
"1) Debater a viabilidade das soluções alternativas. Sem ideias credíveis não seremos sequer ouvidos."

Mário Moniz disse...

Infelizmente começa-se sempre pelo elo mais fraco: congelar ou mesmo diminuir salários. Até seria uma medida razoável se fosse cingida aos ordenados "chorudos", aos prémios atentórios da dignidade de quem trabalha ou à roubalheira da distribuição de dividendos em empresas que despedem trabalhadores só porque baixaram os lucros. Mas quando se fala em não aumentar ou mesmo diminuir, já sabemos de quem se está a falar.

http://livrecomoovento.blogs.sapo.pt/

CS disse...

O achincalhamento vindo da direita assume formas impensáveis: http://tinyurl.com/djrxkf

Dias disse...

(Faliu o “pensamento único” … “o liberalismo selvagem entregue ao interesse egoísta de todos os agentes económicos”).

Que linguagem, my god!
O poder vai tentando moldar-se aos novos tempos. Este governo PS e a UE chefiada por Barroso têm sido grandes os intérpretes das políticas neoliberais, visando a extinção do modelo social europeu. Uma “arte” que eles não esquecem de um dia para o outro…

Rui Costa disse...

Ultimamente, tenho ouvido falar bastante desta ideia "brilhante" da diminuição dos salários. Escrevi, inclusive, um post sobre o assunto. Passo aqui algumas das ideias nesse post:

Embora nos custe a admiti-lo, a realidade é que de facto somos um país com baixa produtividade. Não só ao nível do trabalhador, como também ao nível do gestor. Mais uma vez, uma questão de mentalidade que urge mudar... E para tal, parece-me, é fundamental entender o nosso papel no meio de tudo isto.

É um cliché dizê-lo, mas aqui aplica-se como uma luva: o trabalhador deve entender que, ao dar o máximo de si para enriquecer o negócio do seu patrão, está ele próprio a criar uma base sólida para o seu futuro. O patrão deve entender que, ao proporcionar melhores condições ao seu funcionário, está a investir na capacidade produtiva dos seus trabalhadores, o que leva a um crescimento do seu negócio.

É estranho, mas é uma situação Win-Win. Então porque não vemos isso acontecer? Porque é necessário que ambos os intervenientes tenham essa visão e tomem essa atitude em simultâneo. Caso contrário, se o trabalhador der o máximo de si e não for justamente recompensado, ou se o patrão der as melhores condições possíveis aos seus funcionários mas a produtividade não aumenta (ou até diminui), já todos nós sabemos para onde converge este processo...

Anónimo disse...

Os maiores teóricos da gestão andam há quase 50 anos a dizer que se uma empresa enfrenta uma recessão deve sacrificar os seus lucros, que afinal não passam de um teste à validade do negócio. Até o fundador da Sony, Akio Morita, disse que os trabalhadores não devem ser castigados por uma crise. E porquê? Porque são eles o óleo que faz as engrenagens da organização funcionarem. Se quiserem que o motor dure menos tempo basta colocarem óleo mais barato.