terça-feira, 5 de maio de 2009

Monopólios vitais

Acho verdadeiramente inacreditável que, no actual contexto, Vital Moreira venha invocar, em artigo no Público, a «economia de mercado» para defender a manutenção do controlo empresarial privado do sector da energia. Os mercados não passam aí de uma ficção custosa. Vital Moreira sabe bem que o conceito de «economia de mercado» não é hoje mais do que uma capa mal amanhada para ideólogos da chamada «acumulação capitalista por expropriação» de recursos e de bens comuns, que foram erguidos com o esforço de todos e que são sempre pagos por todos. Falemos antes de capitalismo e das suas variedades...

Os lucros da EDP e da GALP servem para remunerar accionistas e para pagar principescos bónus aos seus gestores. Os cidadãos pagam as facturas da energia, que são 25% mais caras do que as que vigoram na vizinha Espanha, e suportam as lucros abusivos da Galp no ajustamento dos preços do combustível, que se tornaram uma referência para o resto do mercado. Não percebo o argumento dos lucros, ou melhor das rendas, estarem alinhados com o que se passa noutras empresas do sector por essa Europa fora. Se estamos perante sectores monopolistas, outra coisa não seria de esperar.

O argumento da regulação é muito fraco. O controlo público é a melhor forma de diminuir os riscos de captura do regulador por interesses privados poderosos e de evitar as assimetrias de informação que fazem com que os comportamentos abusivos para servir accionistas ávidos de dividendos sejam muito frequentes. Além disso, como a presença da CGD no sistema financeiro bem mostra, a propriedade pública pode ser um complemento útil quando a regulação falha. Não creio que Vital Moreira seja a favor da privatização da Caixa apenas porque o sector financeiro já é regulado (mal regulado...).

O argumento do encargo para as finanças públicas é ilusório. A nacionalização destas empresas não implica que o Estado recupere os activos aos preços que vigoram no mercado. Era o que mais faltava, tendo em conta o ruinoso negócio que o Estado fez com a venda destas empresas. Calcula-se que, só na venda da Galp a Amorim, o Estado tenha perdido 1500 milhões de euros. Isto sem falar nos dividendos perdidos. Amorim tornou-se o homem mais rico do país sem produzir nada. Assim se premeia o empreendedorismo. Enfim, o Estado deve nacionalizar e pagar uma indemnização que tenha em conta o preço pago aquando da privatização e os lucros ganhos desde então. Nada de demasiado oneroso para as finanças públicas. Um investimento com retorno mais do que certo para todos. Enfim, pelo menos ficámos a saber que Vital Moreira é contra a privatização parcial da REN…

15 comentários:

Wyrm disse...

trata-se do capitalismo-rentista, não? ou estou a usar mal o termo?

a ver se inscrevo os meus irmãos nos partidos do centrão. pode ser que daqui a uns anos também me torne capitalista...

Nuno Teles disse...

capitalismo rentista e' mesmo a expressao certeira

Luís disse...

Socialismo pardo. O tal de vitalismo! Mesmo a calhar.

Andar a rondar sobre se certos monopólios críticos para o desenvolvimento devem estar ou não em mãos privadas não é uma discussão de luxo a que só alguns possam aceder.

A privatização dessas empresas foi danosa para o desenvolvimento do país;para as contas públicas... e serviu prima face para enobrecer um parca plutocracia económico-financeira de raíz nacional.

Essas empresas (e os lucros q elas geram) eram e continuam a ser precisos para serem aplicados numa estratégias desenvolvementista do país; o jogo do mercado é o jogo da iniquidade; sócrates é um árbitro comprado, meu senhores; Vital Moreira, ideólogo de serviço, julga que a "regulação" sentido lato também é campo emergente do saber; e aí temos direito à multidisciplinariedade, às vezes mto apreciada na academia, pois tá visto que nesse campo DIREITO E ECONOMIA casam bem; e ai se casam!

Só a falência sistémica do rumo que hoje o crescimento 0% vai gerar dará lugar a uma mudanças no ideário nos centros de poder em Portugal. A política é a política; mas o poder, o dinheiro; esses tais é que decidem!

Luís disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dias disse...

Esclarecedor, João Rodrigues!

João Pedro Santos disse...

Além de absolutamente ilegal a "solução" proposta e contrária à Convenção Europeia dos Direitos do Homem que protege o direito de propriedade e da livre iniciativa individual dos cidadãos e particularmente injusta para quem tenha adquirido acções posteriormente por preços superiores.

Anónimo disse...

Eu acho que devem nacionalizar tudo. Andam com muitas saudades do PREC. Defender nacionalizações é algo de extraordinário.

Antonio Rodrigues

Unknown disse...

Direito de propriedade, livre iniciativa? Propriedade de quem? Iniciativa de quem?
Isto é como trocar um burro por um terreno, o burro um dia morre, mas o terreno fica lá.

Nunca o sector energético de um país deveria sair das mãos do estado.

Anónimo disse...

Discordamos em alguns pontos:
"Os lucros da EDP e da GALP servem para remunerar accionistas" - qualquer cidadão pode ser accionista da EDP e da Galp (comprando acções destas empresas). Se há algo democrático, onde todos podem ter acesso, é a bolsa de valores.

"Os cidadãos pagam as facturas da energia, que são 25% mais caras do que as que vigoram na vizinha Espanha, e suportam as lucros abusivos da Galp no ajustamento dos preços do combustível, que se tornaram uma referência para o resto do mercado." -
Os preços dos combustíveis em Portugal, antes de impostos, são semelhantes aos praticados na restante Europa. A criticar os preços altos, devemos começar pela carga fiscal.

"O argumento do encargo para as finanças públicas é ilusório. A nacionalização destas empresas não implica que o Estado recupere os activos aos preços que vigoram no mercado. Era o que mais faltava, tendo em conta o ruinoso negócio que o Estado fez com a venda destas empresas." - Se eu lhe vender batatas a 5€/kg, e você depois as vender a 7€/kg, isso não me dá o direito de lhe ir buscar coercivamente a diferennça pois não? O que está a afirmar é simplesmente um roubo (não só aos grandes accionistas, mas todos os pequenos accionistas que comprarm acções da GALP a 10, 11, 15€...) que não passa a ser legítimo apenas porque a sociedade colocou o monopólio da violência nas mãos do Estado. Neste caso, qualquer accionista teria também legitimidade para responder a esta violência com igual tipo de resposta.

"Se estamos perante sectores monopolistas, outra coisa não seria de esperar." - Ora aí está. Se calhar a solução não passa por um monopólio Público, mas sim pela introdução de concorencia que obrigue estas empresas a prestar serviços com maior qualidade e por preços mais baixos.

PS - Se a EDP e a GALP fosse renacionalizadas, os 1500 milhões de € de lucros não existiriam. Provavelmente até seriam transformados em prejuízos (ver TAP e RTP, por exemplo)

Cumprimentos,

Anónimo disse...

A questão das rendas é interessante, e de facto há usn tempos tive uma conversa acerca do tema em que se discutia isso mesmo: será que bens essenciais como a água e a energia deveriam ter um preço (com base em valores de mercado e na lei da oferta-procura), ou simplesmente um custo (em que apenas se pagaria o necessário e suficiente para custear as despesas de fornecimento destes bens)?

Por outro lado, face a preocupações de eficiência energética e de preocupação ambiental (não desperdício de recursos essenciais e procura de sustentabilidade), não deveria o valor pago por estes bens ser mais elevado do que o custo apenas, de forma a estimular um consumo mais responsável?

Wyrm disse...

"Se há algo democrático, onde todos podem ter acesso, é a bolsa de valores."

Depois de ler isto, não vale a pena ler o resto do arrazoado. Já percebi de onde vem e para onde quer ir. Passe bem.

Anónimo disse...

Caro Wyrm,

Fiquei com pena que não quisesse ler o resto do texto, e sobretudo, com pena de não ter lido qualquer contra-argumento da sua parte que me prove que aquilo que eu disse está errado.

Sou bolseiro numa universidade, moro num apartamento arrendado e dificilmente poderei ser classificado de outra coisa que não classe média. Isso não me impediu de investir em 300 acções da REN aquando da sua privatização, que me têm dado algumas alegrias e dividendos, felizmente. è pouco, os 1000€ que lá gastei? é o possível. Se só pudesse comprar 150, faria isso mesmo. Mas ninguém me impediu de as comprar, certo? Por isso não percebo como não é a Bolsa de Valores algo Democrático. Por acaso alguém o impede de comprar 1 acção que seja?

Anónimo disse...

Há gente que gosta de jogar na roleta - é o caso da Bolsa - e á gente que gosta de jogar pelo seguro (é o caso do Vital Moreira que, como cabeça de lista do PS vai ganhar o euromilhões).
É que isto, sabiam, há gente para tudo.

Carlos disse...

Caro Pedro Gomes

O que eles querem são preços de energia baixos e empresas públicas que dão prejuízos. Depois quando faltar o capital acumulado para financiar novos investimentos, limitam-se a expropriar mais umas empresas "estratégicas" e assim recomeça o ciclo.

Wyrm disse...

Caro Pedro,

Tu ainda és jovem e ingénuo. Se achas que o facto de poderes comprar meia dúzia de acções de um qualquer grupo é sinal de democracia, então lembra-te do BCP, em que milhares de accionistas viram o seu stock completamente desvalorizado devido a práticas incompetentes/criminosas de uma administração que não podiam de maneira nenhuma controlar.

Tu ainda és um apaixonado do "mercado" e pelos neoclássicos. E pelo que já li até fazem algum sentido quando lidos no conforto da academia. É como o comunismo, no papel faz todo o sentido.

Quero apenas dizer que não é preciso ser um génio para olharmos em volta e percebermos que os maiores proponentes das teorias do mercado desregulado e do liberalismo económico são frequentemente como o S. Tomás.

Ou tu achas que os banqueiros que correram a pedinchar os "bail outs" não financiam o departamento de economia de Chicago, a Mount Pelerin, Ayn Rand Foundation, etc....