sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Controlar os salários dos gestores - e tudo o que ainda está por fazer

«Regular as remunerações praticadas pelas empresas financeiras é defendido pelas mesmas razões que justificam a regulação tradicional das decisões empresariais. Os incentivos gerados pelas estruturas de remuneração determinam a forma como os gestores se comportam dentro das fronteiras permitidas pela regulação tradicional e directa. E como a regulação tradicional das decisões empresariais é imperfeita, regular as estruturas de remuneração pode ser uma ferramenta adicional útil para controlar os riscos provocados pelo comportamento das empresas financeiras.» As palavras lúcidas são de Lucian Bebchuk, professor de Direito em Harvard, e são parte do artigo publicado pelo Project Syndicate.

Se antes da crise financeira os Ladrões de Bicletas tinham de justificar em detalhe porque defendiam a imposição de restrições políticas aos salários praticados no sector privado (e.g., aqui, aqui e aqui), esta parece ser hoje uma posição consensual (pelo menos no que respeita à banca), inclusive entre os dirigentes da UE tradicionalmente mais liberais (ver esta carta conjunta de Brown, Merkel e Sarkozy, tendo em vista a próxima reunião do G20) .

Infelizmente, no momento actual, não há mais consenso do que isto. Da mesma forma que defendemos o controlo das remunerações dos gestores (como forma de combater a desigualdade e para prevenir práticas socialmente irresponsáveis), também várias vezes argumentámos que só haveria crescimento sustentado e estabilidade financeira quando fossem tomadas outras medidas, que incluem: regras prudenciais e contabilísticas mais exigentes, reforço da supervisão do sistema financeiro, controlo público das agência de 'rating', fim dos paraísos fiscais, impostos sobre as transacções financeiras, controlo dos movimentos de capitais especulativos, promoção do investimento em capacidade produtiva em detrimento da expansão do sector financeiro, entre outras (este texto de Crotty foi por nós citado mais do que uma vez como uma das referências fundamentais para perceber a pertinência destas e outras propostas).

No entanto, nada disto estará em cima da mesa na próxima reunião do G20 em Pittsburg. A inversão recente dos indicadores económicos (que resulta de um esforço financeiro sem precedentes por parte dos Estados e dos bancos centrais, esforço que iremos todos pagar por muitos anos) e a debilidade política das forças progressistas no momento da chegada da crise (que não permitiu que esta favorecesse uma alteração significativa da correlação de forças), conjugam-se agora para que, mais uma vez, se adiem as decisões necessárias para pôr um travão à economia de casino.

Não tenhamos dúvidas: o resultado será a continuação da instabilidade financeira, o acentuar da desigualdade e níveis de crescimento económico que ficam muito àquem daquilo que as capacidades tecnológicas e as competências sociais permitem. Só há uma boa notícia em tudo isto: os Ladrões de Bicicletas continuarão a ter razões para existir por mais uns anos.

7 comentários:

LA disse...

Eu sou um leigo na matéria e não faço a mínima ideia de como é que os salários dos gestores de empresas privadas (nas públicas seria fácil fazer uma indexação)possam ser controlados, ou como é que se controla o salário de um Cristiano Ronaldo. Parece-me impossível numa economia de mercado haver controles desses, mas gostava de saber como é que se poderia fazer isso.
Talvez um movimento de massas pudesse obrigar a maior justeza, mas para isso era preciso que os ordenados dos gestores fossem públicos e visíveis, para que os que ganham 500 euros se pudessem indignar e pressionar os malandros dos de 30000 euros.

Jaime Casanova disse...

No sector privado, do qual tenho alguma experiência, os salários são definidos em muitos casos sem uma relação directa com a função desempenhada.
O que sucede é a existência de um "bolo" para determinada área, que depois é repartido pelo número de trabalhadores nessa mesma área.
É neste processo que se geram as desigualdades tão profundas no nosso país, onde os valores atribuidos às direcções, chefias intermédias e restantes colaboradores, são totalmente diferentes e injustos.
O restante é mecânica processual e de legitimação legal, como a atribuição de categorias profissionais que nada têm a ver com as funções desempenhadas e as responsabilidades exigidas.
Cabe também aos trabalhadores, solidarizarem-se e organizarem-se (nomeadamente através das associações sindicais), o que não acontece.
Aproveito para deixar um link para o blog onde colaboro com um colega:
www.alaiadeguisa.com

antónio m p disse...

Caríssimos, faço votos que os ladrões de bicicletas não acabem. Pelo menos enquanto houver bicicletas. Ladrões desses fazem muita falta para denunciar os outros que é o mais que poderão fazer - e já não é pouco.

Miguel Rocha disse...

Tempos Negros...

Esta é a expressão que me surge quando pressinto o que está para vir se o paradigma económico que nos governa não mudar no curto/ médio prazo...a nível mundial.

Concordo inteiramente com este artigo e com o que, na generalidade, escrevem Ricardo Pais Mamede e João Rodrigues, dois economistas que tive a honra de conhecer.

Parece-me que existem dois vectores fundamentais que explicam o actual paradigma económico e o aumento da "aceitação explícita" da desigualdade nos últimos 20 anos.

A existência de paraíses fiscais/ offshores:

Para mim, a existência destas "entidades" deveria envergonhar todas as democracias. Como é que o governo de cada país tem o descaramento de cobrar impostos com a existência destas entidades? Como é que poderemos chamar de imorais as práticas de fuga aos impostos com a existência destas entidades? Se os paraísos fiscais não foram proibidos é porque são legitimados pelas democracias, no fundo, porque estas os aceitam como sendo "naturais". O contrasenso é os estados ainda se arrogarem a cobrarem impostos. Se os detentores de grandes fortunas conseguem "investir" em paraísos fiscais e assim fugir aos impostos porque não deixam fugir os pequenos e a classe média? Das duas uma: ou se proíbem os paraísos fiscais a nível mundial ou as democaracias não têm qualquer validade moral para cobrar qualquer tipo de imposto seja a quem for. Voltando ao básico: para que existem impostos? Os impostos servem, entre outras coisas, para servirem a sociedade de bens públicos. Coisas como estradas, iluminação pública entre outras...coisas que não existiriam sem impostos pois niguém estaria disposto a pagar por estas infra-estruturas pois seriam usados por toda a gente sem custos para esta.
Por outras palavras, que investe o seu dinheiro em "offshores" está a usar bens públicos que todos nós pagámos e eles não. Para mim são ladrões que roubam à sociedade e minam a Democracia por dentro como nenhum regime comunista minou...

O GRANDE PROBLEMA do "investimento" em paraísos fiscais é que o resto da sociedade que não o consegue fazer como os trabalhadores dependentes e outros serão cada vez mais sobrecarregados como o tempo com maior agravamento de impostos. E obviamente, as condições de vida da classe média irão-se degradar cada vez mais. E a desigualdade também.

A classe média, por sua vez, confusa e revoltada irá culpar a classe pobre por esta "sugar" os recursos do Estado através de subsídos de desemprego e outras transferências sociais.

Estudos indicam que se um país tiver uma classe média forte terá uma democracia forte portanto com a erosão daquela só posso pressentir que os radicalismos irão aumentar e os partidos do centro irão decrescer em percentagem de votos.

E eu pergunto: será que estamos a viver numa VERDADEIRA Democracia? Existe uma variável fundamental para que uma Ditadura se imponha e se mantenha durante o tempo. Essa variável consiste em priveligiar certos sectores da sociedade em detrimento de outros. As pessoas apoiam qualquer pessoa/ regime que lhes concedam certos privilégios...
E eu pergunto: este paradigma económico (cuja existência está dependente de "offshores" segundo alguns dizem) priveligia quem?

Enquanto houver sectores sociais priveligiados em detrimento do bem estar comum da sociedade não viveremos numa VERDADEIRA Democracia.

Miguel Rocha disse...

O segundo vector que quero enunciar é a queda da União Soviética:

Eu sei que a União Soviética era uma ditadura, e como qualquer ditadura, é desprezível.

No entanto a existência desta foi fundamental para o bem-estar económico e social das democracias ocidentais.

As democracias ocidentais sabiam que o principal impulsionador dos regimes comunistas a nível de expansão internacional era a miséria: quanto mais miséria e pobreza houvesse em determinado país, mais provável seria a sua queda para o Comunismo. Uma maneira óbvia de evitar este fenómeno era dar melhores condições à população como melhoria de salários entre outras medidas. O patrão percepcionava que era melhor partilhar mais justamente o lucro com o trabalhador do que ver-se obrgado a ficar sem a sua empresa, e por sua vez, sem nada caso o Comunismo ganhasse.

O que aconteceu com a queda da União Soviética?

O Capitalismo vendo-se como monopolista de todo o planeta Terra e sem outra doutrina que lhe fizesse frente ao mesmo nível, radicalizou-se e tudo se tornou aceitável: Paraísos fiscais, falsos recibos verdes, precariedade laboral...enfim, a lista é imensa.


O que Portugal pode fazer relativamente aos paraísos fiscais? ABSULUTAMENTE NADA! E isso é que é triste. A não existência do Offshore da Madeira levaria a uma fuga de capitais para outra offshore noutro país o que seria catastrófico para Portugal.

Essa intervenção teria que ser global porém a actual "recuperação" económica já suavizou os protestos de alguns líderes mundiais contra os paraísos fiscais. Logo, tudo na mesma...

Está "toda" a gente contra a intervenção do Estado na economia mas quanto o assunto é salvar a sua empresa da falência que venham os "Comunistas"...nessa altura já niguém come crianças ao pequeno-almoço.

E como esta Economia de Casino não é reformada iremos de recessão em recessão até à estocada final....

Um aviso: o Comunismo que existiu até agora foi o chamado Capitalismo de Estado...
Marx argumentou que a passagem do Capitalismo para o Socialismo seria espontânea e localizada nos países mais industrializados...o que aconteceu na realidade foi uma IMPOSIÇÃO do Comunismo através de Lenine.

Cumprimentos

antónio m p disse...

O Miguel Rocha inventa, inventa, inventa e, para não parecer que inventa tanto, modéstia sua, portanto, atribui algumas invenções a outros ainda que estes tenham dito o contrário. Parabéns.

Miguel Rocha disse...

Caro António M P,

Não percebo a sua contra-argumentação. Sei que por vezes posso não ser muito claro na minha exposição para além de que muitas vezes não distingo explicitamente aquilo que são as minhas conclusões daquilo que são conclusões de estudos que li ao longo da vida. Representa o meu pecado original é certo.

Se lhe quiser chamar invenções pode chamar-lhe o que quiser. Basicamente é uma opinião e previsão minha baseada no relacionamento de factos e estudos que li.

Como sei que não sou detentor da verdade absoluta sinta-se à vontade para contra-argumentar, acrescentar alguma coisa ou perguntar mas tente-o fazer de forma construtiva. Estamos todos a aprender neste espaço de debate.