terça-feira, 22 de setembro de 2009

Incertezas para as legislativas I I

(continuação)

Falar no “labirinto socialista” não implica escamotear as responsabilidades do BE e do PCP nas dificuldades para a formação de um governo de esquerda plural. Primeiro, temos um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa. Segundo, há um certo défice de cultura democrática na “esquerda radical”: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação. A não ser que também só consigam governar com maioria absoluta… Claro que, num tal acordo, os pequenos obtêm geralmente um poder acrescido. Mas isto não significa que sejam eles a determinar o grosso do programa. Adicionalmente, um estudo recente revelou que é na “esquerda radical” que há um maior desfasamento entre votantes e eleitos, com os segundos bastante mais à esquerda do que os primeiros. Mais, tal como o crescimento da direita não resultou de uma adesão recente às ideias neoliberais, também o crescimento da “esquerda radical” não resulta da adesão a um extenso programa de nacionalizações.


Na Europa é usual as esquerdas entenderem-se. Em França há muito que se entenderam para um “programa comum”, o qual tem tido tradução governativa em várias legislaturas desde 1981. Actualmente, no PSF discute-se a hipótese de alianças que vão dos centristas (MoDem) até à “esquerda radical”. Em Espanha, o PSOE já fez uma coligação pré-eleitoral com a Izquierda Unida (2000), e governou com o seu apoio e o da “Esquerda Republicana da Catalunha” (2004-08). Em Itália, desde 1994 que tem havido várias coligações incluindo as várias esquerdas e o centro. No Chipre, os renovadores comunistas do AKEL (o maior partido, que governa o país e do qual é oriundo o presidente) também têm sabido entender-se com os outros partidos. Na Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, há muito que os sociais-democratas se entendem com a esquerda pós comunista e libertária para soluções de governo. Pelo contrário, em Portugal continuamos como há cerca de 30 anos. Todavia, vários estudos demonstram que esta falta de entendimentos resulta de um significativo desfasamento entre os eleitores, propensos a um entendimento, e os dirigentes, que persistem na incomunicabilidade. Após as eleições, e se se verificar uma maioria de esquerdas, veremos se os dirigentes destes partidos estarão ou não à altura das suas responsabilidades.

Artigo originalmente publicado no Público de 21/9/2009

2 comentários:

João Dias disse...

O André Freire sofre de um complexo ideológico. O BE é um partido extremista porque propõe a nacionalização de EDP e Galp. Vai-me perdoar, mas falar em vasto programa de nacionalizações é, no mínimo, ser impreciso. A privatização da EDP e da Galp deu o belo resultado que se sabe...preços especulativos e encargos para as pessoas e empresas.

Ora, o que diria de um PS que nacionaliza o BPN fazendo os portugueses pagar um buraco gigantesco. A memória não é tão assim tão curta, os portugueses sabem que as nacionalizações do PS vão ao bolso dos portugueses para pagar os devaneios alheios, ao passo que o programa de BE nacionaliza sectores rentáveis, estratégicos e combate a desigualdade social. Pode doer...mas é verdade.

Se isto é ser extremista, radical, então assino por baixo, a favor do extremismo que combate a desigualdade e contra as virtudes dos "moderados" que usam o Estado predador como o último (e primeiro) refúgio das elites portugueses.

Já agora leia o que diz José Manuel Pureza sobre extremismo:

""José Sócrates diz que elas mostram o extremismo do Bloco", prosseguiu Pureza, "mas o extremismo está no exemplo das trabalhadoras de uma fábrica de Oliveira de Azeméis que foram atiradas para o desemprego com um subsídio de desemprego inferior ao salário mínimo." Para o cabeça-de-lista de Coimbra, "isso é que é extremismo, isso é que é violência social." E completou: "Face à violência radical da injustiça, não se pode ser moderado.""

Se estes são os extremistas, então o que são os defensores deste modelo social predador? Bons samaritanos?

As virtudes da podridão deixo ao André para as descobrir. Agora, é interessante o posicionamento que alguém de esquerda afecto ao PS assume na salvaguarda de um partido que, ele próprio, soube afastar a esquerda do poder. Tarefa ingrata. Ferro Rodrigues, lembra-se? Um líder do PS à esquerda. Ganhou as europeias com um resultado histórico, mas chegado o momento das legislativos o aparelho, o núcleo duro do PS soube quem de facto quer para o poder.

Eu cá não tenho preconceitos, quero esquerda, quero mais esquerda. E se a esquerda estás nas propostas de João Cravinho de combate à corrupção, ou se Manuel Alegre vota contra o código de trabalho...estou com eles nessas lutas. Eu vejo esquerda aonde estão propostas de combate à desigualdade, sem preconceitos, com rigor e com a abertura de quem quer ganhar uma luta social e não sustentar um partido independentemente da sua prática política.

Dias disse...

Sejamos claros: penso que não há ninguém responsável que não procure a estabilidade, a solução. Mas não é sobre a esquerda que tem que ser apontada a espada de Dámocles…

Para todos os efeitos, este governo do PS faz parte daqueles que apostaram na 3ª Via, uma via desgraçada para a vida das pessoas. A onda neoliberal rebentou, hoje o momento é de viragem no mundo. Muitos cidadãos têm expectativas legítimas que não querem ver defraudadas por aqueles em quem depositam confiança.

Não me choca que possam ocorrer, noutras circunstâncias, acordos e/ou soluções governativas entre o PS e os que se situam à sua esquerda. E isto mesmo havendo inegáveis diferenças de posição em questões “quentes” como as nacionalizações, e, em menor escala, mas talvez mais consensual, sobre a indesejável gestão das parcerias público-privadas.
No entanto, terá sempre que haver uma grande ponte, uma plataforma de entendimento, responsável, que passa por políticas de pleno emprego, de revisão do código de trabalho, de uma verdadeira reforma dos serviços públicos (democratização, transparência e qualidade).
Nas questões civilizacionais que têm a ver com as liberdades – as de todos e as de cada um, não vejo que possa a haver grandes clivagens.

Mas agora é votar. Libertem-se amarras!