domingo, 20 de dezembro de 2009

Caro Hipermercado


Lembrei-me de te mandar um postalinho de boas festas para agradecer a tua preocupação comigo-consumidor. O que seria de mim se os teus trabalhadores fizessem greve na véspera de Natal? Não só teria de deixar de comprar nesta quadra tão prenhe de significado, como teria porventura de comprar os teus produtos mais caros no futuro. Eu por acaso não tenho acções tuas, mas se tivesse também estaria preocupado porque a greve poderia fazer baixar o teu valor bolsista e a tua rendibilidade. O meu eu-accionista também te agradece.

Mas agora que comecei a escrever lembrei-me que além de consumidor e potencial accionista sou também trabalhador. Mesmo sendo consumidor e accionista podia ter de trabalhar para ti e quem sabe se isso não me acontece um dia. Nesse caso, ser obrigado a trabalhar 60 horas por semana, 14 amanhã (com pré-aviso de algumas horas) e devolução do tempo a mais, mas sem pagamento extra, não é nada que se agradeça. Bem sei que tudo isto é legal, e que foi para isto mesmo que o código do trabalho foi alterado, mas mesmo assim... Se bem que não trabalhe para ti e não tencione vir a fazê-lo, há que considerar que a moda que começa nos hipermercados pode pegar-se a outras empresas.

Crias muito emprego e dizem que devemos estar-te agradecidos por isso. Mas não é certo que, quando nasceste, fizeste com que muitas "piquenas" (e médias) lojas fechassem? Quanto emprego destruíste?

Nasceste na periferia das cidades e o meu eu-automobilista, com algum incómodo mas não muito, desloca-se até lá. Mas o meu eu-idoso que já não guia e o meu eu-potencialmente-pelintra que não tem carro passamos a ter de comprar numa loja de bairro que vende mais caro. A quanto CO2, congestionamento e consumo superfluo de combustíveis deste origem?

Além disso, passaste a importar muitos produtos alimentares baratos. O meu eu-consumidor agradece, mas o meu eu-que-não-é-mas-podia-ser-agricultor passou a não conseguir vender a preço compensador e ... a balança alimentar ressente-se.

Encontras-me assim dividido, caro hipermercado: os meus eus consumidor, potencial accionista e automobilista contra os meus eus trabalhador, idoso e agricultor. Não apeles ao meu interesse porque eu não sei o que é o meu interesse e já não sei também se te agradeça se te deteste.

Se calhar se tivesse pensado mais quando comecei a escrever o postalinho tinha-te chamado “querido” e não “caro” para evitar confusões. Mas agora que acabei, depois de ter descoberto a minha divisão, acho mesmo que afinal podes estar a sair-nos muito caro a todos e já não emendo o que escrevi.

8 comentários:

Anónimo disse...

ressente-se;começei

José M. Castro Caldas disse...

Obrigado.

Manolo Heredia disse...

Compram a 90 dias e vendam a 7 dias. Com o dinheiro retido aos fornecedores financiam crédito aos clientes (e não só), a 23% de juros, tipo "Cartão Jumbo".
Grande negócio!

Anónimo disse...

Todos dizem mal mas depois é vê-los lá na fila para a caixa. Quem tanto critica devia boicotar os hipermercados.

Só compra a crédito quem quer.

Sérgio disse...

Eu não passo sem hipermercados. Aqui em Amsterdão, onde há imensos, notam-se bem os benefícios para a sociedade que os hipermercados representam....péraí!

Anónimo disse...

Hipermercados :pagam a 90 dias , mas deduzem Notas de Débito a torto e a direito (comparticipação do cartão familia, entrada em linha , inconformidades de rotulo....) sem avisar antes !
e reclamações : só via net e com resposta 1 ano depois ...
já muitos fornecedores sem capacidade para gerir estas situações faliram.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Se os consumidores, que também são trabalhadores, fizessem um boicote no dia da greve, seria uma coisa bonita de se ver.

Uma mão, costuma dizer-se, lava a outra; e o comércio tradicional tem tanta coisa boa que não se encontra nos hipermercados...

Inês Caeiros disse...

Simplesmente genial... como sempre!
E, acima de tudo, grandes verdades!