quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Quando os mercados têm sentimentos (não devemos ligar muito)

Vale muito a pena ler o artigo de Robert Skidelsky no FT de ontem: «O governo tem de cortar agora na despesa, porque é isso que esperam 'os mercados'. Os mesmos mercados que feriram o sistema bancário de tal forma que este teve de ser socorrido pelos contribuintes. Agora exigem uma consolidação orçamental, como preço a pagar pelo seu apoio a governos cujas dificuldades orçamentais ajudaram a causar. Por que raio devemos levar esse sentimento de mercado mais a sério do que aquele que conduziu ao deboche de 2007? Diz-se por vezes que os mercados podem não saber o que dizem, mas os governos não têm alternativa senão obedecer. Isto é inaceitável. A obrigação dos governos é governar no interesse das pessoas que os elegeram e não no da City de Londres.»

Apesar de, como escreve Skidelsky, os comentadores conservadores terem recuperarado o fôlego e a confiança, o facto de jornais como o FT continuarem a publicar textos deste teor confirma uma intuição: os triliões de euros que ainda nos vão custar a todos os desmandos da finança descontrolada permitiram afastar, para já, a perspectiva do fim do neoliberalismo reinante nas últimas décadas; ainda assim, é hoje mais fácil questionar este modelo do que era antes de 2007.

Há que manter esse debate aceso - e para isso é preciso repetir mil vezes: a crise orçamental não resulta da insustentabilidade das contas públicas; resulta da insustentabilidade de um regime económico de finança sem freios.

27 comentários:

sergio disse...

Ó malta, é só pra dizer que este é o melhor blogue de economia/política deste rectangulo à beira mar. Vão ao centro das questões e apresentam soluções. Força. Continuem.

Bruno Silva disse...

Uma família da classe média-alta vive faustosamente, pagando a prestação do seu Mercedes, da sua moradia fantástica.. comprando roupas de marca e indo de férias para o Brasil. Tragicamente, o filho mais novo, traquinas, não obedeceu aos "regulamentos" impostos pela mãe e subiu a uma árvore, da qual caiu ficando em estado grave. Agora é necessário gastar uma fortuna em operações.. e o resto da família vê-se entre duas opções: ou corta nos custos supérfluos ou endivida-se (dada à vida faustosa que tem levado não tem poupanças). Será que só porque o filho não teve um comportamento ético correcto é justificação para que a família fique toda endividada só para não cortar nos gastos caprichosos a que se habituou?

Eu sou simultaneamente contribuinte, consumidor e trabalhador.. portanto.. esta "luta" entre mercado e estado não me faz sentido absolutamente nenhum e resulta de uma ideologia brejeira... típica de um burocrata..

A crise mundial abalou os mercados e, consequentemente, os estados.. e se, seja por que motivo for, o governo tem que tomar a opção entre nos endividar mais a TODOS, ou cortar em custos supérfluos onde esbanja o NOSSO dinheiro... a resposta é simples.. catana em cima dos custos! Mesmo que isso signifique que os funcionários públicos que escrevem este blog não recebam o abastado cabaz de natal que muito funcionário recebeu...

Carlos disse...

Subscrevo inteiramento o comentário do Bruno Silva. (Mesmo sendo filho de uma funcionária pública)

Ricardo Paes Mamede disse...

Bruno Silva,
o seu comentário não é ideologia brejeira, é mera ideologia. O problema é que quem andou a viver faustosamente (e nos levou a todos para a crise económica, a crise orçamental e o desemprego) não é quem está a pagar os custos dessa crise. As catanas eu deixo para as guerrilhas pró-indonésias de final do século passado, mas os impostos sei onde os aplicaria.

Bruno Silva disse...

"O problema é que quem andou a viver faustosamente (e nos levou a todos para a crise económica, a crise orçamental e o desemprego) não é quem está a pagar os custos dessa crise."

Isto é mero discurso demagógico e obsoleto de luta de classes.. já não há pachorra..

Ricardo Paes Mamede disse...

não sei se reparou, mas os termos que uso são seus...

Bruno Silva disse...

Ah ok! então concorda comigo que o que nos levou a todos para a crise económica (nacional), a crise orçamental e o desemprego foram os gastos "faustosos" da família que segundo a minha "fábula" representam os gastos do Estado (e amiguinhos)...

se é assim estamos de acordo..

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Bruno Silva, você andou tanto tempo a ouvir dizer que o "discurso" da lute de classes está obsoleto que até já acredita, contra a evidência dos seus próprios olhos, neste disparate.

Negar a luta de classes é negar a divergência de interesses entre empregadores e empregados. É uma idiotice completa. Sem a noção de luta de classes é pura e simplesmente impossível compreender as formas como a economia e a política se articulam.

Mais: dizer que quem provocou a crise não é quem a está a pagar não é uma afirmação demagógica, é uma afirmação que corresponde exacta e obviamente aos factos. Demagógico, sim, é negar uma realidade que está à vista de todos.

E para isto também já não há pachorra.

Bruno Silva disse...

José Luiz Sarmento,

Caso ainda não tenha reparado, vivemos numa economia de mercado (muito provavelmente para sua desilusão)... e numa economia de mercado as relações comerciais dão-se não por interesses divergentes mas por interesses convergentes.. a relação que eu tenho com o meu empregador assenta na base de que eu quero o dinheiro que ele está disposto a pagar, e ele quer o serviço que eu estou disposto a prestar.. os nossos interesses convergem de uma forma LIVRE, do interesse de ambos, e sem estado ou sindicatos a meterem o bedelho..

Da mesma maneira que eu pretendo ter a LIBERDADE de quebrar esta relação económica quando quiser, ele também deverá ter o mesmo DIREITO...não acha?

Do mesmo modo, eu tenho a liberdade de cobrar mais (quem não o quer?).. mas ele tem a liberdade de não pagar.. ou acordamos um valor de LIVRE vontade.. ou se eu acho que mereço mais.. vou pedir mais a outro lado.. se ninguém estiver disposto a dar-me mais.. é porque se calhar não mereço.. não faz sentido? você está disposto a pagar-me mais?

Eu não vejo aqui nenhuma luta de classes.. vejo uma livre negociação..

Perceba uma coisa.. quando os lobbies políticos ou sindicais se unem para cortar liberdades do processo negocial.. até podem conseguir benefícios de curto prazo.. mas o que acabam por conseguir é que.. como nem toda a gente está disposta a ser privada das suas liberdades.. o investimento vá fugindo a sete pés... como tem acontecido.

Qual é o resultado:

Há duas formas de os salários subirem.. a livre (pelas forças do mercado) e a coerciva (pela força da lei).

Você tem ar de quem não acredita muito na primeira, mas então responda-me à seguinte questão: Se a lei apenas fixa o salário mínimo, e os patrões são todos uns gananciosos que querem pagar o mínimo possível, que "força divina" faz com que a grande maioria das pessoas até ganhe mais do que o salário mínimo? Ora diga lá...

Dito isto.. é a competição dos empregadores por mão-de-obra que faz com que os salários subam, logo enquanto mais patrões houverem maiores são a probabilidades dos salários subirem. Quando se começa a cortar liberdades de forma coerciva, por muito boas que seja as intenções, isso vai causar uma fuga/abrandamento/repulsa de investimento, cortando a força que naturalmente aumenta os salários..

Para além disso.. as "conquistas sociais" conseguidas pela via do Decreto-Lei criam algo que os economistas chama de "signalling", estão a passar um informação aos trabalhadores de que devem auferir mais, não porque são mais competitivos, não porque são mais especializados, mas simplesmente porque sim... anulando a necessidade dos mesmo de se tornarem mais competitivos e mais especializados, cujo efeito consolidado é nefasto para a economia...

Portanto, para bem do aumento natural dos salários e condições dos trabalhadores.. não prossiga pela via do corte de liberdades..

E não se esqueça.. no mercado não há classes.. há indivíduos e trocas voluntárias...

Não nego que para as pessoas mais velhas e sem formação não deverão ter um empurrãozinho do estado no seu poder negocial.. mas tenho a perfeita noção de que o alargamento dessas beneces a todo o universo de trabalhadores, incluindo individuos como eu (jovem e licenciado), cria mais efeitos perversos ocultos de que benefícios tácitos...

cumprimentos

Carlos disse...

eu não teria dito melhor Bruno

Ricardo Paes Mamede disse...

e eu recomendo a ambos a leitura do post seguinte do JM Castro Caldas.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Bruno Silva:

Na realidade concreta deste mundo real, por oposição ao mundo platónico da sua utopia neoliberal, todos os preços são políticos - e por maioria de razão o preço do trabalho. As leis do mercado intervêm na sua formação, é verdade, mas o poder político também intervém; e, ao contrário do que você parece acreditar, tanto intervém quando modifica a relação de forças a favor do empregado como quando a modifica a favor do empregador.

Você pode escrever "liberdade" com as maiúsculas que quiser, mas isto não impede que a sua liberdade seja escravidão. Normalmente, o contrato entre empregado e empregador é tudo menos livre - a não ser que você considere livre a decisão da vítima de um assalto de entregar a carteira quando podia muito bem optar por levar uma facada. O discurso da liberdade na versão neoliberal é a fraude mais nojenta que o século XX inventou - como o século XXI começa, e já não era sem tempo, a entender.

Nunca neguei que os mercados funcionam - e com isto respondo ao seu desafio de dizer porque é que há quem ganhe mais que o salário mínimo; mas sempre nrguei que funcionem sozinhos, tal como sempre neguei que do seu funcionamento resulte necessariamente o maior bem do maior número.

Mas já que me desafiou, desafio-o eu também: explique-me muito bem explicadinho como é queos interesses duma pessoa legitimamente interessada em ganhar o máximo possível de dinheiro em troca do mínimo possível de trabalho podem ser convergentes com os duma pessoa legitimamente interessada em obter dela o máximo possível de trabalho em troca do mínimo possível de dinheiro.

É este conflito de interesses que está em causa quando se fala em luta de classes; e os neoliberais, como não sabem resolvê-lo convincentemente por outros meios que não sejam políticos, varrem-no para debaixo do tapete e tentam convencer-nos que não existe.

Já não há pachorra.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

E outra coisa, Bruno: se você achar que não ganha o que merece e procurar outro emprego, vai levar com os pés. Não porque não mereça mais, mas sim porque o seu empregador em perspectiva se cartelizou com o seu empregador anterior para manter os salários artificialmente baixos - defraudando deste modo a liberdade do mercado.

Claro que pode sempre emigrar. Foi o que fizeram mais de metade dos filhos, noras e genros dos meus amigos e conhecidos, jovens altamente qualificados que só encontram em Portugal empregos precários e mal pagos.

Quem fica a ganhar são eles e os países e empresas para cuja prosperidade vão contribuir. Quem fica a perder é o nosso país e, ironicamente, o nosso patronato.

Bruno Silva disse...

E se eu o for procurar a si? você está disposto a pagar-me mais?

Julga-se um ser humano melhor e mais inteligente só por dizer que os outros me deviam pagar mais?

A verdade é que para a minha felicidade contribui mais o salário que me pagam, por mais chorado que seja, do que as suas palavras "sábias".. que por mais que me aqueçam o coração..nem me dão rendimento nem pagam imposto..
Eu sei que parece uma lógica simplista.. mas na minha terra dá-se valor à expressão: “Não gostas? Faz melhor…”
Para além disso, aquilo que me engrandece enquanto ser humano, enquanto indivíduo, é obter o meu rendimento através de relações comerciais livres e voluntárias. "Direitos" até um animal tem.. aquilo que engrandece uma pessoa são as suas responsabilidades, os seus deveres, e um dos meus deveres é não me refugiar em leis negociadas num plano inclinado. A lei laboral é negociada pelos patrões, governo e sindicatos, ou seja, uma parte (patrões) negoceie contra duas partes, uma tradicionalmente composta por extremistas marxistas (que claramente não representa a ideologia moderada dos trabalhadores portugueses) e a outra por burocratas sedentos de votos...claro que o resultado sai enviesado..

Eu sou trabalhador por conta de outrem e, sinceramente, prefiro que não me venham dizer que tenho direito a isto ou aquilo, sinceramente, subjugar-me a ideologias obsoletas de terceiros faz-me sentir diminuído enquanto pessoa.. e, paradoxalmente, esta atitude que tenho faz-me sentir menos "subvertido" e "dependente" do "capitalista" que me contratou..que tem a dizer disto?
Eleva-me ao mesmo plano do empregador como dois indivíduos com interesses convergentes na natureza mas divergentes nas quantidades, o valor acordado depende das alternativas que ele tiver, e das alternativas que eu tiver...
A verdade, é que as vossas leizitas paternalistas e os gastos desenfreados do vosso amado "estado de providência" só tem resultado em mais alternativas para eles e menos alternativas para mim... por isso.. deixo-vos o meu cínico obrigado!

Bruno Silva disse...

Outra coisa.. já viu no ridículo que está a cair ao atribuir os níveis salariais de um determinado país ao "nível de ganância" dos patrões?

Ou seja, na Alemanha ganha-se mais porque os empregadores de lá são genuinamente mais beneméritos que os portugueses e em Marrocos ganha-se menos porque lá os patrões ainda são mais agarrados do que os de cá... enfim.. isto já entra nas fronteiras da paranóia..

Então como explica os baixos salários dos vendedores de peixe, dos barbeiros, dos canalizadores... eles não têm patrões.. a que bode expiatório é que você atribui as culpas desses baixos salários?

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

«Outra coisa.. já viu no ridículo que está a cair ao atribuir os níveis salariais de um determinado país ao "nível de ganância" dos patrões?»

E já viu o nível de iliteracia em que está a cair quando lê nas minhas palavras o contrário do que eu escrevi? O patrão alemão é tão ganancioso como o português, ou mais; o que ele tem, felizmente, é incomparavelmente menos poder político. A ganância é uma questão moral que diz respeito ao íntimo de cada um. O que eu quero não é que os empresários portugueses sejam menos gananciosos: é que tenham menos, muito menos, poder político.

Carlos disse...

Gostaria que o José Luís Sarmento explicasse em que medida é que os patrões alemães têm menos podeer político que os seus homónimos portugueses.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Na medida em que o Estado alemão é menos corrupto.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

E na medida em que os sindicatos são muito, mas mesmo muito, mais poderosos.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

E que a justiça é mais célere.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

... e na medida em que o eleitorado, mesmo o de direita, raramente perdoa a um político que se deixe envolver demasiado com os meios empresariais. Preciso de continuar?

Bruno Silva disse...

Muito bem caro José... Vejo que tenho em si mais um aliado contra os burocratas e a burocracia!

Carlos disse...

Depois dos seus posts Carlo José, foi para mim uma surpresa descobrir que Alemanha tem uma das mais baixas taxas de trabalhadores sindicalizados da UEM e nem sequer tem salário mínimo legal. Corrija-me por favor se estiver enganado mas foi o que li.

Carlos disse...

Depois dos seus posts caro José, foi para mim uma surpresa descobrir que Alemanha tem uma das mais baixas taxas de trabalhadores sindicalizados da UEM e nem sequer tem salário mínimo legal. Corrija-me por favor se estiver enganado mas foi o que li.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Carlos:
A Alemanha? Uma das mais baixas taxas de trabalhadores sindicalizados? Em que conjunto de países? Estou mesmo com MUITA curiosidade de saber onde é que você leu isto.

Carlos disse...

http://www.fedee.com/tradeunions.html

Carlos disse...

E em relação à não existência de salário mínimo legal? Não tem nenhum comentário a fazer?