segunda-feira, 10 de maio de 2010

Os mercados exultam, nós devíamos estar preocupados


O gigantesco plano de socorro engendrado esta madrugada nos corredores de Bruxelas parece estar a ter os efeitos desejados. Um plano gigantesco, complexo, bem parecido com aquele que, sem demora, foi posto em prática aquando do colapso financeiro pós-Lehman Brothers. O risco da dívida dos países do sul cai a pique e as bolsas exultam da maneira hiperbolizada que lhes é típica. Nada que não tivesse sido defendido neste blogue há muitos meses: o problema é europeu e só a União Europeia o pode resolver, garantindo que nenhum país cai numa situação de não-pagamento. Mais, o BCE vai mesmo começar a compra títulos de dívida pública, de forma a corrigir “anomalias” nos mercados. Parece que tínhamos razão.

Mas, se os ataques conjucturais tiveram solução (a ver vamos, que as modas nos mercados financeiros são tudo menos previsíveis), os problemas estruturais mantêm-se. A forma como estas garantias foram cozinhadas sublinha as fragilidades institucionais da EU. O grosso das garantias foi organizado através de um “veículo especial” para o qual os estados contribuem. A acção da UE, enquanto tal, fica reduzida ao alargamento dos empréstimos nos meros (salvo seja) 60 mil milhões de euros, já que o orçamento europeu (garantia nestes empréstimos) não chega para mais. Pior, todo este gigantesco plano precisou da participação do FMI como garante de credibilidade.

Se um plano como este tivesse sido organizado há uns meses atrás, obviamente a sua escala não teria de ser a mesma. Todavia, desenganem-se se acham que foram as eleições na Alemanha as responsáveis por este atraso. Mais importante foi deixar países como Grécia e Portugal à beira do abismo de forma a impor as mais draconianas condições. Isso, e o crescente nervosismo dos bancos alemães. E aqui chegados percebemos o enorme problema estrutural com o qual Portugal, a Grécia e a Espanha se deparam. Num contexto de magro crescimento económico, os cortes anunciados (e aparentemente agravados pelo aumento do IVA, corte do 13 mês, etc) é inevitável o prolongamento da recessão nestes países. Mais desemprego, maior dificuldade em reduzir défices e dívida. O The Economist chama-lhe mesmo experimentação económica. Nos raríssimos casos em que planos drásticos de cortes da despesa pública foram seguidos por crescimento económico, como o Reino Unido nos poucos saudosos anos Thatcher, estes países beneficiaram de desvalorizações monetárias promotoras da competitividade externa e reduções drásticas das taxas de juro (promovendo o consumo interno). Nada disto está ao dispor dos países do sul no contexto do Euro. Os resultados dos cortes precoces na Irlanda não auguram nada de bom. Enquanto que o resto da Europa começava a crescer marginalmente no último trimestre de 2009, a economia irlandesa afundou 2,9%.

9 comentários:

Gonçalo Leite Velho disse...

Há pouco tempo o NYTimes chamava a atenção para a mesma experimentação que está a ocorrer no Báltico, sobretudo na Lituânia e Letónia.
Estes países curiosamente saíram da "ordem do dia" com a questão da Grécia, mas o que está a ocorrer por lá merece sem dúvida a atenção, até porque demonstra que mesmo os países fora da zona euro estão hoje condenados a não poderem desvalorizar a moeda. A razão é simples: como a taxa de juro em euros era mais baixa, muitos cidadãos destes países fizeram empréstimos indexados ao euro, logo desvalorizar a moeda significaria o incumprimento de muitas famílias e um agudizar da crise.

Caporegime disse...

O CASO IRLANDÊS

Há quem consiga ver a longo prazo.. e há quem por cegueira ideológica só consiga ver meia dúzia de palmos...

Como é obvio, a Irlanda está a sofrer os resultados das duras políticas efectuadas, eles já o sabiam... chama-se sacrifício!

Quando a máquina começar a funcionar, ninguém os para!

Já diz o adágio: "As vezes é preciso dar um passo atrás para se dar dois à frente"..

Quando a economia começar a engrenar e a competitividade fiscal irlandesa começar a atrair o investimento que nos vai passar à frente dos olhos (aquele investimento que melhora efectiva e sustentadamente a vida das pessoas).. lá virão os senhores deste blog, defensores do comodismo, falar em "convergência fiscal"...

A nossa economia é como um balde furado! Continuar a enche-la com jarros investimento público e divida externa é, inevitavelmente, alimentar o sector público e dos serviços (consumo com forte componente externa), ou seja, o buraco externo... para além disso é atrasar a migração de recursos para o sector primário e secundário.. e.. sobretudo.. aumentar o número de jarros vazios que estão em cima da mesa e que mais tarde ou mais cedo vamos ter de encher de volta... e com juros...

O vosso problema é PURAMENTE IDEOLÓGICO.. é que para se aumentar o investimento privado é preciso fazer políticas que aumentem as perspectivas de lucros.. e vocês são cegamente incapazes de defender tal coisa… e depois ainda dizem que não são extremistas..

CCz disse...

O bailout dos bancos credores da Europa do Sul?

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

A propósito de "para se aumentar o investimento privado é preciso fazer políticas que aumentem as perspectivas de lucros"...
Saberá o sr. Caporegime que já o Adam Smith chamava a atenção para a "Tendência Decrescente da Taxa de Lucro" (uma característica da economia capitalista) e que faz com que a partir de determinada fase da sua evolução, a dita cuja "taxa de lucro" deixe de funcionar como "incentivo para o investimento"...

Caporegime disse...

Pois... mas saiba você que um outra variável foi introduzida nesses modelos umas décadas depois... chama-se INOVAÇÃO...

O que sugere? ficar sentadinhos sem fazer peva e esperar que o estado faça milagres?

Acha mesmo que a economia Portuguesa está numa "fase de evolução" assim tão avançada de aproveitamento dos seus recursos?

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

Só alguns esclarecimentos.
1. A "INOVAÇÃO" não foi introduzida "umas décadas depois". É uma coisa MUITO antiga. E a grande (enorme!...) vantagem (ou papel histórico) do capitalismo foi justamente o acelerar e dar "rédea solta" à inovação (com a primeira revolução industrial).
2. A "fase da evolução" a que me refiro é referente ao sistema capitalista como um todo, à escala mundial ou global. Depois de ter estado a subir, a "coisa" - a queda da taxa de lucro - acontece (mais ou menos) ao fim de uns 30 anos. E começa a provocar forte pressão sobre o emprego.
3. Não acho (de todo!...) que a "economia portuguesa" (ou o que resta dela...) esteja numa "fase de evolução assim tão avançada de aproveitamento dos seus recursos". Não sei onde o sr. Caporegime foi buscar essa "minha" ideia.
4. Não sugiro (de todo!...) que fiquemos "sentadinhos sem fazer peva".
Aquilo para que chamo a atenção é que o incentivo aos privados para "investir" está mais no "investimento financeiro" (jogar em bolsa). Mas o sr. Caporegime tem todo o direito de ser optimista e acreditar que os nossos investidores privados vão investir em "fábricas", "pescas" (tenho amigos com mestrados em biologia marítima no desemprego...) ou então investir na "agro-pecuária" ou ainda (e sobretudo) em novas tecnologias e que criem centenas de milhares de postos de trabalho para reduzir o desemprego. Com as sempre novas técnicas da INOVAÇÃO cada vez se precisará menos de trabalhadores. Qualificados ou não.
No que respeita ao papel do Estado, também não sou assim muito optimista. O mais das vezes é "meia-bola e força"...
"Grandes Obras Públicas" dizem eles...

Mar Arável disse...

Com estes pastores

é urgente despertar

os rebanhos

João Aleluia disse...

Esse acordo, celebrado na noite de 9 para 10, mais não é do que um pacto suicida, que se levado avante levará não só ao fim do euro como provavelmente também ao fim da união europeia.

Pois agora que se criou tão generoso fundo, e mais criminosamente ainda, se deu carte blanche ao BCE para emprestar (na realidade dar) dinheiro directamente aos PIIGS, não existe mais qualquer motivo para se tomarem medidas de austeridade serias.

O que se vai passar nos proximos anos vai ser os PIIGS a recorrem sucessivamente e cada vez mais aos emprestimos do BCE e também ao fundo, e a os niveis de endividamento a crescerem a um ritmo superior a 10% por anos. Adicionalmente a esterilização destas emissoes de divida do BCE não vai durar muito, porque a alemanhã e a frança não podem pagar infinitamente o consumo exponencial e insustentavel dos restantes paises.

Por ultimo, daqui por 4/5 anos, não será apenas Portugal e a Grécia que tem um nivel de divida impossivel de pagar, mas tambem a Espanha, a Italia, a Irlanda, a Belgica, e provavelmente muitos outros estarão numa situação insustentavel.

Quando chegarmos a este ponto, uma vez que os defaults provocariam uma nova crise bancaria, e as medidas de austeridade não estão à altura de governos democraticos, chegará a altura de monetizar as dividas. Nesta situação, e uma vez que os alemaes não são tão irresponsaveis como os autores deste blog porque viveram a hiperinflação dos anos 20, o fim do euro será a unica solução.

Para mais, aquando do fim do euro, os governos dos PIIGS e afins(porque nessa altura havera mais letras nesta palavra) culparam o estrangeiro pela sua desgraça. Ao mesmo tempo a opinião publica dos paises mais ricos culpará os paises mais pobres pela brutal recessão que se seguirá. Não surpreenderia, que num quadro em que todos estes paises são governados em democracia e o incentivo dos governos é para mentir e culpar os outros, que a convivência diplomatica se torna-se impossivel e que a união europeia se desagregasse.

João Aleluia disse...

Pai Natal (ex-João)

Joões há muitos, mas Pai Natal há só um.