terça-feira, 21 de setembro de 2010

A economia executada


Os dados da Execução Orçamental até Agosto estão a suscitar um debate, ou melhor dizendo, vários debates sobre o andamento da nossa economia e sobre as escolhas que têm sido feitas sobre os instrumentos privilegiados para o ajustamento. Para lá das visões parciais promovidas a este respeito (as árvores que cada um escolhe para pôr a floresta ao seu jeito), é interessante perceber algumas das tendências de fundo que se começam a clarificar.

1. O que a análise geral destes números demonstra é que as boas notícias na frente orçamental estão ligadas a alguns dos melhores (ainda que tímidos) sinais de recuperação económica e que, da mesma forma, as más notícias são também elas inseparáveis da fraca dinâmica de crescimento e do agravamento da situação social. O que indicia que a solução para o problema orçamental depende das soluções que se encontrar para promover e o crescimento e a criação de emprego. E não, ao contrário não funciona. Bem sei que os autores deste blog tendem a repetir-se neste ponto, mas se a realidade não estivesse permanentemente a confirmá-lo...

2. O maior enviesamento deste debate é o total monopólio das questões relacionadas com a despesa, como se o ajustamento orçamental não se promovesse dos dois lados. Esse enviesamento tem como efeito importante obscurecer a importância das variáveis relacionadas com o crescimento (nomeadamente o consumo) em algumas das boas notícias.

3. Outra das consequências mais importantes é não se olhar, com a atenção que merece, para uma alteração (ou melhor, um agravamento) que se está operar na estrutura da receita fiscal. A desagregação do aumento homólogo de 3,3% na receita fiscal mostra-nos duas dinâmicas contraditórias: a queda da receita fiscal em sede IRC (-4,9) e IRS (-7,7% na tributação progressiva dos rendimentos do trabalho e alguns de capital, apesar do aumento das taxas) e o rápido aumento da receita nos impostos indirectos (10,6), com destaque para o IVA (13,9), ou seja, a tributação regressiva dos rendimentos do trabalho.

4. Daqui decorrem duas consequências: a) O sistema fiscal que menos redistribui na Europa, está a redistribuir ainda menos em momento de crise. b) O aumento da receita fiscal está a fazer-se à custa da tributação sobre o consumo, o que deveria fazer pensar sobre as medidas que estão a ser discutidas para comprimir ainda mais os orçamentos das famílias.

5. Na análise da despesa, entre os dados mais interessantes estão os saldos positivos (e crescentes) na Saúde e na Segurança Social. Isto é uma chatice para Passos Coelho porque mostra que, se estas são áreas determinantes pelo seu peso orçamental, estão longe de ser aquelas em que a despesa está descontrolada.

6. Mostram também que a contenção da despesa está a afectar o Investimento Público, mais ainda do que a despesa social, que não se reduz, apesar dos esforços manifestos do Governo. O problema é que, mesmo restringindo o acesso a todas as prestações sociais (com o consequente abandono de muitas das vítimas da crise), o agravamento da situação económica e social sai caro nesta frente. E daqui voltamos ao primeiro ponto. É o que se chama morrer da cura.

Descontrolado, sim, está o desemprego. 10,6% de média durante o primeiro semestre, o que significa que, para cumprir a previsão do Governo, teria de rondar os 9% no segundo semestre... Era tão bom ter um Ministro das Finanças que dissesse que estava disposto a tudo para baixar esta taxa...