sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Porque isto não é porreiro, pá


O Tratado [de Lisboa] precisaria de ser larga e radicalmente revisto. Não para capturar direitos de voto, mas porque o seu articulado económico não resistiu à prova da crise.

1 comentário:

João Carlos Graça disse...

Caro Miguel Portas, caros todos,
Inteiramente de acordo quanto aos aspectos económicos do diagnóstico: não foi "Estado social a mais", nem desbunda consumista generalizada, nem nada disso a originar os males actuais, é evidente que não.
Quanto ao lado mais político, porém, tenho muitas reservas. É que, se se pretende realmente uma UE mais democrática, não faz qualquer sentido, parece-me, colocarmo-nos do lado da defesa do direito de veto e da igualdade formal de cada estado. Aliás, nesse caso antes pelo contrário. Ver, por exemplo, o que o Daniel Lazare escreve sobre o caso dos EUA em The Frozen Republic, aqui:
http://www.amazon.co.uk/Frozen-Republic-Constitution-Paralyzing-Democracy/dp/0151000859/ref=sr_1_4?s=books&ie=UTF8&qid=1292110985&sr=1-4
O que se passa, creio, é que a UE não traduz (e não traduziu nem vai traduzir nunca!) um projecto democrático, o qual teria de passar por transferência do poder substancial do conselho de ministros para a comissão europeia, orçamento comunitário maior que os orçamentos estaduais, responsabilidade clara e inequívoca da comissão face ao parlamento europeu, domesticação do BCE pelos órgãos democráticos do "povo europeu" e libertação da União Europeia da tutela militar formal dos EUA (isto é, abolição da NATO). Só para começar...
Dado que tudo isto é evidentemente um "long shot" (para dizer pouco), ou uma "ponte longe de mais", a verdade de facto da UE realmente existente é de uma espécie de "Liga de Delos", de federação dos aliados do Grão-Império, e forma de os manter a todos na linha, concedendo-se para isso autonomia aos "grandes" (em termos relativos) do lado de cá do Atlântico para irem gerindo as coisas no plano estritamente económico.
Assim, temos: a) por um lado, esvaziamento das instituições democráticas de cada estado nacional, com transferência dos poderes decisórios para um "condomínio europeu" onde é o jogo das poderes factuais, "retrocénicos", que verdadeiramente conta (a antítese mesmo da democracia, portanto, a acreditar em alguém tão "insuspeito" como N. Bobbio); b) atrelagem formal da maralha toda, em assuntos de Welpolitik, aos desígnios político-militares dos EUA e respectivos "great games".
Alternativas? Não sei bem e reconheço que a situação é um grande imbróglio. Mas parece-me bom ir pensando em "cenários" que, garantindo-nos a preservação da boa vizinhança adentro da "casa comum", nos mantenham, digamos, como donos da nossa própria casa. Se não há "povo europeu" que possa funcionar democraticamente, talvez fazer um downsizing dos horizontes para o plano do "povo português". Pode ser-se soberano sem se ser democrático, mas não se pode ser democrático sem se ser soberano...