domingo, 23 de janeiro de 2011

O mito da supremacia do ensino privado (I)

A comparação de resultados dos exames nacionais tem contribuído para alimentar uma percepção difusa, na sociedade portuguesa, sobre a existência de uma suposta supremacia do ensino privado face ao sistema público de educação. Dois equívocos associam-se a esta percepção: a ideia de que a escola privada é, tout court, melhor que a escola pública e, sobretudo, que a suposta supremacia do ensino privado resulta de características que lhe são intrínsecas. Isto é, de uma espécie de “código genético” que diferenciaria o ensino privado do ensino público.

Sucede, porém, que a tendência para a obtenção de melhores resultados pelo ensino privado se explica essencialmente através de factores que não dependem do modo como este se organiza. Um desses factores reside na circunstância de as escolas privadas receberem alunos com um background familiar em regra mais favorável à obtenção de melhores resultados. Ou seja, dito de outro modo, a tendência para que as escolas privadas obtenham melhores resultados decorre em larga medida do facto de receberem melhores alunos.

Um artigo que integra o mais recente Boletim Económico do Banco de Portugal (“Desempenho educativo e igualdade de oportunidades em Portugal e na Europa: o papel da escola e a influência da família”, de Manuel Coutinho Pereira) é bastante elucidativo a este respeito. Analisando informação complementar do Relatório PISA (Programme for International Student Assessment) de 2006, relativa à caracterização dos alunos portugueses envolvidos no estudo, torna possível diferenciar o perfil familiar de um aluno que frequenta o ensino privado relativamente ao de um aluno que frequenta o ensino público.

A diferença reside, desde logo, no Índice de Riqueza. No intervalo [-2,1 / 2,3], estimado face ao valor de referência que se estabeleceu para os 57 países da OCDE implicados no estudo, as famílias dos alunos das escolas públicas situam-se no valor médio de -0,20, obtendo os alunos das escolas privadas um índice de 0,11 (sendo a média nacional de -0,17). Relativamente à Ocupação mais elevada, apenas os pais de 25% dos alunos do ensino público se enquadram na categoria “ocupação intelectual especializada” (a categoria máxima), sendo de 40% no caso do ensino privado. Na Escolaridade mais elevada, as diferenças são igualmente claras: os pais de um maior número de alunos das escolas públicas detêm um nível igual ou inferior ao 1º ciclo (diferença de cerca de 10% face aos alunos do privado), a que acresce uma vantagem comparativa dos alunos do ensino privado cuja escolaridade dos pais se situa no nível superior (diferença de cerca de 30 para 20%, respectivamente).



Em matéria de recursos educativos, o indicador Livros em casa mostra que cerca de 40% dos alunos do ensino público se enquadram na categoria “menos de 25” (29% no ensino privado), acrescendo as diferenças alcançadas na categoria “mais de 200” (situação em que se encontram apenas 15% dos alunos do sistema público e 25% dos alunos que frequentam escolas privadas). Sublinhe-se, por último, que a Pressão dos pais sobre a escola é declarada mais expressivamente pelos estabelecimentos de ensino privado (26%) relativamente às escolas públicas (7,1%).


A menos que não se considerem relevantes as diferenças do meio familiar nos resultados escolares, a natureza de classe das escolas privadas fica objectivamente demonstrada, explicando em larga medida por que razão estas obtém tendencialmente melhores resultados. Um dado que é tanto mais expressivo em favor da escola pública quando confrontamos estes indicadores com a diferença comparativamente pouco significativa (inferior à unidade) entre a média anual dos exames do ensino secundário obtida em 2006: cerca de 11,2 para os alunos do ensino privado e 10,3 para os alunos do ensino público.

7 comentários:

João J. Cardoso disse...

Nuno, deixo-te um exemplo de metodologia para o sucesso, que ontem encontrei bem perto de nós:

http://www.aventar.eu/2011/01/22/o-colegio-%e2%80%9crainha-santa%e2%80%9d-um-caso-de-assalto-as-financas-publicas-em-nome-de-deus/

Só é pena que não haja muitos regulamentos internos de colégios disponíveis online.

FAÇA O SEU PRÓPRIO FLUVIÁRIO SEM FAZER MUITA FORÇA disse...

que não dependem do modo como este se organiza, olhe que não olhe que não

o factor disciplina é muito reforçado

aluno não se enquadra é posto a passear paguem os papás ou não...

o regulamento interno das escolas públicas para pouco serve

mesmo em zonas onde o nível de vida é alto, um só aluno pode destabilizar 30

nem é só indisciplina é a questão da motivação

se eu reprovar o 7º ou o 10º tanto faz...

nos privados a motivação é maior
o desespero e a competitividade são em geral muy encorajados

pedagogicamente negativa essa tal de repressão mas funciona....

FAÇA O SEU PRÓPRIO FLUVIÁRIO SEM FAZER MUITA FORÇA disse...

é dar aulas nos dois lados e comparar

Nuno Serra disse...

Caro Demo Gra Pia,
Veja bem a frase de que citou apenas parte: "a tendência para a obtenção de melhores resultados pelo ensino privado se explica essencialmente através de factores que não dependem do modo como este se organiza" (sublinho: essencialmente).
Quero com isto dizer que embora não tenham um traço distintivo intrínseco, as características da organização das escolas privadas também contam.

beijokense disse...

«Ao nível da OCDE, os resultados indicam que o que pode fazer melhorar o desempenho não é a forma jurídica de escola, pública ou privada, mas [...] os níveis de autonomia e responsabilidade»

Caporegime disse...

Este artigo é simplesmente ridículo!

É uma tentativa absolutamente desesperada de desviar o real assunto!
O que no final do dia interessa são os alunos e os contribuintes, mas o que este tipo de artigo pretende é defender os ociosos professores portugueses que não querem perder o privilégio de estarem isentos do escrutínio, exigência e competitividade que implicaria um sistema alargadamente privado.
Além disso é óbvio o enviesamento da análise de dados. O ensino privado em Portugal esta apenas reservado a elites.. não se pode comparar rácios de eficiência e resultados quando estes nem são comparáveis pois o "target" das escolas são completamente distinto. O que seria comparável seria um ensino privado muito mais alargado, com maior concorrência e maior procura, obviamente que enquanto o ensino for "encapuçadamente" gratuito (porque não é, sai-me do bolso todos os dias em IVA, ISP, IRS, entre outros) vai continuar a absorver a grande massa de alunos.
A questão é que o ensino público é uma treta, eu andei nos dois e sei, não há a preocupação sistemática de oferecer mais, melhores e mais diferenciados conteúdos aos seus "clientes". Rege-se apenas pelos cânones do ministério.. medíocres e estandardizados. Ao passo que no privado eles existiam, o que traz a tão falada LIBERDADE dos pais escolherem o melhor e mais adequado para os seus filhos e não a estandardização.
Quanto à universalidade do ensino público, isso é outra falácia! O facto da oferta ser privada não obsta a que o estado não dê uma ajuda progressiva a quem mais necessita, o chamado "Voucher" de que falou Milton Friedman. O actual sistema é injusto, pois apenas permite o acesso ao ensino privado a quem o pode pagar, nega a LIBERDADE ao povo e é apenas sustentado pela a poeira (vide o presente artigo)atirada pelo Lobbie dos professores públicos que não querem ter um patrão como o comum dos mortais...

nunocastro disse...

sem dúvida nenhuma que está tudo correctíssimo... Fica é por explicar a preferência das famílias detentoras de maior capital - económico e cultural - pelo ensino privado.

Não é mito, não - é mesmo hegemonia!