quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Por maus caminhos

A maior ameaça provém da onda de medidas de austeridade que está a varrer o mundo, à medida que os governos, nomeadamente na Europa, tentam contrariar os elevados défices causados pela Grande Recessão e que a ansiedade em relação à capacidade de alguns países cumprirem o pagamento das suas dívidas contribui para a instabilidade dos mercados financeiros. O resultado de uma consolidação orçamental prematura é tudo menos previsível: o crescimento vai abrandar, as receitas de impostos vão diminuir e a redução dos défices será um desapontamento. Além disso, no nosso mundo integrado globalmente, o abrandamento na Europa irá exacerbar o abrandamento nos EUA e vice-versa (…) Em ambos os casos, o problema subjacente é uma insuficiência da procura agregada. A ironia disto é que existe simultaneamente excesso de capacidade e vastas necessidades por suprir - e políticas que poderiam restaurar o crescimento utilizando a primeira para suprir as segundas (…) Na Europa e nos EUA, a ideologia do mercado livre, que permitiu o crescimento de bolhas de activos sem qualquer interferência - os mercados é que sabem, pelo que os governos não devem intervir -, deixa agora os legisladores de mãos atadas para procurarem conceber respostas eficazes à crise. Poderia pensar-se que a própria crise iria minar a confiança nesta ideologia, no entanto parece ter ressurgido para arrastar os governos no caminho da austeridade.

Joseph Stiglitz

6 comentários:

Anónimo disse...

Mas como é que a chamada crise havia de minar a ideologia que lhe está subjacente.!?
Já alguém viu os patifes, os pulhas, os malfeitores bem sucedidos e protegidos pelos poderes públicos alterarem uma virgula da sua prática predatória quotidiana.?
Acho que ninguém alguma vez viu isso a não ser se forçados a tal.
Nas condições actuais, porém, em eles têm os seus representantes nos governos ou estão lá eles próprios não se vê como acabar com esta ditadura.
Ao dizer eles, quero dizer, os grupos financeiros, os grupos económicos monopolistas, os grupos rentistas das PPP e outras, e todos os chamados CEOs e outros vírus semelhantes (e normalmente com lugar cativo nos media para melhor difundirem a sua peste ideológica), bem como, claro, os governantes corruptos.

rui fonseca disse...

"In psychology, there is phenomenon called escalating commitment. Once one takes a position, one feels compeled to defend it.",
afirma Stiglitz a páginas tantas de "Freefall" e eu penso que ele, aqui e ali, não foge à regra.

Não tenho comigo neste momento o seu livro, que li há cerca de um ano, mas recordo-me bem que ele critica uma das primeiras injecções de liquidez no mercado norte-americano feitas por Obama em sequência de uma medida idêntica ainda lançada no final do mandato de George W. Bush, metendo Obama e Bush no mesmo. Não pela liquidez injectada mas por a medida não ter sido convenientemente programada e seleccionada. Como se perante uma situação de incêndio gigantesco e inesperado fosse possível discutir os melhores planos de ataque ao fogo.

Vale a pena ler "Freefall", sem dúvida. Mas Stiglitz perde aqui e além o pé.

A solução aparente da crise na Europa (porque é que Stiglitz, Krugman, e vários outros economistas de renome norte-americanos e ingleses se preocupam mais com a Zona Euro do que com os EUA e o UK, é intrigante no mínimo)passa pelo aumento da liquidez canalizada nomeadamente através
de uma maior intervenção do Estado.

Em Portugal há quem pense o mesmo. Aqui, neste blog, por exemplo.
Tenho as maiores dúvidas acerca da bondade desta proposta. Como referi em comentário a um outro post, a solução via inflação (inevitável, nesse caso) é a marcha atrás ao tempo em que a competitividade se garantia com salários baixos. A inflação é sempre uma forma de enganar o pagode. É o que pretendem?
Mudar alguma coisa (de moeda forte para moeda fraca) para que tudo volte atrás, ao tempo em que havia competitividade à custa de salários baixos?

Já fizeram, os LdB, as contas dos efeitos de uma desvalorização (10%,30% 40%, 50% ? escolham, sobre a competitividade da economia portuguesa?

Como é que compatibilizam o argumento de que a política de salários baixos está condenada com a desvalorização da moeda para aumentar a competitividade?

Pelas minhas contas, a competitividade monetária é bastante inelástica em consequência do reduzido valor acrescentado nacional na maior parte dos sectores. É pena que o gráfico colocado no post anterior não o saliente.

Esgrime-se muito com palvras e poucas contas em Portugal.

rui fonseca disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
rui fonseca disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Rui Fonseca disse...

Por razões que não compreendo o meu comentário saiu em quadriplicado. Não tem mérito para tanto. Agradeço-lhes o favor de anularem três já que eu não o posso fazer.

Obrigado

Eduardo disse...

João Rodrigues,
Se isso fosse verdade, os "especuladores" prefeririam emprestar dinheiro a países que não tivesse políticas de austeridade. O problema é que não é verdade. É por não ser verdade que os "especuladores" pedem taxas de juro altas. Cumprimentos.