sexta-feira, 8 de julho de 2011

As taxas de juro, o euro forte e os interesses financeiros

Ontem, escrevi um breve post sobre o BCE e a sua política de defesa intransigente dos interesses do capital financeiro. Vale a pena tentar compreender como é que esses interesses se materializam num dos problemas do sistema financeiro do centro europeu a que pouca gente tem dado importância: o custo de financiamento da banca europeia em dólares. Na imprensa nacional nunca li nada sobre o assunto.

O início da história é familiar. Beneficiando dos excedentes da balança corrente de países como a Alemanha e a Holanda e da valorização contínua do Euro desde a sua criação, os bancos destes países investiram fortemente nos mercados externos, financiando países deficitários, como Portugal, e investindo em activos financeiros, em dólares. No entanto, estas posições em dólares precisam de ser refinanciadas pela banca europeia por dois motivos. Em primeiro lugar, se não obtiverem dólares, os bancos alemães e holandeses serão forçados a desfazer as suas posições, incorrendo em perdas que terão de ser assumidas no seu balanço. Em segundo lugar, sem este refinanciamento, a banca europeia não consegue continuar a sua expansão estratégica no mercado norte-americano.

Ora, com a crise financeira, o acesso ao mercado de dólares tornou-se mais difícil e custoso devido à desvalorização do euro durante 2009 e 2010 - o gráfico abaixo mostra o "prémio negativo" que a banca europeia tem de pagar para conseguir comprar dólares. Os bancos alemães, holandeses e franceses viram-se a braços com uma permanente falta de dólares. A melhor forma de resolver o problema é então valorizar o euro face ao dólar, aumentando a diferença positiva das taxas de juro entre os EUA e a zona euro. Os efeitos são recessivos na economia europeia, mas alguns dos problemas de financiamento de uma parte da sua banca são aparentemente resolvidos. Claro como a água.

Estes posts, do João Galamba e de Paulo Pedroso, são bons contributos para uma discussão necessária que precisa de ganhar espaço no debate público.

4 comentários:

José Luis Moreira dos Santos disse...

Viva o PS na oposição!

Paulo Pereira disse...

Uma inflação baixa com juros mais altos do que o necessário são também vantajosos para as gerações mais velhas que beneficiam de reformas altas, em quase toda a zona EURO.

João Galamba disse...

Viva o PS na oposição?!? Onde é que, quer eu quer o Paulo Pedroso mudámos de posição?

João Carlos Graça disse...

Caro Nuno
Que bem que eu e você nos podemos sentir, por comparação com os loopings e os contorcionismos de quem vive mergulhado na realpolitik do nosso Centrão!
João Galamba e Paulo Pedroso parecem ir na boa direcção, sim... Mas já agora convém notar que a afirmação de que "a actual independência do BCE... corre o risco de se transformar numa forma inaceitável de quase-soberania" ganharia decerto o Guiness do eufemismo e do politicamente correcto... caso não fosse já, nesta altura do campeonato, também uma completa e rematada bacoquice, a fazer lembrar a retórica de várias personagens de Os Maias e outra literatura queirosiana...
Fazer do BCE o centro nevrálgico das decisões de política económica da "UE" não foi um "oops", um "desculpem lá qualquer coisinha" ou algo de semelhante. É o próprio espírito da coisa, c'os diabos!
E neuróticos não são, já agora, os tais decisores económicos... que afinal têm uma racionalidade impecável e implacável, como o Nuno bem expõe/denuncia.
Neuróticos são, isso sim, os críticos pretendendo-se "de esquerda" dos tais decisores, os quais, vendo ou julgando ver tanta coisa e tão subtil, afinal são completamente ceguinhos e pataratas quanto ao essencial... baixar a inflação algo mais dará descida dos salários ou mais desemprego? Deixe lá, homem, não se preocupe demasiado com isso. Na prática, é claro que dará um mix... Mas, mais uma vez: ainda não percebeu que "that's the spirit"?