quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Economia problema


O Conselho Científico das Ciências Sociais da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), presidido pelo Professor José Mattoso, acabou de dar um importante contributo para resolver um problema que se arrasta há muitos anos: a degradação do ensino e da investigação da Economia em Portugal por falta de pluralismo na maioria dos Departamentos de Economia e nos painéis que avaliam na FCT os projectos de investigação na área de Economia e Gestão.

No relatório do Conselho destaco:

“A questão do pluralismo nas ciências sociais e humanidades pode-se pôr, pelo menos, em relação a dois domínios: o pluralismo dos temas de investigação e o pluralismo de paradigmas e de metodologias de análise.

No que se refere ao pluralismo de temas, não parece haver, de forma directa, um problema sério quanto à actividade de investigação realizada no nosso País. No entanto, de forma indirecta, o pluralismo pode ser, e tem sido, afectado. Assim, a existência de temas que por um fenómeno de “moda” fixam demasiado as atenções e o trabalho dos investigadores em prejuízo de temas igualmente importantes ou a menor apetência para, em certas áreas científicas, os investigadores abordarem temas da realidade portuguesa de mais difícil publicação, são exemplos de condicionantes ao pluralismo que podem surgir de forma indirecta.

No que se refere ao pluralismo de paradigmas e de metodologias, a situação é distinta. Toda a ciência tem a sua visão mainstream e as ciências sociais e humanidades não são excepção. No entanto, por vezes, o poder da visão mainstream torna-se de tal forma dominante que pode levar a uma redução significativa do pluralismo, ao estiolar das ideias inovadoras e ao bloqueio da emergência de novos paradigmas, emergência que é essencial para o progresso científico.

O caso mais visível desta redução do pluralismo será talvez o da Economia. Situação que é agravada pelo facto desta ser uma ciência social que tem, necessariamente, uma componente política muito forte, pelo que as opções políticas interferem com os critérios científicos e não são de menor importância na competição entre paradigmas. Esta característica impõe uma atenção redobrada a este caso, uma vez que a ausência de pluralismo na ciência económica não resulta directamente, longe disso, da maior capacidade explicativa da visão mainstream. No caso da Economia tem-se mesmo popularizado um termo, “o pensamento único”, para traduzir o afunilamento e ausência de pluralismo que tem afectado nas últimas três décadas a investigação nesta área científica, com consequências negativas evidentes sobre o respectivo progresso.

Esta situação verifica-se também no nosso país, onde têm sido frequentes as chamadas de atenção de investigadores da área científica da Economia para o que consideram ser uma discriminação contra trabalho de investigação que não siga o paradigma mainstream. Ainda recentemente cerca de noventa investigadores dirigiram uma carta ao Presidente da FCT apelando para um maior pluralismo na avaliação de projectos de investigação (Anexo 4).

Também tem sido chamada a atenção, por outros investigadores, para o facto de os painéis que, sucessivamente, se têm encarregado da avaliação das unidades I&D terem demonstrado alguma desconfiança em relação à investigação que não se enquadra na visão mainstream. A situação na área científica da Economia no que respeita ao pluralismo será porventura a mais grave. Mas este problema pode também afectar outras áreas das ciências sociais e das humanidades.


A posição do CCCSH

O CCCSH considera que é importante garantir o pluralismo na investigação científica, nas suas diferentes facetas, em especial no que respeita a paradigmas e metodologias. Tratando-se de investigação financiada por dinheiros públicos, tal exigência torna-se particularmente imperiosa. A responsabilidade de garantir o pluralismo compete sobretudo à FCT e não tanto às unidades I&D, que poderão naturalmente desenvolver a sua actividade segundo os paradigmas que livremente entendam dever adoptar.

Recomendações

Recomendações à Fundação para a Ciência e a Tecnologia

Organizar e disponibilizar, para os projectos e bolsas aprovados, informação sobre os assuntos que são objecto da investigação, classificando-os de forma adequada à realização da monitorização que permita identificar e ocorrência de condicionantes ao pluralismo temático;
Assegurar uma composição dos painéis de avaliação de bolsas, projectos e unidades I&D elementos que dê a garantia de respeitar o pluralismo de paradigmas e de metodologias, sem abdicar dos melhores critérios de avaliação do mérito científico da investigação e sem pretender a ressurreição de paradigmas científicos já ultrapassados.

Recomendações às Unidades I&D

Combater a persistência de paradigmas ultrapassados, que muitas vezes só continuam a ser prosseguidos devido à não existência de incentivos à mudança por parte das unidades I&D.”

1 comentário:

João Carlos Graça disse...

Pode ser um bom contributo para uma discussão inevitável, a qual aliás se ramifica em várias direcções.
Quanto aos curricula, a tendência foi para a quase completa des-aprendizagem. Um estudante de economia, hoje em dia, faz a licenciatura sem ter história do pensamento económico! Tem Macros, Micros, matemáticas e estatísticas, econometrias e cálculos financeiros, claro, e também contabilidades e essas coisas misterioso-prestidigitadoras a que se chama "gestão", "marketing", etc.
Do lado dos departamentos oficialmente de ciências sociais (sociologia, história e direito), a Bolonhização teve um enorme efeito de rolo compressor. Como as licenciaturas são oficialmente de economia, gestão, finanças, etc., é claro que a folha caiu para os ramos poderem ficar... No que sobrou, a atitude prevalecente é miseravelmente doutrinária e imediatista. Salvou-se aliás sobretudo o direito, porque é sabido que se vive uma época de liars... e de lawyers. O estudante já vem com ideias de aprender coisas que rapidamente lhe sirvam para poder "aplicar" e lhe dêem "empregabilidade", e a instituição ainda o reforça mais nessa atitude utilitária e imediatista. O distanciamento relativamente ao senso comum é nulo, pelo que a doutrinação é obviamente em doses cavalares...
Bom, e nos mestrados? O facto é que nos mestrados se parte do zero, até porque a clientela é variada, pelo que o nível do ensino ministrado se reduz ao máximo denominador comum. A verdade é que depois do actual (3+2) se sabe em princípio bastante menos do que depois do antigo 5... mas daí, por outro lado, "that's the spirit", não?
Ah, e quanto aos painéis, sobretudo na "economics" pura e dura, é aquele tal afunilamento de critérios que dá o "pensamento único" e que o “pensamento único” dá, claro que sim. É uma mega-carneirização generalizada, que também passa pela adopção, por exemplo, das revistas da lista do Thompson ISI como critério super-ultra-meta-XPTO, sem que lhes ocorra sequer parar por um momento para pensar que essa lista é, antes de mais, uma lista comercial! Duma empresa, sim! Uma lista para a pertença à qual as revistas têm antes de mais de proceder ao respectivo “pagantes”. Tal como os investigadores e docentes têm de proceder ao respectivo “pagantes” se quiserem ir apresentar uma comunicação num congresso algures (decisivo, para o CV), por vezes organizado por uma organização ela própria comercial ou a tender para isso, e têm de se dar por felizes por publicarem em revistas e/ou livros, sem receberem direitos de autor, mas trabalhando sempre mais denodadamente, porque o publishing ainda é mais relevante para o CV! Que é como quem diz: "Trabalhas de borla para mim, e já gozas se eu deixar que publiques. Olha que há mais quem queira!"
Será que este modelo serve de inspiração para algo mais a outra escala?...