domingo, 6 de novembro de 2011

Perguntar-se-á

«Para muitos a proposta de referendo resumiu-se à rotunda humilhação do seu proponente, George Papandreous, alguém que, pragmaticamente, terá acabado por perceber a magnitude da sua veleidade. Pois bem, é uma leitura respeitável que só peca por estar olimpicamente errada. Ao aventar a hipótese de referendo Papandreous desencadeou um outro escrutínio: "A construção europeia tem algum pingo de respeito pela democracia?" À falta de referendo tivemos, pois, uma significativa eurosondagem em que o não à democracia demarcou com maior nitidez as fronteiras do seu império. No ostensivo esmagamento perpetrado pelo "Não ao referendo" está a dádiva de limpidez de Papandreous para toda uma geração de europeus.»

(Bruno Sena Martins, no Arrastão. A imagem é, evidentemente, da Gui Castro Felga).

Quando se fizer a história dos tempos sombrios que a Europa atravessa, a perplexidade que hoje sentimos será porventura ainda maior. Perguntar-se-á como foi possível convencer as opiniões públicas a esquecer a verdadeira origem da crise (o desvario dos mercados financeiros, decorrente da sua liberalização e desregulamentação), deixando-a intocada, e acreditar que o problema se encontra no Estado e nas políticas públicas. Perguntar-se-á como foi possível subordinar deliberadamente a Política a esses mesmos mercados e aos seus instáveis humores. Perguntar-se-á como foi possível continuar a acreditar (apesar dos ensinamentos do passado e dos sinais acumulados de fracasso do presente) que uma recessão se ultrapassa atravessando o fogo austeritário. Perguntar-se-á como foi possível esmagar a decisão soberana de cada país em matéria de correcção dos défices públicos (em larga medida agravados pelos impactos económicos da própria crise financeira), impondo-lhes unilateralmente a esgotada cartilha, apresentada como inevitável, de desmantelamento do Estado. Perguntar-se-á como foi possível que lideranças tão medíocres tomassem conta do ideal europeu e desprezassem - olimpicamente - um dos pilares que melhor o identificam: a própria democracia. Perguntar-se-á, enfim, como foi possível deixarmo-nos chegar aqui.

4 comentários:

Henrique Nunes disse...

Boa noite! Excelente texto. E, ainda hoje, assistimos a queda de Papandreou, enforcado pela sua "pueril" ideia de um plebiscito.
Além disso, muito bom o ponto que você levantou sobre a eterna cartilha de combate a crise, espremer, espremer e espremer mais e mais os Governos para que se dê ao mercado financeiro garantias para suas peripécias. Ao invés de resignar-se de suas atitudes, o mercado se mostra mais voraz e a mídia ajuda no massacre da razão em defesa dos seus interesses.

Um abraço do Brasil!

maria disse...

essa é a pergunta que me faço todos os dias. Como é possivel???

é possivel porque as pessoas são impregnadas de propaganda pelos meios de comunicação e seus "consultores" de que não existem alternativas! que blá blá blá (já nem os posso ouvir...!!), mas a verdade é que há pessoas que começam a achar que os seus direitos são previlégios?!?!?!

será que só acordarão quando se tornarem escravos?????

João Carlos Graça disse...

Caro Nuno Serra
Duas imagens na Monthly Review valem mais...
http://mrzine.monthlyreview.org/2011/kalvellido041111.html
E também aqui:
http://mrzine.monthlyreview.org/2011/vicman051111.html

Anónimo disse...

Tudo é tão estranho que é difícil não nos deixarmos levar pelo estado senil deste mundo doente, acaba por ser um exercício de sobrevivência esta veleidade.