terça-feira, 30 de abril de 2013

Depressão

No documento de estratégia orçamental do governo, pode ler-se que a prova de que o crescimento não pode ser guiado pela procura interna foi o facto de termos crescido apenas 8,5% entre 1999 e 2013, enquanto a tal procura interna teria crescido muito mais. É falso, claro, visto que a procura interna, ao contrário do mito, não cresceu neste período, sendo 1999 precisamente o último ano de crescimento robusto. A partir daí, a procura interna oscilou entre crescimento fraco, estagnação e colapso nos últimos anos. Diz-se ainda que a medíocre performance no euro é “a prova de que este regime não funciona”. De que regime falamos? Só se for mesmo do regime monetário e financeiro: lembrar que este país antes do euro registou uma taxa máxima de desemprego de 8,5% e não tinha os níveis de endividamento externo entretanto acumulados. De resto, destaca-se uma ideia no documento: “chegou o momento do relançamento do investimento privado”. O governo prepara-se para cortar 4700 milhões de euros directamente na economia pública, entre 2014 e 2016. Apesar de ainda não se conhecerem as medidas concretas, serão certamente postos de trabalho, salários, prestações sociais, consumos e investimentos que se evaporam, procura que desaparece. Isto terá efeitos profundamente negativos no sector empresarial dito privado, tendo em conta que os responsáveis empresariais dizem repetidamente ao INE que não investem por causa das expectativas de vendas. Chegou o momento da depressão.

Bartoon

(Luís Afonso, no Público de ontem)

11 de Maio: Vencer a crise com o Estado Social e a Democracia

Encontram-se abertas as inscrições para a conferência, que terá lugar no Fórum Lisboa, a 11 de Maio.

Na página do Congresso Democrático das Alternativas encontram-se já disponíveis, para além de textos contributo recebidos até ao momento, os dois relatórios síntese das Sessões Temáticas que preencherão a parte da manhã:
Estado Social, Direitos e Democracia
Economia e Organização do Estado Social.

«Com os cortes sucessivos na despesa social do Estado, o que na realidade se desenha é a substituição do Serviço Nacional de Saúde, do Ensino Público e do regime de Segurança Social construídos em democracia, a que todos podem aceder independentemente das suas posses e para o qual todos contribuem em proporção das suas possibilidades, por um sistema discriminatório. De um lado, o serviço público, pobre, mínimo e assistencialista, para quem não pode pagar; do outro, o privado, caro, para quem pode. Desta forma se transformaria o que a nossa Constituição consagra como direitos e bens públicos, em mais um negócio de privados. É nisso que o Governo pensa quando fala em reformar ou refundar o Estado Social. (...) Uma economia criadora de riqueza e uma sociedade justa carecem de padrões sólidos de saúde e bem-estar, de qualificações elevadas, de condições para manter a dignidade das pessoas quando já não trabalham ou não podem trabalhar. O futuro de Portugal como país desenvolvido só é verdadeiramente sustentável com um Estado Social mais robusto e mais qualificado, com a valorização do trabalho e o combate ao desemprego. É preciso vencer a crise, sim. Vencê-la com o Estado Social e com a democracia.» (da Convocatória da conferência).

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Novos euros


Não deixa de ser bizarro ver um sorridente Mário Draghi apresentar as novas notas do euro, no momento em que a moeda atravessa a mais grave crise da sua história. Este empenho no lançamento dos novos papéis que andarão nas nossas carteiras soa a sátira, face à mudança real necessária.

Ainda não estou convencida de que a saída do euro seja a melhor solução para a crise. Ainda acho que as consequências da saída podem ser mais nefastas do que as da permanência. Seja como for, enquanto houver euro, uma coisa é certa: precisamos de um novo papel do euro na vida económica da Europa e não de novas notas. Esse novo papel só poderia ser assumido por um euro substancialmente diferente, orientado para o crescimento económico e com a capacidade de contribuir para o restabelecimento das economias afectadas por choques assimétricos.

A única hipótese de sobrevivência da moeda é uma reformulação profunda do Banco Central Europeu, transformando-se num organismo com controlo democrático e assumindo-se, declaradamente, como uma segurança para os estados membros e como um garante das economias europeias. Isso implica abandonar de vez a suposta independência que serve para mascarar o suporte ao sistema financeiro e passar a ter um papel ativo no financiamento mutualizado das dívidas públicas.

Não parece haver na Europa qualquer vontade política para uma mudança real. Tornar as notas de euro mais seguras numa altura em que o euro é, ele próprio, uma ameaça para os povos, é uma triste ironia...

domingo, 28 de abril de 2013

Austeridade: colapso ou sobrevivência?

«Os debates económicos raramente terminam com uma derrota técnica. Mas o grande debate político dos últimos anos, entre keynesianos (que defendem a manutenção, e até aumento, dos níveis de despesa pública em contextos de recessão), e os austeritários (que pugnam por cortes imediatos na despesa), está - pelo menos no plano das ideias - a chegar ao fim. No ponto em que estamos, a perspectiva austeritária implodiu: não só todas as suas previsões falharam por completo quando confrontadas com a realidade, como a própria investigação académica, invocada para suportar essa doutrina, acabaria por se revelar repleta de erros e omissões e feita com estatísticas duvidosas.
Restam portanto duas questões. Primeiro, a de saber porque é que a doutrina da austeridade se tornou tão influente. Depois, a de saber até que ponto haverá mudança de políticas, agora que os argumentos centrais dos defensores da austeridade se transformaram em abundante matéria-prima para livros de banda desenhada.
(...) [Ora,] não é possível compreender a influência da doutrina da austeridade sem falar de classes e de desigualdades. (...) As coisas são claras: a agenda da austeridade parece ser a simples expressão das preferências das classes altas, que apenas se disfarçam num aparente rigor académico. Aquilo que os 1% mais ricos querem converte-se no que a ciência económica diz ser preciso fazer. (...) É isto que nos faz pensar na diferença que pode verdadeiramente fazer o colapso intelectual da perspectiva austeritária. Na medida em que temos uma política dos 1%, feita pelos 1% para os 1%, não será de esperar que apenas tenhamos novas justificações para as mesmas velhas políticas?»

Do artigo recente de Paul Krugman no The New York Times (que se recomenda vivamente seja lido na íntegra, estando aqui disponível uma versão traduzida).

1. Faz bem Paul Krugman em colocar o dedo na ferida que a evidência do colapso intelectual da austeridade abriu. O austeritarismo não é (como nunca o foi) apenas uma receita académica para a crise. Constituindo a oportunidade de ouro para levar a cabo um poderoso ataque ao Estado, às políticas de desenvolvimento e aos serviços públicos de educação, saúde e protecção social, a austeridade traduz-se numa doutrina que teve (e continua a ter) importantes dimensões políticas, sociais e ideológicas. E é aliás dessas dimensões - uma vez implodido o pilar académico que a suportava - de que a austeridade hoje depende, muito mais do que até aqui.

2. Ressalvando devidamente as respectivas diferenças e significados, a história deste início de século bem pode vir a ficar marcada por dois embustes políticos colossais: a narrativa fraudulenta das armas de destruição massiva, para suportar a invasão do Iraque, e a falsa narrativa das dívidas soberanas, para alcançar a destruição do modelo social europeu. A primeira foi consumada e a segunda encontra-se, ainda, em curso. E temos, curiosamente, uma viscosa figura a fazer parte de ambos os processos: José Manuel Durão Barroso.

sábado, 27 de abril de 2013

Parados

Realmente, a Jangada de Pedra corre o risco de se afundar atracada: mais de 7 milhões de desempregados na Península, um milhão de portugueses e mais de seis milhões de espanhóis, taxas de desemprego a caminho de 20% e 30%, respectivamente. Uma recessão que será mais do triplo do que estava inicialmente previsto. O dramático caso espanhol não pode fazer esquecer que este país, antes de 2008, era apontado, com o seu superávite orçamental, que chegou a quase 2% do PIB, e com a sua baixa dívida pública, que chegou, em 2007, aos 27% do PIB, como um exemplo de disciplina orçamental, de adaptação neoliberal bem sucedida ao euro. Lembram-se desta narrativa? Foi bem enterrada pelo colapso da bolha imobiliária que puxava, pela força do tijolo e do endividamento privado, o crescimento tão elogiado. Nos escombros desta e da austeridade que se lhe seguiu ficaram milhões de desempregados, ficaram muitos sem casa, ao mesmo tempo que se multiplicam as casas sem gente, por vender, um dos sintomas da irracionalidade do sistema.

O caso espanhol ilustra também reforça algumas ideias gerais que terão de fazer parte de um novo bom senso económico: os défices orçamentais e a dívida pública são variáveis endógenas, que dependem sobretudo do ciclo económico, como se vê pela quase quadruplicação do peso da dívida no PIB espanhol desde 2008; o euro é em si mesmo um poderoso mecanismo de geração de choques assimétricos, de crises a sul, privando os países de instrumentos de política indispensáveis para que possam sair das dificuldades e condenando-os à austeridade permanente; o euro-imperialismo começará a ser superado precisamente pelos seus elos mais fracos a sul; o desemprego é gerado pela crise e pela austeridade recessiva, pelo colapso da procura, e não por direitos laborais, de resto fragilizados desde há muito; a hipótese a ter em conta é a de que os mercados financeiros são ineficientes; o financiamento por poupança externa é uma maldição neste regime euro-liberal e esta maldição começará a ser quebrada por uma profunda reestruturação da dívida; temos de regressar a uma paisagem financeira com muito mais controlo público de bancos que terão de estar engajados com actividades produtivas e com a reinstituição de controlos de capitais, dificultando fluxos desestabilizadores e chantagens políticas feitas pelo capital financeiro; as mais-valias urbanísticas têm de ser socializadas, porque caso contrário alimentam um cortejo de captura privada de políticos, de corrupção, e a provisão pública tem de ser muito mais importante na habitação. Há mais para combater esta indecência, mas paro por aqui.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Bom aperitivo

Uma adenda ao que o Nuno Serra escreveu: a introdução ao livro Não Acredite em Tudo o que Pensa –“a rotura com o senso comum é o primeiro passo para a construção de um outro senso comum, baseado no bom senso igualitário e emancipatório” – e o primeiro capítulo, onde Ana Cordeiro Santos responde, com ampla evidência empírica, ao repetitivo e enganador temos vivido acima das nossas possibilidades, estão disponíveis no sítio da sempre primorosa Tinta da China. Bom aperitivo.

«Não acredite em tudo o que pensa»




«Não é por acaso que o “empobrecimento” e a “austeridade” são apresentados – e apreendidos pela opinião pública – como inevitáveis. Ambos assentam em argumentos e descrições cuja eficácia reside, precisamente, no simplismo das formulações e na carga moralista que encerram. Quando estas ideias não conquistam o apoio explícito dos cidadãos, obtêm pelo menos um sentimento difuso de resignação, que contribui para se aceitar o sofrimento e a expiação como sendo fatalmente necessários. Esta “fabricação do consentimento” tem nas ideias do senso comum – aqui debatidas e questionadas – uma das suas mais poderosas forças motoras.»

Da introdução ao «Não acredite em tudo o que pensa - Mitos do senso comum na era da austeridade». Uma obra colectiva que nasce das «Conversas sobre o Senso Comum», promovidas pela Cultra, e que reúne respostas às falsas ideias feitas que tecem (e sustentam) a narrativa austeritária em que continuamos mergulhados. Editado pela Tinta da China, estará disponível nas livravrias a partir do próximo dia 3 de Maio.

Textos de: Ana Cordeiro Santos (Temos vivido acima das nossas possibilidades?), Ricardo Sequeiros Coelho (Gerir um país é como gerir uma casa?), José Castro Caldas (O Estado deve ser gerido como uma empresa?), Mariana Mortágua (Temos de pagar a dívida?), Elísio Estanque (O desemprego é uma oportunidade?), Francisco Louçã (Baixar os salários é o caminho para salvar a economia?), José Soeiro (Os direitos dos mais velhos estão a bloquear os dos mais novos?), Luís Fernandes (O que faz falta é sermos empreendedores?), Nuno Serra (Há professores a mais e alunos a menos?), António Rodrigues (Quem pode deve pagar mais pela saúde?), Sílvia Ferreira (A Segurança Social é insustentável?), Paulo Pedroso (O RSI é um estímulo à preguiça?), Catarina Martins (A Cultura pode viver do mercado?), Manuel Jacinto Sarmento (Na escola de antigamente aprendia‑se mais do que na de hoje?), Fernando Rosas (No tempo de Salazar é que era bom?), Maria José Casa-Nova (Os ciganos é que não querem integrar‑se?), Manuel Loff (A culpa é dos políticos?) e Miguel Cardina (Isto não vai lá com manifestações?).
Coordenação: José Soeiro, Miguel Cardina e Nuno Serra.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O presidente da troika

Em reacção ao discurso de Ano Novo de Cavaco, defendi que se tratava do presidente, com p pequeno, da troika e do seu governo. O discurso de hoje confirma-o à saciedade, já que Cavaco defendeu a tutela externa permanente, inscrita em regras europeias que impõem as políticas de austeridade e de neoliberalização permanentes “sejam quais forem os resultados das eleições”. Cavaco fez um discurso, no dia 25 de Abril, de ataque à democracia, à possibilidade do desenvolvimento, ao mesmo tempo que defendeu a continuação de relações de dependência que tornam o D de descolonização, como o Nuno Teles aqui assinalou há um ano, cada vez mais desafiante para os que querem alternativas à política de um presidente e de um governo cuja força cá dentro está hoje sobretudo lá fora, na troika e no que se lhe seguirá se tudo ficar como está no campo monetário e para lá dele. De resto, este discurso só pode surpreender quem já não se lembra da economia política e moral do cavaquismo, a que oscilou entre Dias Loureiro e Maastricht...

Abril



«O que podia ser menos claro é contudo, agora, mais nítido, para muitos. Para os trabalhadores, para os próprios empresários, para as pessoas a quem o interesse comum importa. É que a recessão é uma regressão que está a desfazer deliberadamente o nosso sistema produtivo, a possibilidade de a economia nacional ser uma entidade com um mínimo de capacidade de mando sobre si mesma. E liberais que são, desalmados como são, acham que tudo se deve limitar à concorrência desenfreada e que cada um, cada pessoa, cada região, cada país, deve ser apenas uma peça de um jogo sem grandes regras, ao serviço de uma figura sem dó, chamada mercados.
Eles querem uma economia de custos baixos. Querem uma economia periférica dependente. Querem uma economia que trabalhe mas não cuide de direitos, de bem-estar, da dignidade de quem trabalha. Uma economia em que a precariedade, que já atinge um quinto da população activa, seja a norma. Porque é que eles são assim? São apenas paus-mandados, são estúpidos? Não. São gente apostada em descarnar a sociedade que Abril abriu. São gente de um governo que tem que ser posto a andar pela consciência dos cidadãos deste país.
Claro está, uma má história não se fabrica sem falsificações. Inventaram, e era mentira, que as famílias tinham entrado numa loucura consumista. Quando basicamente se tinham limitado a comprar a casa própria numa economia para aí virada, que as tinha convidado a que comprassem. Inventaram, e era mentira, que o Estado se tinha endividado irresponsavelmente, quando acontecia que o tinha feito na mesma escala que outros Estados europeus. E até inventaram, e era de novo mentira, que eram os custos salariais que comprimiam o crescimento, nem se dando ao esforço de verem que foi com esses custos salariais que se criou emprego como nunca se havia criado em Portugal, chegando a mais de cinco milhões de activos, incluindo imigrantes, que nos procuraram. Do que eles não falavam era dos capitais que despudoradamente usavam o Estado em seu favor e protecção, ou de uma união económica e monetária mal construída, que nos colocou na camisa de onze varas da dependência e do servilismo, perante os países ricos, beneficiando os do euro, que iam promovendo a nossa desgraça.»

Da excelente intervenção de José Reis (a ver na íntegra), em nome do Congresso Democrático das Alternativas, no Jantar Comemorativo dos 39 anos do 25 de Abril, realizado na Cantina Velha da Universidade de Lisboa, no passado dia 19 de Abril.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Entre o renascer e a elegia


Ouvi pela primeira vez ao vivo esta versão de Mário Laginha e Bernardo Sassetti numa noite de Julho, na Fábrica do Braço de Prata, no encontro «1001 Culturas», organizado pelo Miguel Portas. E, um ou dois anos mais tarde, no Castelo de São Jorge, também no Verão. Nas duas noites, um vento quente trazia e levava os pianos. A melodia ora irrompia com a força primaveril de uma cascata, ora ressoava, em contratempo, num fundo compassado e grave. Como que oscilando, de forma deliberada, entre o renascer e a elegia.

Sobre o programa de fomento industrial anunciado ontem...

..., como me falta o tempo e não tenho muito a acrescentar de momento, remeto para o que escrevi aqui (5 ideias sobre a 'reindustrialização') há três meses.

As cinco ideias são:

1. A desindustrialização não é um fenómeno distintamente português
2. A desindustrialização é uma característica do regime neoliberal - sem nele mexer, há pouco a fazer
3. A desindustrialização não é um fenómeno negativo por natureza
4. A desindustrialização em Portugal é indissociável do processo de integração na UE – o mesmo se aplicará a qualquer ‘reindustrialização’
5. A reindustrialização faz pouco sentido como objectivo central da política de desenvolvimento

(Para ler mais, é só clicar na ligação acima.)

terça-feira, 23 de abril de 2013

Do Estado social ao Estado penal

Fernando Alexandre, o novo Secretário de Estado adjunto da Administração Interna, economista e professor universitário, foi um dos autores de um estudo, encomendado pela associação portuguesa de seguradoras, onde se defende a privatização das funções sociais do Estado, em especial da segurança social, com o pretexto de que assim se incentivaria a poupança. Poupem-nos, por favor. Dado que o desmantelamento do Estado social é um dos objectivos deste governo e que o atrofiamento do Estado social é o outro lado do reforço das desigualdades e do Estado penal, o Estado que aposta na administração interna, na vigilância e controlo das novas classes ditas perigosas, Alexandre até parece, afinal de contas, estar no sítio certo, num dos ministérios mais importantes da emergente economia política nacional. De resto, os sinais de incremento da fractura social estão aí: cada vez se rouba mais para matar a fome e as grandes superfícies investem em segurança, o que parece apontar para a relação entre maior desigualdade socioeconómica e maior percentagem de trabalhadores dedicados a actividades de segurança e controlo.

Já repararam...

Que os prejuízos potenciais nas empresas públicas (que se estima serem superiores a três mil milhões de euros), resultantes de contratos financeiros derivados (swaps), significam «apenas» cerca de 75% dos famosos quatro mil milhões de euros que dizem ser preciso cortar no Estado Social (e a cerca de um terço do Orçamento de Estado para a Saúde)?
Sabemos, evidentemente, que a proposta aponta para que o corte desses quatro mil milhões no Estado Social seja permanente. Mas nem assim a comparação deixa de ser bastante elucidativa.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Swaps, buracos de 3 mil milhões e a finança disfuncional.

É notícia de hoje a potencial perda de 3 mil milhões do sector público empresarial devido a produtos derivados financeiros (os swaps). Os meios de comunicação social esforçam-se por explicar o que é um contrato deste género e as perdas em causa, mas algumas notícias apontam para produtos mais complexos e arriscados. Enquanto não se sabe o que realmente está aqui em causa, vale a pena recuperar este post publicado há um ano atrás acerca dos negócios ruinosos entre o Estado italiano e o banco Morgan Stanley. Apostaria que algo de muito parecido aconteceu nas empresas públicas portuguesas.

Gregos

Olhem para a evolução do salário mínimo na Grécia, tomando o ano de 1984 por referência (índice 100): a desvalorização interna faz com que os trabalhadores gregos mais pobres recuem dezenas de anos e com que os trabalhadores gregos, em geral, tenham conhecido, em média, um corte de 11,1% dos seus salários nominais desde 2008. Juntem-lhe os cortes brutais na despesa pública, com o despedimento de dezenas de milhares de trabalhadores a ser uma das faces de cortes acumulados de mais de 20% desde 2010. O investimento total, vá lá perceber-se isto, caiu para menos de metade e o desemprego passou de 12,5%, em 2010, para os actuais 27%. A troika e a teoria económica convencional estão de parabéns. A troika, entretanto, quer aumentar ainda mais os despedimentos no sector público, passando de um objectivo inicial de cento e cinquenta mil para cento e oitenta mil. Sempre a aprender. Lembrem-se destes dados quando alguém ainda afirmar que a Grécia até tem evitado as políticas da troika. Lembrem-se destes dados quando alguém voltar a repetir que a “Europa” é a melhor garantia dos Estados sociais. A União Europeia, em geral, e o euro, em particular, contêm no presente contexto os mais poderosos arranjos institucionais de demolição de tudo o que as classes subalternas conquistaram na escala nacional, onde está a democracia. É por aí, aliás, que as rupturas com estes arranjos começarão.

domingo, 21 de abril de 2013

Nine Horses (Burnt Friedman mix): Get the hell out

(via João Paulo Adaixo, facebook)

Moção de censura popular

«Esta Moção de Censura Popular expressa a vontade de um povo que quer tomar o presente e o futuro nas suas mãos. Em democracia, o povo é quem mais ordena. (...) Esta Moção de Censura é a expressão do isolamento do governo. Pode cozinhar leis e cortes com a banca e a sua maioria parlamentar. O Presidente da República até pode aprovar tudo, mesmo o que subverte a Constituição que jurou fazer cumprir. Mas este governo já não tem legitimidade. Tem contra si a população, que exige, como ponto de partida, a demissão do governo, o fim da austeridade e do domínio da troika sobre o povo, que é soberano. Que o povo tome a palavra! Porque o governo não pode e não consegue demitir o povo, mas o povo pode e consegue demitir o governo. Não há governo que sobreviva à oposição da população.»

Da moção apresentada pelo movimento Que se lixe a troika - Queremos as nossas vidas, e que pode ser lida na íntegra e subscrita aqui.

sábado, 20 de abril de 2013

Diáfano

A minha coluna de opinião no Diário Económico de 5ª feira passada, em resposta à questão "O que pode a economia portuguesa ganhar com o "nivelamento" entre os sectores público e privado?":

Disfarçar a iniquidade sob um manto de pretensa justiça social é uma das estratégias neoliberais mais típicas. É um manto diáfano, porém.
Quando Passos Coelho e os seus apaniguados – no governo, na blogosfera ou em ambos – invocam a equidade para facilitar os despedimentos no sector público, quando invocam a justiça para retirar rendimentos a reformados e pensionistas, quando invocam a eficácia para transformar o Estado social universalista num Estado assistencialista mínimo, a estratégia, de tão batida que é, já só engana os tolos. Esta justiça, esta equidade e esta eficácia só nivelam por baixo, nunca por cima. Só desenvolvem o subdesenvolvimento, nunca a coesão social. Valem apenas quando falamos de trabalhadores, pensionistas, desempregados, classes populares – nunca quando está em causa reduzir os desequilíbrios entre trabalho e capital. E pelo caminho visam lançar os trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, as classes médias contra os mais pobres, os nacionais contra os imigrantes, os precários jovens contra as gerações mais velhas.
Depois de dois anos em que o desemprego disparou de 12% para 19%, em que a parte do capital na repartição funcional do rendimento não cessou de aumentar em detrimento do trabalho, em que as falências de PME se mediram às dezenas de milhar por ano ao passo que as grandes empresas rentistas registaram lucros de centenas ou milhares de milhões de Euros (veja-se o extraordinário caso da EDP), sabemos já o que é que a economia nacional irá ganhar com este nivelamento praticado em nome da equidade e da consolidação orçamental. Ganhará piores serviços públicos, ganhará mais desempregados, ganhará mais desigualdade, ganhará menos procura interna, ganhará mais falências, ganhará menos receitas fiscais, ganhará mais défice, ganhará mais dívida. E daqui a alguns meses, quando a realidade teimar em desmentir pela enésima vez as previsões macroeconómicas do governo e da troika, estes mostrar-se-ão “profundamente desapontados”.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

"A livre circulação de capitais e as regras europeias causaram a crise" dito em jargão eurocrático

"A relevância dos fluxos de capital transfronteiriços a nível da UE e o papel do setor bancário dos países centrais na construção de desequilíbrios macroeconómicos na periferia, são dois exemplos claros que apontam para a necessidade de efetiva regulação e supervisão do sistema bancário transfronteiriço e para uma supervisão macro-prudencial mais centralizada, especialmente a nível da área do euro." (aqui)

Numa UE que fizesse sentido, a disfuncionalidade da arquitectura do euro e as suas consequências seriam assumidas por todos, evitando a destruição das economias e das sociedades da periferia. Na União que temos, a partilha das responsabilidades é assumida envergonhadamente, em documentos técnicos, por uma Comissão Europeia que muitos acreditavam que representaria o interesse comum. Já quanto a implicações políticas desta constatação, no que toca à partilha dos custos do ajustamento, a Comissão nem se ouve - não vão os patrões zangar-se.

É a procura, estúpido! (2)

No passado sábado, o primeiro-ministro português lembrou-se de ensaiar um discurso esquizofrénico e ignorante sobre o financiamento da nossa economia. Passos Coelho referiu que “O Estado não deixará de activamente, junto dessas instituições (bancos auxiliados), garantir que tudo o que elas podem fazer para reanimar o crédito à economia seja feito”.

Esquizofrénico, porque se queria garantir que as instituições financeiras concedessem mais crédito como contrapartida do auxílio do Estado, deveria ter exigido isso mesmo nos acordos de recapitalização. A lei que regula o reforço da solidez das instituições de crédito dá as ferramentas legais necessárias para que sejam impostas aos bancos, no âmbito dos processos de recapitalização, condições ao nível do financiamento das empresas. No entanto, quando analisamos os despachos que autorizaram a recapitalização do BCP e do BPI, encontramos apenas referências genéricas à necessidade de apoiarem a economia e uma exigência concreta: a criação de um fundo de capitalização das pme’s no valor de 30 milhões de euros. Quando estamos na presença de injeções de milhares de milhões de euros, a exigência da criação de um fundo de 30 milhões de euros é bem elucidativa do empenho do Governo em querer obrigar os bancos auxiliados a conceder crédito.

Mas as declarações de Passos Coelho revelam sobretudo o seu nível de ignorância. Se não percebe as razões da retração no crédito concedido como é que vai conseguir conduzir Portugal para fora da crise? Em primeiro lugar, é importante que ninguém se esqueça que o negócio dos bancos é emprestar dinheiro. Se emprestam menos é porque se calhar o investimento privado também está a cair e, como tal, as empresas precisam de menos dinheiro emprestado. Dito isto, alguns precipitados responderão que o investimento cai porque os bancos emprestam menos e não o contrário. Mas se tiverem mais calma e forem primeiro analisar os inquéritos que o INE e o BCE fizeram às empresas portuguesas e europeias, perceberão que a razão principal para a quebra do investimento é a falta de encomendas e de clientes.

Portanto, se o Estado português está tão interessado na reanimação do crédito à economia, então tem de primeiro reanimar a economia.


(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A finança está apreensiva

Hoje a política económica é ditada pelos mercados financeiros. Mas não foi sempre assim. Reagindo ao desastre económico, social e político dos anos 30, que conduziu à Segunda Guerra Mundial, governos de todo o mundo reuniram-se em 1944 na célebre conferência de Bretton Woods e decidiram dar prioridade ao desenvolvimento das nações. Embora admitindo que a estabilidade das taxas de câmbio era benéfica para o comércio internacional, também queriam evitar os erros do passado. Subjugados pelos movimentos de capitais especulativos, tinham executado políticas de austeridade para defender taxas de câmbio fixas impostas por uma paridade com o ouro tida por irrevogável. Por isso, os Acordos de Bretton Woods instituíram um regime de câmbios flexíveis e assumiram que cada estado recuperaria a liberdade de administrar as políticas mais adequadas ao seu desenvolvimento recorrendo ao controlo do capital financeiro e a alguma protecção comercial.

Não cabe neste espaço discutir as causas do colapso do sistema de Bretton Woods. Ainda assim, importa lembrar que a crescente liberalização dos movimentos de capitais nos anos 60 teve um papel relevante nesse processo. Nos anos 70 Wall Street e a City já exerciam uma grande pressão sobre os decisores políticos dos EUA e do Reino Unido. Ao mesmo tempo, a teoria económica keynesiana e o espírito dos acordos de Bretton Woods passaram a ser alvo de uma campanha sistemática de descredibilização conduzida por académicos ideologicamente motivados (Milton Friedman à cabeça) e por centros de estudos financiados pelo poder económico e financeiro. As vitórias de Margaret Thatcher (1979-1990) e Ronald Reagan (1981-1989) deram um impulso decisivo ao paradigma neoliberal. Na década de 90 os EUA e as organizações criadas por Bretton Woods (FMI, BM, OMC) introduziram nas cláusulas dos acordos de comércio, ou na condicionalidade imposta aos países em crise, a livre circulação de capitais e taxas de câmbio flutuantes. As teorias que garantiam os benefícios produzidos por mercados financeiros desregulados, com destaque para a sua vigilância sobre a política económica dos governos, converteram-se em dogma para a maioria dos economistas.

Desde que a finança retomou a liberdade que teve antes da Segunda Guerra Mundial as taxas de câmbio de muitos países passaram a depender em larga medida dos fluxos de capitais e já não da evolução da respectiva balança comercial. As crises financeiras multiplicaram-se ao longo das décadas seguintes e as taxas de câmbio flutuantes, em vez de funcionarem como um mecanismo de ajustamento da competitividade-preço das economias, passaram a ser fonte de grave instabilidade macroeconómica, social e política. Primeiro na América Latina, ainda nos anos 80, depois no México (1994), a seguir na Ásia (1997-98), na Rússia (1998), no Brasil (1999), na Argentina (2000-01), na Turquia (2001) e mais recentemente nos EUA (2007-8) e na Europa do euro. As bolhas especulativas, com destaque para as do imobiliário, foram um dos mais relevantes e destrutivos resultados da livre circulação de capitais. Entretanto, o ritmo de crescimento médio das economias foi menor quando comparado com o período anterior.

Assim sendo, não admira que em Portugal os porta-vozes da finança se mostrem nervosos com o início de um debate público sobre custos e benefícios de uma saída da zona euro. De facto, têm razão para estar apreensivos. É que, tal como no tempo do padrão-ouro, as crises bancárias, a revolta social e o crescimento eleitoral de partidos críticos do sistema são sérios indícios de que o regime entrou em decomposição. O dia em que Portugal abandonar a zona euro, nacionalizar os bancos e instituir um controlo dos movimentos de capitais será um dia marcante no urgente processo de regeneração da nossa democracia e de recondução da actividade bancária a instrumento do desenvolvimento.

(O meu artigo no jornal i)

A austeridade destrói-se


A política económica de austeridade de Vítor Gaspar, o tal Ministro das Finanças da troika, consistiu, segundo João Pinto e Castro, na “queima” de cerca de 12000 milhões de euros. Uma performance sem paralelo e sempre aplaudida pelas pessoas muito sérias e que o mostram pelo número de vezes que apelam ao consenso com a política económica de Gaspar, agora também em versão amanhãs europeus que cantam pela voz de Poiares Maduro, o Gaspar do direito.

A economia política da austeridade, por sua vez, baseia-se na crença de que fazer com que os custos salariais diminuam internamente é decisivo também para aumentar as exportações. O detalhe, como sublinha o insuspeito Manuel Caldeira Cabral, um dos que aliás tem de vez em quando dado para o peditório intrinsecamente contraditório da austeridade inteligente, é que o crescimento destas últimas, apesar da descida acentuada dos custos unitários de trabalho, é cada vez menor. E quanto ao argumento de que descer salários, diminuindo no fundo o seu peso no rendimento nacional, é a melhor via para criar emprego? A própria Comissão Europeia, ou melhor quem redigiu um seu relatório sobre “emprego e desenvolvimentos sociais”, tem dúvidas, devido aos efeitos perniciosos na procura, identificando, pelo contrário, uma “correlação positiva entre o crescimento médio do custo real do trabalho e o do emprego, no período 2001-2011, sugerindo que os desenvolvimento do lado da procura dominaram os efeitos no lado da oferta” (via William Mitchell).

Todos os mitos da austeridade, que as pessoas dos consensos papagueiam, têm sido intelectualmente desfeitos com maior ou menor facilidade. A reconstrução política pós-austeritária será muito mais difícil, até porque a troika e suas forças internas não parecem responder a argumentos racionais. À força da razão terá de se juntar a razão da força de uma maioria democrática soberana.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Sábado: Crise, Estado e Educação


«Só a concretização do direito a uma Educação de elevada qualidade, a que todos tenham acesso, pode criar as condições para o desenvolvimento económico, social e cultural do país. É por isso que um debate sobre o estado e os caminhos da Educação e do nosso sistema educativo, enquadrado no inadiável debate sobre a defesa de um Estado que não se demita das funções sociais a que está constitucionalmente obrigado e reagindo à sua destruição que é a aposta do atual poder político, é mais do que necessário.

Contrariando a tese governamental de que a saída da crise exige a diminuição ou mesmo a extinção dos serviços públicos – de que a Educação faz parte – o Congresso Democrático das Alternativas (CDA) sustenta que só o aprofundar e consolidar das funções sociais do Estado permite sair da crise para uma sociedade mais justa e igual.»

15h00- Abertura (Manuela Mendonça)
A Educação como direito humano básico (Isabel Baptista)
O (des)investimento financeiro na Educação e suas consequências (António Nabarrete)
Democracia, Estado Social e Defesa da Educação Pública (Licínio Lima)
16h15- Debate
17h45- Contributos do debate para a Conferência «Vencer a Crise com o Estado Social e com a Democracia» (José Soeiro)

Os erros da austeridade

 
Replicamos Reinhart e Rogoff (2010a e 2010b) e descobrimos que erros de código, exclusão selectiva de dados disponíveis e ponderação nada convencional de estatísticas disponíveis geraram erros sérios, levando a uma representação equivocada da relação entre dívida e crescimento do PIB em vinte países no período do pós-guerra. Quando calculada de forma apropriada, a taxa de crescimento para países com um rácio da dívida pública em relação ao PIB superior a 90% é, na realidade, de 2,2% e não de -0,1%, como foi publicado por Reinhart e Rogoff. Contrariamente a RR, a taxa média de crescimento do PIB com rácios de dívida/PIB acima de 90% não é significativamente diferente da que é registada com rácios de dívida/PIB inferiores. Também indicamos que a relação entre dívida pública e crescimento do PIB varia significativamente ao longo do tempo e de país para país. Globalmente, a evidência contraria a ideia, defendida por Reinhart e Rogoff, de que um importante facto estilizado havia sido identificado, segundo o qual um fardo da dívida superior a 90% do PIB reduz o PIB de forma consistente. 

Do internacionalmente badalado trabalho de Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin (minha tradução) que parece ter implodido o pilar empírico que restava em defesa da austeridade. O documento está disponível no sítio do Political Economy Research Institute, uma das melhores instituições que eu conheço nas áreas da economia política e da política económica críticas e que muito tem influenciado as pistas que temos seguido neste blogue ao longo dos últimos seis anos. Outra instituição universitária semelhante, nos EUA, é o Levy Economics Institute, onde Yeva Nersisyan e Randall Wray já tinham, com uma outra abordagem que aqui divulgámos, indicado que Reinhart e Rogoff, ao não distinguirem entre estados com soberania monetária e estados que dela abdicaram, tinham prestado um péssimo serviço à análise económica e à política económica.

Quando as ideias ruem

Nuno Aguiar tem uma excelente súmula da recente polémica em torno do, agora desacreditado, artigo de Rogoff e Reinhart sobre endividamento e crescimento - provavelmente um dos mais influentes estudos legitimadores da austeridade. Acrescento só uma nota importante, feita por Paul Krugman no seu blogue. O relevante aqui não é tanto se existe uma correlação entre endividamento e baixo crescimento (continua a existir), mas a desmontagem da ideia do limite dos 90% do PIB para dívida pública como fronteira a partir da qual as economias colapsam. Se não existe nenhuma abrupta queda do crescimento económico a partir de um determinado nível de dívida, então o nexo causal que afirma baixo crescimento causado pela dívida sai, no mínimo, enfraquecido. Já a causalidade inversa - baixo crescimento causa aumento da dívida - sai reforçada desta polémica.

Adenda: Bob Pollin e Michael Ash, co-autores do artigo que põe causa os resultados de Rogoff e Reinhart, explicam bem o que está aqui em causa, neste artigo do Financial Times.

Musiquinha para celebrar

"7 mil milhões de pessoas vivas ao mesmo tempo" dos And So I Watch You From Afar.



6 anos a pedalar

Este blogue foi iniciado poucos meses antes do início da crise do subprime nos EUA. Hoje fazemos seis anos. O mesmo tempo de duração da crise económica global. A luta das ideias é, por isso, hoje mais importante do que nunca se queremos ultrapassar a crise.
Obrigado a todos os que nos lêem e que nos têm encorajado ao longo destes anos. Pedalemos juntos.

Ficar ou Sair do Euro

A propósito do novo livro do Professor João Ferreira do Amaral sobre o Euro, o último "Prós e Contras" versou sobre a possibilidade de saída. Nele participou também o "ladrão" Jorge Bateira. Vale bem a pena ver. Se as serenas e ricas intervenções do Jorge Bateira e de Ferreira do Amaral não fossem motivo suficiente, os argumentos do outro lado são bem eloquentes, entre o "não se pode discutir isto" e pretensos argumentos de autoridade. O link para o programa fica aqui.

Entretanto, depois de ouvir João Salgueiro a argumentar que não se pode falar de saída do euro, não resisti e fui rever este vídeo:

terça-feira, 16 de abril de 2013

Nem chegam a ser o Frei Tomás

O Fundo Monetário Internacional recomenda ao Reino Unido um aligeiramento da austeridade. Aparentemente a dose é demasiado forte e o sector privado mostra sinais de fragilidade. Já para países, como Portugal, onde a dose é cavalar e o sector privado está em depressão, a receita é mais do mesmo.

Vai-se lá saber porquê, lembrei-me desta música:


Leituras

«Há mais de dois anos, os líderes europeus têm forçado os países em dificuldades, como Portugal, Espanha e Itália, a aceitar um cocktail de austeridade fiscal e reformas estruturais, prometendo que este será o tónico certo para curar os seus males económicos e financeiros. Mas as evidências mostram que esta medicina amarga está a matar o paciente. (...) Era claro, desde o início, que a austeridade económica (cortes na despesa pública e no Estado Social) e as reformas estruturais (flexibilização das leis laborais e privatização das empresas públicas) não poderiam ser concretizadas em simultâneo num contexto de profunda depressão. E essa realidade dolorosa está em curso, sem fim à vista. (...) Os líderes europeus vão ter muita dificuldade em admitir que a sua escolha foi errada. Mas deveriam perceber que prosseguir na estratégia actual significa minar a confiança no euro e no próprio projecto europeu. E se eles deixam que essas dinâmicas se tornem ainda mais fortes, será bem pior para todo o continente, e não apenas para os portugueses ou os italianos.»

The New York Times, O remédio amargo da Europa (editorial de 14 de Abril)

«Desde que Portugal pediu um resgate financeiro, exactamente há dois anos atrás, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho tem sido um dos mais acérrimos europeus defensores da fé em que a austeridade vai gerar crescimento - e de forma relativamente rápida. Depois de ganhar as eleições, em Junho de 2011, disse que um "rigoroso programa de austeridade e de reformas estruturais" se traduziria em "dois anos terríveis", de profunda recessão e desemprego, mas que poriam o país a crescer e a recuperar a confiança dos investidores internacionais. A sua previsão de dois anos de sofrimento foi absolutamente certeira. Mas em vez da prometida recuperação, os portugueses confrontam-se hoje com uma recessão muito mais profunda e prolongada do que aquela que o governo e os credores internacionais tinham previsto. O doloroso Programa de Ajustamento português nem sequer permitiu atingir o objectivo da consolidação orçamental, que Passos Coelho estabeleceu como pré-condição para o "crescimento sustentável, a competitividade e a criação de emprego". O défice orçamental passou de 4,4% do PIB em 2011 para 6,4% no ano passado.»

Peter Wise, O plano de austeridade português não resulta

«Este estado de guerra está a dizimar as populações do Sul - a taxa de desemprego em Portugal é histórica e na Grécia ainda vai chegar aos 30% - e essa guerra está a ser vencida pelo Norte, com a cumplicidade de uma “quinta coluna” robusta em países como Portugal. Aqui, Vítor Gaspar é o líder dessa quinta coluna incapaz de colocar os interesses nacionais - não implodir o país através do aumento do desemprego, por exemplo - à frente dos interesses dominantes na troika e no Norte. Essa quinta coluna não só partilha a teologia da austeridade com mais fanatismo do que os seus Papas como tem uma ideologia de classe evidente - enquanto o accionista Estado se abstém na atribuição dos prémios milionários aos gestores da EDP, prepara-se para cortar nos mais fracos, os doentes e os desempregados. Há uma destruição (...) em curso - provocada por um governo obediente, venerador e obrigado a políticas europeias devastadoras, mas dificilmente reversíveis. Acreditar numa mudança radical na Europa - onde Hollande se passeia a fazer figuras tristes - já começa a ser equivalente a acreditar nos amanhãs que cantam.»

Ana Sá Lopes, O estado de guerra e a quinta coluna

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O plano de sempre

Volto à carga com um ponto simples, mas creio que cheio de implicações políticas e que os últimos acontecimentos em Dublin, na semana passada, confirmaram: aí assistimos a mais um episódio do processo em curso de renegociação da dívida dirigida pelos credores externos, no seu interesse e no interesse dos seus representantes internos, o actual governo. De facto, a extensão dos prazos médios de reembolso dos empréstimos europeus em sete anos destina-se a adiar incumprimentos soberanos desestabilizadores para os credores, dado o fardo de reembolsos concentrados num país sem soberania, entre a espada do capital financeiro e a parede da condicionalidade da troika. A extensão destina-se também, e este é o ponto central, a dar toda a força externa ao programa interno de austeridade assente nos cortes recessivos e regressivos na despesa pública, ou seja, nos rendimentos e serviços de que todos beneficiam, em especial os que têm relativamente menos recursos e poderes. Este é o plano de sempre.

Creio que nunca foi tão claro como, num fenómeno típico de sociedades tornadas dependentes, este governo assenta numa aliança de sectores sociais reaccionários cuja força interna tem sobretudo origens externas, neste caso concreto na economia política da integração europeia realmente existente. A política interna que não enfrentar a estrutura europeia está por isso condenada à derrota eterna. A questão social – “doentes e desempregados ajudam a tapar buraco orçamental” – e a questão nacional – “Troika em Lisboa na segunda-feira” –  estão hoje imbricadas como talvez nunca estiveram. Se isto é assim, a estratégia política fica muito mais clara. Tudo começa com um acto soberano democrático: a denúncia do memorando.

domingo, 14 de abril de 2013

Combater as desigualdades

É por via das desigualdades salariais e da precariedade que as sociedades se tornam desiguais. Por outro lado, há uma relação entre rendimentos de trabalho e rendimentos de capital que tem que ser reequilibrada. Mas, ao nível dos salários, é importante pensar em formas de redistribuição entre os rendimentos mais altos e os mais baixos (...) Cortar no Estado social é dizer que a nossa economia, a prazo, vai ter grandes dificuldades em recuperar. A não ser, claro, que estejamos a pensar num modelo de um país subdesenvolvido. Se é assim, assuma-se que o que queremos é uma sociedade de baixos salários e mão-de-obra intensiva, com trabalhadores precários.

Excertos da notável entrevista que o Público fez ontem a Renato Carmo, tomando com bom pretexto o lançamento de um livro por si coordenado e que compila artigos publicados no Le Monde diplomatique - edição portuguesa. O resto pode ser lido aqui (via câmara corporativa).

sábado, 13 de abril de 2013

Hoje


«Hoje, os princípios fundamentais e a arquitectura institucional do sistema de segurança social estão em sério risco. O Governo e a troika têm usado o contexto económico e financeiro atual para reduzir um leque amplo de prestações e direitos sociais. Procura criar junto da opinião pública as condições políticas para proceder a uma reforma profunda do sistema no sentido de um modelo assistencialista, alterando os seus princípios e reduzindo a universalidade de acesso a prestações e serviços sociais.

Esta transformação, a concretizar-se, terá um impacto profundo na capacidade do sistema para garantir o rendimento e a dignidade quando falta o salário na idade ativa ou depois de uma vida de trabalho, reduzir as desigualdades socioeconómicas e a pobreza, e consequências muito negativas nos níveis de bem-estar e de coesão social. É, por isso, urgente mobilizar forças contra a estratégia de «refundação» do Estado social que o Governo pretende concretizar e, ao mesmo tempo, refletir sobre os caminhos e as alternativas que assegurem a sustentabilidade social, económica e financeira, os níveis de cobertura de riscos e justiça interna do sistema de segurança social.»

14h30- Abertura (Renato Miguel do Carmo)
14h45- As arquitecturas do sistema de Segurança Social (Maria do Carmo Tavares, Paulo Pedroso, Pedro Nogueira Ramos, Vítor Ferreira).
16h45- A universalidade da Segurança Social e o seu impacto na pobreza e nas desigualdades (Hugo Mendes, Manuel Branco, Marco Marques, Roberto Merrill).
Moderação dos painéis: Elisabete Miranda
18h45- Notas dos trabalhos e encerramento (José Luís Albuquerque)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Gaspar do direito?

Fiquei a saber que Poiares Maduro acha que salvar o euro é o maior desafio da Europa (eu pensava que seria combater o desemprego, mas a verdade é que o “sonho” europeu destas elites parece valer bem o pesadelo de milhões de desempregados). Fiquei também a saber, através de mais uma inenarrável peça de Eva Gaspar, que Maduro já garantiu que o PIB islandês até caiu cerca de 40%, graças à crise financeira. Consultando as estatísticas islandesas concluo que caiu um total de cerca de 10%, em 2009 e 2010, e que a recuperação já se iniciou, com os níveis de desemprego conhecidos, ou seja, nunca se ultrapassou os 8% (Portugal antes do euro era assim em termos de taxa de desemprego). É claro que Maduro fala do rendimento medido em dólares, o que diz muito sobre a natureza de classe do seu raciocínio (sempre preocupado com quem viaja e com quem importa carros e tal) e o que obviamente toma em conta a vital desvalorização da moeda islandesa (para ajudar ao mais rápido ajustamento da economia). Medida desta forma a crise nem se vê em Portugal, até porque o euro se valorizou (a crise não existe para quem tem emprego garantido sem cortes e viaja muito para os EUA). É claro que para quem vive na Islândia essa medida tem pouco significado. O que conta é mesmo a evolução do rendimento real, do rendimento nominal descontada a inflação. De resto, este tipo de exercício diz muito sobre o tipo de argumentos que demasiados defensores do euro fazem e sobre os jornalistas que os reproduzem com tanto entusiasmo. Temos mais um para sacrificar o país em nome dos amanhãs europeus que cantam. Isto não vai correr bem.

Suspeições, escrutínios e duplicidade de critérios

A propósito do caos anunciado que os exames nacionais do 1º ciclo do ensino básico irão provocar nas escolas, no próximo mês de Maio (obrigando à concentração dos alunos nas sedes dos agrupamentos e à suspensão das aulas no 2º e 3º ciclo), escreve-se no editorial do Público de ontem: «o disparate, que ainda não tem contornos definidos, chegou a incluir a proposta, essa quase insultuosa, de obrigar os alunos do ensino privado a fazer exames no público, passando às escolas do ensino particular e cooperativo um atestado de incompetência».(*)

Ora, se a suspeição quanto às condições em que decorre a prova é o único argumento plausível para compreender esta opção do Ministério da Educação (cujo secretismo e solenidade - com a entrega dos exames por soldados da GNR - mimetiza o ambiente das provas de acesso ao ensino superior), porque razão há-de ser insultuoso exigir que os alunos das escolas privadas cumpram esses mesmos requisitos, através da realização dos exames em estabelecimentos do sistema público? Acaso o Ministério assegura, por outras vias, semelhante escrutínio nas escolas privadas? Porque é que umas são à partida suspeitas e outras não? E porque é que esta medida, para usar os termos do referido editorial, não significa passar um atestado de incompetência aos estabelecimentos do sistema público, à semelhança do que é dito em relação às escolas do ensino particular e cooperativo?

Já o dissemos aqui, não nos cingindo ao universo da educação: existe um manifesto défice de escrutínio, controle e regulação pública na prestação de serviços fundamentais por «operadores privados», que abre portas a todo o tipo de permeabilidades e interesses (e que deveria fazer corar de vergonha os defensores, de terceira via, das virtudes do Estado regulador). Sendo que a duplicidade de critérios que daqui resulta se torna tanto mais inaceitável quanto assenta na ideia de que os sistemas (de saúde, educação, etc.) devem indiferenciar o público do privado, na base do famoso argumento de que não importa quem presta um serviço, desde que o Estado assegure as normas, os meios e a qualidade desse mesmo serviço. Como se está a ver.

No caso da educação, esta diferença abissal de tratamento, patente na complacência, submissão e servilismo para com o sector privado, é particularmente gritante. Como se não fosse daí que brotam, em abundância, os principais casos de golpada e corrupção; ou como se não se soubesse a forma como os rankings tendem a perverter, no universo das escolas privadas, os processos educativos. Não se espantem pois que - para além da nefasta selecção de alunos, contrária a uma política pública de educação, baseada na igualdade de oportunidades - as escolas privadas obtenham melhores classificações nos exames que irão decorrer entre 7 e 10 de Maio. A suspeição quanto ao rigor e isenção em que os mesmos decorrem nestes estabelecimentos torna-se, pelo menos, inteiramente legítima.

(*) Sobre o mesmo assunto, não deixem de ler este post esclarecedor do João José Cardoso, no Aventar.

Hoje


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Duas ilhas

Olhem para este gráfico com a evolução da taxa de desemprego na Islândia e em Chipre. Esta diferença será cada vez mais abissal. Qual é então a coisa qual é ela que talvez contribua decisivamente para que estas duas ilhas tenham trajectórias tão distintas? Duas pistas: não são as crises de sectores financeiros hipertrofiados, resultado da aplicação de políticas neoliberais, e também não são sempre úteis controlos de capitais, no contexto de reestruturações dos sistemas bancários depois da crise. Mais uma pista: demasiados economistas nacionais ainda acham que essa coisa não serve para nada.

Debate

Realiza-se no próximo dia 13 de abril, entre as 14h e as 19h, na Galeria Bar Santa Clara, em Coimbra, o debate O Estado Social no Estado de Direito Democrático, promovido pelo Núcleo de Coimbra da Comissão Organizadora do Congresso Democrático das Alternativas, no âmbito da preparação da Conferência Vencer a Crise com o Estado Social e a Democracia. Mais detalhes no sítio do Congresso Democrático das Alternativas.

“Obviamente tenho de assumir a responsabilidade”


Ashoka Mody, ex-chefe da missão do FMI para a Irlanda, deixou o FMI e decidiu falar. Ouçam-no ao vivo. Ocasiões como estas são raras.

Mesmo para quem escolheu uma carreira na finança não é fácil descartar a consciência. O “espectador imparcial” de que falava Adam Smith existe mesmo, embora não seja nele que devamos confiar se queremos por fim a esta insanidade.    

Pedalada

«Quer em consequência do repúdio da dívida e consequente insolvência da banca, quer por decisão unilateral motivada pela consciência da impossibilidade de desenvolvimento dentro do euro, quer por efeito dominó a partir de outras economias da periferia europeia, estou plenamente convencido de que a saída do euro irá ocorrer numa questão de meses ou, mais provavelmente, de anos. (...) O primeiro passo para produzir mais e dever menos é, por isso, a libertação destes constrangimentos. O constrangimento da dívida, e do euro e de ausência de autonomia política e económica que lhe está associado em segundo lugar».

O Alexandre Abreu, há dois dias atrás, no debate organizado pelo PCP no Porto, subordinado ao tema «Produzir mais para dever menos».

quarta-feira, 10 de abril de 2013

É agora ou nunca



O primeiro-ministro, com a sua reacção à decisão do Tribunal Constitucional, mostrou mais uma vez de que lado está. Perante a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas do Orçamento do Estado, decidiu declarar guerra ao órgão de soberania que tem a competência de garantir o respeito pela Constituição e ameaçar o país com o espectro da bancarrota se este não aceitar o desmantelamento do Estado social.

Na realidade, o governo viu nesta decisão apenas mais uma oportunidade para impor a sua agenda radical de liberalização do Estado. Tem sido assim desde o início desta crise financeira e económica: a direita europeia tem aproveitado o actual período histórico, dito excepcional, para impor um programa que em tempos normais seria violentamente rejeitado. Ao contrário do que os dirigentes políticos e comentadores de direita insistem em afirmar, há alternativa. Em vez de investir contra o povo português, o governo poderia confrontar a Comissão Europeia com o fracasso da sua própria receita. Não o faz apenas porque é partidário dessa estratégia suicida.

A austeridade já deu provas mais do que suficientes de que não funciona, de que se derrota a si própria e vai contra os mais elementares princípios de justiça consagrados nas constituições democráticas. Não pode ser Portugal, bem como os restantes países da periferia europeia, a pagar pelos resultados de uma união monetária que, na sua actual forma, é disfuncional. Todos são responsáveis por uma construção deficiente do euro, mas há países que beneficiam com ela e outros que têm sido objectivamente prejudicados. Já vai sendo tempo de o Estado português iniciar uma confrontação directa com a Comissão Europeia e adoptar uma atitude de resistência activa à imposição de mais austeridade.

Não será um caminho fácil e sem problemas, mas será sempre melhor do que esta morte lenta. Tenho sido adversário da saída do euro porque acredito que a austeridade não tem de ser, necessariamente, a consequência de uma união monetária. Defendo, portanto, o fim da austeridade e uma reestruturação significativa da dívida como forma de retirar o país do sufoco em que caiu, sem romper com o euro. No entanto, se isto falhar, se não o conseguirmos dentro da zona euro, a saída poderá passar a ser uma inevitabilidade.


(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

Pedalada


Recupero as entrevistas feitas ao Jorge Bateira e ao João Galamba, entre outros economistas, pelo i:

Jorge Bateira, Economista:

O que deve o governo fazer face à decisão do TC? Imagino que vai seguir o guião do FMI e explorar todas as possibilidades de corte na despesa. O que imagino que se vá traduzir em despedimentos na função pública.

Onde é que é possível cortar para cobrir os 1,1 mil milhões de euros? O governo vai certamente fazer cortes em prestações sociais diversas. Confesso que fico com dúvidas sobre ir buscar o dinheiro que pretende, sobretudo tendo em conta que não é só compensar estas inconstitucionalidades, mas também seguir na linha dos cortes já previstos de 4 mil milhões. Na minha opinião, o governo está a entrar num caminho suicida e vai provocar um desastre nacional. Todos estes cortes vão induzir o agravamento da espiral recessiva, o que vai fazer com que o défice se reduza muito pouco e a dívida continue a aumentar. Estamos num buraco sem saída.

 Está em causa a permanência de Portugal no euro? A permanência de Portugal no euro depende de uma só coisa: a capacidade do povo português suportar esta política. No dia em que o povo português explodir de revolta com esta política, o país sai do euro.

Estamos na iminência de um segundo resgate? Já estávamos antes. A espiral recessiva já nos estava a conduzir para a inevitabilidade do segundo resgate. Mesmo que o BCE pudesse ajudar nos mercados da dívida normal, isso não seria feito sem algumas condicionalidades.

O que deve o executivo dizer à troika? É normal que o governo tente explorar a possibilidade de alguma tolerância para o aumento do défice. Até usando a crise política para dizer: isto está muito mau, tenham lá alguma tolerância.

João Galamba, Economista e deputado do Partido Socialista:

O que deve o governo fazer face à decisão do TC? Eu penso que este governo e que o que qualquer governo deve fazer perante a inconstitucionalidade de algumas normas do orçamento seria usar o Acórdão para reforçar a posição negocial junto da troika. E o que o governo fez foi o contrário. O primeiro-ministro demonstrou que não está interessado em negociar com a troika e que a única coisa que faz é decretar guerra aos portugueses e ao Tribunal Constitucional. É um governo à margem da lei e que tem de cair quanto antes, em nome do regular funcionamento das instituições. Já há um precedente na Letónia em que o TC decretou a inconstitucionalidade de cortes nas pensões e o FMI aceitou as consequências financeiras dessa decisão.

Onde é que é possível cortar para cobrir os 1,1 mil milhões de euros? Em lado nenhum. O país não aguenta nem mais um euro de impostos nem mais um euro de corte na despesa. A única despesa que pode ser cortada é a despesa com juros pagos ao exterior.

Está em causa a permanência de Portugal no euro? Por causa do Acórdão do Tribunal constitucional não. Penso que a manutenção de vários países pode estar em causa se não houver alteração da actual orientação política da União Europeia.

Estamos na iminência de um segundo resgate? Essa é uma chantagem e uma mistificação: Se Portugal tiver o apoio dos seus parceiros internacionais não é necessário um segundo resgate, porque a nova modalidade de funcionamento do BCE é que um país poderá financiar-se nos mercados com ajuda do BCE, embora envolva a assinatura de uma espécie de Memorando.

O que deve o executivo dizer à troika? Devia ensaiar uma confrontação com a troika, mas este primeiro-ministro já anunciou que não quer isso.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Este bode expiatório chegou muito tarde...


 

"O Governo já tinha falhado por completo todos os objectivos do memorando, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O governo já estava com dificuldades em "ir aos mercados", ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava a caminho de um segundo resgate, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava em crise profunda, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. 

Todas as crises, económicas, sociais, e políticas já estavam em pleno curso, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. A decisão do Tribunal Constitucional acelera todos estes processos mas não lhes deu origem. Nasceu deles. Nasceu de um Governo que, apesar de prevenido, mil vezes prevenido, insistiu num  Orçamento de Estado assente em medidas ilegais. Bateu no peito cheio de ar e vento, insultando o Deus dos Trovões e levou com um raio em cima."

Pacheco Pereira, in Abrupto

Venceu

Margaret Thatcher venceu porque tinha uma ideologia clara ao serviço de forças sociais claras – “a economia é o método, mas o objectivo é mudar a alma” –, ou seja, uma certa economia, reconfigurada por impulso estatal centralizado feito de privatizações e de desregulação, que foi até onde a correlação de forças permitiu (não conseguiu destruir o Serviço Nacional de Saúde), ao serviço da promoção do individualismo possessivo – “a sociedade não existe, só existem indivíduos e as suas famílias”. Venceu o organizado operariado britânico, desarticulando-o e às suas comunidades, deixando o desemprego mais do que duplicar para valores só vistos na Grande Depressão e quebrando a espinha aos sindicatos: o novo trabalhismo, que incorporou o fundamental do neoliberalismo que instituiu, foi de facto o seu maior sucesso político e nasceu desta imensa derrota da classe operária britânica e das suas organizações. Quem mais perdeu e quem mais venceu? A taxa de pobreza era de 13,2% quando conquistou o poder e atingiu 22,2% quando o abandonou, deixando uma sociedade infinitamente mais desigual. Milhões de crianças, que cresceram nas novas famílias pobres e numa sociedade com menos mobilidade social e com divisões de classe mais endurecidas, foram as grandes derrotadas. A City londrina, colocada no indiscutível posto de comando de uma economia desindustrializada e financeirizada, foi a grande vencedora. A crise fez com que este modelo implodisse, mas as forças sociais que dele beneficiaram ainda estão no poder e no controlo firme dos aparelhos ideológicos e aproveitam para repetir receitas de austeridade. Thatcher também venceu porque numa era de globalização neoliberal, que as suas políticas decisivamente construíram, soube mobilizar um nacionalismo agressivo e militarista para manter um bloco social que foi amplo o suficiente para vencer quando as coisas pareciam periclitantes. De resto, os seus discípulos ainda andam por aí, a inventar histórias sobre a sua heroína e a garantir a continuação do seu legado: uma maciça redistribuição dos rendimentos e da riqueza da base para o topo, ao mesmo tempo que repetem o “não há alternativa”, a sua fórmula de sucesso. Vencerão?

Carta aberta ao reformado de Belém

«Sr. Presidente da República,
Antes de mais, desculpe vir incomodar. Eu sei que trabalha muito, 10 ou 12 horas por dia, e não pretendo maçar mais. Mas é que o assunto que me traz é mesmo muito sério e não pode esperar.
Ouvi na televisão, no dia 7, o Primeiro-Ministro – que foi empossado por si e relativamente ao qual o Sr. Presidente ainda na véspera tinha reiterado que «dispõe de condições para cumprir o mandato democrático em que foi investido» (mandato DEMOCRÁTICO, saliento) – atacar e ameaçar um outro órgão de soberania, que ainda para mais é um Tribunal, por natureza independente.
O Sr. Presidente, com a sua longa experiência em cargos políticos – que, como tanto gosta de frisar, nenhuma outra pessoa em Portugal tem… –, saberá melhor do que ninguém que os termos em que o Primeiro-Ministro hoje se referiu ao Tribunal Constitucional não são aceitáveis num Estado de Direito Democrático (como é o nosso, nos termos do artigo 2.º da Constituição).
Como entre nós vigora o princípio da separação de poderes (artigo 111.º da Constituição), «os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei» (artigo 203.º da Constituição) e que «os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões» (artigo 216.º, n.º 2 da Constituição).
Sabendo tudo isto, certamente não poderá o Sr. Presidente considerar normal que um Primeiro-Ministro, ainda que prometendo a contragosto respeitar a decisão, venha erigir o Tribunal Constitucional em inimigo público n.º 1, imputando-lhe a criação de graves problemas para os Portugueses, acusando-o de prejudicar a credibilidade externa do nosso país, culpabilizando-o pelo descalabro da execução orçamental, responsabilizando-o pelo potencial falhanço de negociações internacionais em curso, assacando-lhe culpas num eventual segundo resgate e chantageando-o quanto a decisões futuras relativas aos cortes que se avizinham na educação, saúde, etc.
Nada disto é tolerável. E tudo isto é revelador de uma imensa falta de maturidade democrática e de um assustador desconhecimento ou desprezo pelo papel dos Tribunais num Estado de Direito. A Constituição, interpretada de forma autêntica pelo Tribunal Constitucional, é um pressuposto do exercício de funções governativas. Não pode nunca ser apresentada como um obstáculo à governação, um entrave ao cumprimento de metas ou um álibi para falhanços.
(...) Assim, e face à comunicação que o Primeiro-Ministro dirigiu ao país, gostaria de saber por que razão não age o Sr. Presidente em conformidade e não toma a decisão óbvia - a demissão do Governo por o Primeiro-Ministro ter posto em causa o regular funcionamento das instituições democráticas.
Atenciosamente,»

Excerto da carta redigida por Tiago Antunes (via Shyznogud, no Jugular), que merece ser lida na íntegra. O meu amigo Victor Ferreira (que adaptou o último parágrafo) faz uma excelente sugestão: que se envie massivamente esta carta ao presidente Aníbal, através da caixa de correio que o próprio disponibilizou, para que lhe escrevêssemos.

É tão bom ser «bom aluno», não foi?

«O chumbo pelo Tribunal Constitucional (TC) de várias normas do Orçamento de Estado (OE) de 2013 levou a zona euro a suspender todas as decisões relativas ao programa de assistência financeira a Portugal, incluindo o prolongamento dos prazos de reembolso dos empréstimos europeus e o desembolso da próxima parcela da ajuda. (...) Perante a incerteza provocada por esta situação, que compromete as metas para a redução do défice orçamental assumidas pelo Governo em troca da ajuda externa, a troika de credores internacionais (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) vai regressar a Lisboa na próxima semana.» (Público, 8 de Abril de 2013).

Que estranho. Ainda há dois dias me pareceu que o primeiro-ministro, na sua comunicação ao país, tinha afiançado uma vez mais a pés juntos - como já tantas vezes fez também o ministro das finanças - que «ao longo do último ano fomos lentamente recuperando a credibilidade perdida», que «fomos capazes de regularmente apresentar trabalhar feito», e «de consistentemente cumprir o que estava acordado com os nossos parceiros externos». E que tudo isso teria permitido, qual cereja em cima do bolo, que fossemos sendo reconhecidos por uma «conduta confiável e clarividente».

Que se passa? Como é que tanta credibilidade se evapora num instante? Por causa de um buraco, aberto pelo próprio governo, que é três vezes menor que o resultante da empenhada receita que conduziu a tanto êxito?
Andaremos a confiar nos amigos errados? Ou será que tamanha credibilidade é apenas uma máscara que já não esconde o verdadeiro rosto do fracasso? Ou serão igualmente válidas estas duas hipóteses?

Leituras

«Como era expectável, o Tribunal Constitucional (TC) rejeitou várias medidas previstas no Orçamento de Estado para 2013. Algumas das medidas agora chumbadas já haviam merecido o desacordo do TC em 2012, tendo o governo sido avisado por vários constitucionalistas da inconformidade das propostas que insistiu em inserir no OE.
Perante a já esperada decisão do TC, o governo reagiu de forma hipócrita e cobarde, utilizando a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas do OE para procurar iludir o falhanço da estratégia até aqui seguida e como desculpa para anunciar um ataque sem precedentes e há muito planeado ao Estado Social em Portugal.
O falhanço da estratégia do governo e da troika é demonstrado não apenas pela destruição da economia, pelos níveis insustentáveis de desemprego e pelo alastramento da pobreza e da crise social. O governo falhou nos seus próprios termos, fazendo elevar a dívida pública acima dos 120% do PIB e atingindo um défice orçamental em 2012 que é superior em 1,9% do PIB ao inicialmente esperado. Estas são as medidas do fracasso da estratégia prosseguida pelo governo e inscrita nos memorandos assinados com a troika. (...) Em suma, o governo procura atribuir ao TC a responsabilidade por medidas que sempre defendeu e pelos resultados desastrosos das suas próprias políticas.»

Da declaração do Congresso Democrático das Alternativas (que merece ser lido na íntegra, aqui)

«O número de artigos e notas em blogues que começam com “a decisão do Tribunal Constitucional fez e aconteceu….” representam um sucesso do pensamento único governamental. Na verdade, deviam começar com “a política do governo fez e aconteceu…” Isto, porque a decisão do Tribunal Constitucional é que é a normalidade e a lei, e a política do governo é que é a anormalidade e a ilegalidade. A decisão do Tribunal Constitucional representa uma consequência da política do governo, das escolhas do governo, da incapacidade do governo de encontrar políticas de contenção orçamental que não passem pela violação da lei e pelo afrontamento da Constituição. Mais: o caminho seguido pelo governo para o objectivo de cumprimento do memorando da troika é que põe em causa esse cumprimento. (...) Foi um caminho de pura engenharia social, económica e política, prosseguido com arrogância por uma mistura de técnicos alcandorados à infalibilidade com políticos de aviário, órfãos de cultura e pensamento, permeáveis a que os interesses instalados definissem os limites da sua política. Quiseram servir os poderosos com um imenso complexo de inferioridade social, e mostraram sempre (mostrou-o de novo o primeiro-ministro ontem), um revanchismo agressivo com os mais fracos.»

José Pacheco Pereira, O material tem sempre razão (4)

«A Constituição é o documento que protege a democracia em tempos ruins. O papel dos tribunais constitucionais, e a importância que eles adquiriram no pós-Guerra, é precisamente o de não deixarem que de novo uma depressão económica possa acabar com o Estado de Direito. (...) E o argumento sai reforçado pelo facto de terem sido precisamente alguns dos grandes princípios do Estado de Direito - igualdade e proporcionalidade - que estiveram na base da recente decisão do TC sobre o Orçamento de Estado. Se o pressuposto fosse o de que, porque a troika desceu na Portela ou porque houve um ecplipse da Lua, fosse possível desrespeitar a igualdade e a proporcionalidade, admitiríamos da mesma forma que a polícia pudesse agir sem proporcionalidade ou que um hospital pudesse tratar os pacientes sem igualdade. Porque um Estado de Direito intermitente fica sujeito à arbitrariedade, e um Estado sujeito à arbitrariedade deixa de ser um Estado de Direito.»

Rui Tavares, Passemos às coisas sérias (no Público de ontem)