quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A narrativa dos credores

Tivemos de pedir ajuda internacional para conseguirmos pagar salários, pensões e assegurar as funções essenciais do Estado. E poucos terão a noção de quão perto estivemos de uma situação de falência desordenada.

Maria Luís Albuquerque, apresentação do OE-2014

Nunca é demais repetir:

É verdade que não havia e não há dinheiro suficiente para pagar salários, pensões e todas as outras despesas públicas, sobretudo se se incluir, decisivamente, o fardo de uma dívida pública crescente, que tem de ir sendo amortizada, e cuja despesa anual, só com juros, aumentou mais de 50%, entre 2010 e 2013, sendo já bastante superior à totalidade das receitas previstas com as privatizações no memorando.

É também verdade que, como sublinhou o ex-secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, mesmo quando se assinou o memorando havia dinheiro para pagar salários e pensões, já que, só no decisivo primeiro semestre de 2011, as receitas de IRS e IRC ultrapassavam as despesas com salários, e as contribuições para a Segurança Social chegavam e sobravam para pagar as pensões.

De qualquer forma, estando exclusivamente dependente dos agentes dos mercados financeiros ou, na falta de interesse destes, da "bondade de estranhos", um Estado sem a possibilidade de financiar monetariamente os seus défices não é bem um Estado e a sua dívida não é definitivamente soberana. Estes estranhos constituíram, em 2011, uma troika, nada bondosa, que nos emprestou dinheiro para garantir que os credores privados, sobretudo os bancos, não tivessem perdas com a dívida portuguesa num mundo ainda traumatizado com as consequências da falência do Lehman Brothers. Estas perdas adviriam de uma decisão, que hoje é mais difícil do que era em 2011, mas que é igualmente necessária: recusar o memorando e declarar uma moratória ao pagamento da dívida, isto é, uma suspensão dos pagamentos dos juros e das amortizações ao longo de um processo negocial que terá na agenda, entre outros temas, a reestruturação da tal dívida, reduzindo em profundidade o seu montante.

3 comentários:

Luís Lavoura disse...

declarar uma moratória [...] ao longo de um processo negocial

Pois, eu até estou de acordo, o problema é se as contrapartes não aceitarem negociar. É que, para que haja um processo negocial, têm que todas as partes ter vontade de nagociar. Basta algumas partes não estarem com tal vontade para que grossos problemas possam surgir (a Argentina ainda hoje está com problemas derivados do default de há mais de dez anos). Ora, quer-me parecer que há partes que não estarão com vontade de negociar...

Luís Lavoura disse...

um Estado sem a possibilidade de financiar monetariamente os seus défices não é bem um Estado

Ao longo da história, a maior parte dos Estados não teve a possibilidade de financiar monetariamente os seus défices. Mesmo quando essa possibilidade existe, a monetização tem que ser feita de forma discreta e em quantidades muito limitadas.

Anónimo disse...

"Pois, eu até estou de acordo, o problema é se as contrapartes não aceitarem negociar. É que, para que haja um processo negocial, têm que todas as partes ter vontade de nagociar. Basta algumas partes não estarem com tal vontade para que grossos problemas possam surgir (a Argentina ainda hoje está com problemas derivados do default de há mais de dez anos). Ora, quer-me parecer que há partes que não estarão com vontade de negociar... "

No caso em análise, quase todas as partes são integrantes do mesmo todo, o que não se passava nas Pampas dos idos primórdios da década passada...