quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O arquitecto do novo consenso


Estive a seguir a conferência de imprensa de Mario Draghi - um homem a quem hoje se associa uma imagem de adversário da austeridade à la Merkel.

Ele mostra-se elástico na política monetária e promete biliões em empréstimos de longo prazo e compras de dívida titularizada à banca, sugere flexibilidade nas políticas orçamentais, mas, em contrapartida, exige reformas estruturais. E repete dezenas de vezes: reformas estruturais, reformas estruturais, reformas estruturais.

Reformas estruturais? De que é que ele está a falar? Ele responde: mais cortes na despesa pública para baixar impostos e (agora) financiar investimento público, mais e mais “flexibilização” do mercado de trabalho, mais medidas “amigas” dos negócios. Em suma, chamemos as coisas pelos seus nomes, menos saúde e educação públicas, mais saúde e educação paga por quem pode, menos pensões, mais PPRs, menor protecção do emprego e do desemprego, menos salário, menos medidas de protecção social e ambiental e tudo privatizado. Afinal isto é o que sempre esteve em causa. Transformar a crise numa oportunidade para varrer da face da Europa todos os traços de democracia social.

O mesmo Draghi que em Fevereiro de 2012 teve a franqueza de declarar que “o modelo social europeu já foi” paira agora sob a forma de pomba, propondo os termos de um novo pacto: alguma flexibilidade orçamental (inevitável dada a depressão da procura) em troca das ditas reformas estruturais. Em breve surgirá a proposta de um novo tratado, que amarre todos os governos às "reformas estruturais", isto é, ao estrito cumprimento da agenda política e ideológica da direita, em troca de dinheiro do BCE e de tolerância orçamental da Comissão.

O pior é que abundam os sinais de que a social-democracia europeia já firmou o pacto de que Draghi é porta-voz. Mario Draghi e Vitor Constâncio lado a lado. Simbólico. E deprimente.

3 comentários:

Jose disse...

Numa economia baseada na empresa privada em concorrência global, a esquerda mantém o horror à liberdade de despedimento, o que o mesmo é dizer que o erro ou o gorarem-se as expectativas das empresas tem significativos impedimentos e custos de correcção/ adaptação.
E gritam estar em causa o modelo social europeu, quando o que está em causa é o modelo político da esquerda, que para o manter arrisca por em causa o modelo de protecção social europeu.

Anónimo disse...

só não entendo, como os que não veem, não viram, ou desgraçaram este povo, vão para a UE, em representação da nação.

Anónimo disse...

O dogma beato tem destas coisas.Geralmente é movido pela fé e tem algo de tenebroso, já que a fé não é para aqui chamada.
A economia baseada na empresa privada (mas se ela funciona mal porque o há-de ser? e a submissão ao deus mercado cheiram mal.E muito.

Há dias alguém, provavelmente saído da escola superior onde se formou Relvas ou então formatado na ignorância/aldrabice/má fé falava em investimento como se este fosse apenas "privado"

Coisas. Agora jose mistura os dados mas mostra ao que vem.Gosta de sociedades onde se possa despedir livremente, em função da "empresa", do empresário, do que ganha dinheiro à custa do suor alheio.
Há imensas nuances para a situação face ao emprego, mesmo entre países capitalistas.Todavia para os neoliberais o que há é um credo, que se chama lucro acima de todas as coisas, e se for necessário que se venda o país ou a mãe.

Eis o modelo social que querem impor a todo o custo.Que dizer e que fazer a tal gente? Eis um ods principais argumentos para exigir um novo rumo."Mario Draghi e Vitor Constâncio lado a lado. Simbólico. E deprimente." Mais todos os ultramontanos neoliberais encartados e encastráveis aí no PSD e no PP

Como piada final registe-se o desabafo copiado dum discurso mal amanhado do passos sobre o "por em causa o modelo de protecção social europeu".
É forte. Mas por demais elucidativo do que falamos quando falamos com tais pessoas.
Tal atoarda todos os dia é desmentida, aqui também no Ladrões.
E para quem não tenha ouvidos pode-se pensar noutras causas para tal "surdez"

De