domingo, 17 de abril de 2016

Lembrar


“Há quem diga que o resultado foi objectivamente a pior traição perpetrada por uma força política europeia contemporânea, certamente na Europa. No entanto, a ideia de traição é desadequada como explicação, dado que tem uma coloração moralista e psicologizante pouco útil na análise política, sugerindo que as coisas se desenrolaram de acordo com um plano, o que não foi neste caso verdade.
(…)
Podemos chamar-lhe ingenuidade, mas tal também não é útil e por algumas das mesmas razões. Em vez de ingenuidade, talvez seja melhor falar de um quadro mental vigente numa esquerda que já tinha aceitado a sua posição subalterna. Uma ilustração: quando, por insistência dos credores, Tsakalotos substituiu Varoufakis foi-lhe perguntado (...) o que o tinha surpreendido mais como Ministro. Tsakalotos respondeu que se tinha preparado muito bem para a sua primeira visita a Bruxelas, tendo apresentado uma análise escrita muito elaborada, mas que tinha ficado desapontado pelo baixo nível do debate – “os outros Ministros das Finanças só recitavam regras e procedimentos”. Ele estava a viver num mundo Habermasiano de fantasia, pressupondo a vontade partilhada de encontrar um denominador comum, uma solução em que todos saíssem a ganhar (...) Faltou-lhes não apenas a percepção do antagonismo de classe, mas também o mais elementar realismo de que uma figura política necessita para sobreviver.
(…)
O único sector social onde o Syriza praticamente não registou perdas foi na academia – um efeito da estatização, da decomposição ideológica e da eurofilia louca que é parte do estatuto simbólico do professor universitário grego.
(...)
O objectivo é uma Grécia de trabalho barato e sem direitos sociais, com ruinas e praias. Uma mistura de Bulgária e Tunísia, com o regime político do Kosovo. Este é o futuro que o Syriza está a preparar.
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Tendo tomado decisões que os colocaram numa posição em que todo o seu quadro de valores tem de colapsar, acabam a fazer coisas que nenhum político burguês ou social-democrata de direita contemplaria (…) tornam-se niilistas (…) No contexto do niilismo político acontecem coisas extraordinárias (…) Schaüble exigiu cortes nas pensões e que os bancos ficassem com as casas, não exigiu subserviência a Netanyahu.
(…)
O paradoxo do caso grego é que, tendo terminado em desastre, por momentos deu-nos um vislumbre do que poderia ser uma alternativa. A sequência do referendo foi vital no relançamento de um projecto de radicalização popular. Mostrou-nos como combinar sucesso eleitoral e mobilização popular. Foi um acontecimento importante: a primeira vez em que um povo disse não de forma corajosa e significativa a um ultimato dos poderes europeus. Devemos permanecer fieis ao significado deste acontecimento e rejeitar a narrativa dominante, que nos quer convencer que isto nunca aconteceu.”

Excertos, por mim traduzidos, da longa entrevista que Stathis Kouvelakis, um dos grandes filósofos da desgraçada conjuntura, deu à New Left Review, uma publicação que assim permanece fiel à linha editorial reafirmada por Perry Anderson na viragem do milénio – “realismo sem compromissos; sem compromissos nos dois sentidos: recusa de qualquer acomodação com o sistema vigente e rejeição de qualquer ilusão ou eufemismo que subestime o seu poder”.

Eu bem sei que até seria preferível esquecer o desastre grego, até porque temos mais com que nos entreter na frente (inter)nacional, mas as ilusões europeístas e os seus eufemismos, misturados com desmemória, são ainda muito generalizados, garantindo assim novas derrotas.

2 comentários:

Anónimo disse...

A Europa cada vez mais transformada numa latrina...

Não bastava os reaccionários neoliberais agora temos a esquerda iludida e medíocre que nada faz para reverter esta deprimente situação que os reaccionários neoliberais criaram...

O espírito do Hitler e seus camaradas Mussolini, Franco, Salazar estão à espera para serem reencarnados por novos tiranos.

Anónimo disse...

Muito bom post.