terça-feira, 19 de abril de 2016

Micro Restruturações I

Repatriamento dos juros pagos por Portugal ao BCE

Em 2009, no âmbito das medidas extraordinárias de política monetária, o Banco Central Europeu (BCE) começou a fazer compras em mercado secundário de obrigações hipotecárias [1]. Quando a crise do sector financeiro começou a ter impacto sobre a situação dos estados soberanos, viu-se igualmente na obrigação de alargar o programa de recompra de dívida em mercado secundário também à dívida soberana. Em Maio de 2010 lançou o programa de compras de títulos de dívida em mercado secundário, o Security Market Programme (SMP), que esteve vigente até Setembro de 2012, altura em que o sr. Draghi anunciou o programa de transações monetárias definitivas, o Outright Monetary Transactions (OMT), que visa recomprar dívida pública com prazos de 1 a 3 anos dos estados-membros que tenham solicitado assistência financeira ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF) e ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (EMS), os veículos criados pela Comissão Europeia e pelo BCE para o fornecimento desse crédito multilateral [2].

No âmbito do SMP, o BCE comprou, em mercado secundário, 212 mil milhões de euros de dívida pública de Portugal, Grécia, Itália, Espanha e Irlanda, mais uma vez ajudando a banca alemã e francesa a livrar-se da dívida problemática da periferia que pesava nos seus balanços e ameaçava a sua falência.

Programa de compras em mercado secundário (SMP)
Fonte: BCE e cálculos da autora

No caso de Portugal, o BCE comprou cerca de 26 mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro (OT) com prazos de vencimento entre 2011 e 2021. Entre 2011 e 2015, Portugal já pagou em juros [3] ao BCE cerca de 4.5 mil milhões de euros, se incluirmos 2016 esse valor ultrapassa os 5 mil milhões de euros.

Dívida adquirida pelo BCE no âmbito do SMP e juros pagos por Portugal
Fonte: BCE, IGCP e cálculos da autora

De acordo com as regras vigentes, estes juros do SMP serão distribuídos sob a forma de lucros do BCE aos bancos centrais dos estados da zona euro de acordo com uma chave de repartição estabelecida a partir da quota de capital no BCE de cada um deles. Em consequência, os juros pagos por Portugal serão distribuídos de tal forma que, para o período 2011-2016 o nosso país será reembolsado em apenas 124 milhões de euros, enquanto, nomeadamente, a Alemanha obtém desses juros 1281 milhões de euros, a França 1009 milhões e Itália 876 milhões de euros. O próximo gráfico retrata bem a injustiça desta situação.

Juros pagos ao BCE no âmbito o SMP, 2011-2016
Fonte: BCE, IGCP e cálculos da autora

A 27 de Novembro de 2012, o Eurogrupo acordou, entre outras benesses [4], que a Grécia seria reembolsada do rendimento (juros e mais-valias) obtido pelo sistema de Bancos Centrais Nacionais, com excepção dos países sujeitos a assistência financeira, proveniente da dívida grega adquirida no âmbito do SMP a partir de 2013.

Ao contrário das decisões do Eurogrupo de Julho de 2011 e Março de 2013, que determinaram alargamento dos prazos de maturidade e a supressão das margens de intermediação do EFSF e do ESM, esta decisão não foi estendida a todos os países sujeitos a assistência financeira.

Em suma, considera-se inaceitável que o BCE não repatrie a Portugal os rendimentos (juros e mais-valias) das OT auferidos no âmbito do SMP. Para além de questões de solidariedade entre países com uma política monetária única que se viram obrigados a gerir individualmente a crise do sistema financeiro, pesam questões de coerência, já demonstrada nas decisões tomadas pelo Eurogrupo e Ecofin sobre o alargamento dos prazos e a supressão das margens de intermediação de 2011 e 2013.

O que foi decidido para a Grécia deve ser generalizado para todos os países da zona euro intervencionados. Os juros pagos por cada país (e as mais-valias que a aquisição dessa dívida proporcionou) não devem ser repartidos de forma desproporcional segundo a chave de capital do BCE, devendo antes ser solidariamente repatriados anualmente a cada um dos estados membros intervencionados. Numa altura em que é tão urgente estimular o crescimento económico e repor a sustentabilidade da dívida pública, Portugal poderia assim receber cerca de 5 mil milhões de euros que deveriam ser canalizados para investimento público e estímulo ao desenvolvimento económico. Lamenta-se que este não tenha sido um dos tópicos da conversa entre o Sr. Rebelo de Sousa e o Sr. Draghi


[1] Os covered bonds são títulos de dívida garantida emitidos pelos bancos em tudo idênticos à titularização de dívida, excepto pelo facto de por via dessa garantia os bancos serem obrigados a manterem uma parcela dessa dívida reflectida nos seus balanços.
[2] O SMP e o OMP diferenciam-se do actual programa EAPP (Expanded Asset Purchase Programme), composto pelo PSPP (Public Sector Purchase Programme), iniciado em Março de 2015, e pelos ABSPP (Asset-backed Securities Purchase Programme) e CBPP3 (o terceiro Covered Bonds Purchase Programme) iniciados no final de 2014, por não implicarem a injecção de liquidez característica da monetarização de dívida. Na verdade cada recompra de dívida em Mercado secundário foi totalmente esterilizada, isto é à injeção de liquidez correspondeu uma operação equivalente de absorção de liquidez.
[3] A estimativa de juros considera os valores de dívida amortizada que o BCE anuncia nas Weekly Financial Statements e uma estimativa que considera as regras anunciadas, especificamente que o BCE não iria comprar mais de 30% do montante vivo de cada linha, sendo que para o prazo mais longo, a OT 2021 se considerou uma recompra de apenas 25%.
[4] Outras das decisões acordadas para Grécia foi a concessão de um período de graça de 10 anos à linha de crédito que tem com o EFSF. Ainda que sujeita a uma agravação nas taxas de juro, esta medida permitiria reduzir, no imediato, a despesa orçamental em juros em cerca de €601.2 milhões/ano (assumindo uma taxa de juro de 2.2% aplicada sobre €27.3 mm).

7 comentários:

Anónimo disse...

Interessante, Eugénia, mas há uma certa ambiguidade no texto que faz toda a diferença. Quando o Eurogrupo decidiu que a Grécia seria reembolsada, a partir de 2013, dos lucros dos bancos centrais nacionais (à exceção daqueles dos países intervencionados) com a dívida grega adquirida pelo BCE, no âmbito do SMP, a medida dispunha para o futuro ou incluía os lucros obtidos em 2010-2012?

É que se for a primeira hipótese, uma medida análoga para Portugal, mesmo sem discutir a sua plausibilidade, não permitiria a recuperação dos cerca de 5 mil milhões de euros de juros entretanto pagos (incluindo já 2016).

Jose disse...

Isto de a dívida pública pagar juros é uma injustiça!
Verdade se diga que falar em dívida pública já de si é um contrassenso; se é pública é de nós todos, que somos como irmãos.

Unknown disse...

Escreva mais, que agradeçemos todos ter informação clara, perceptível e presumo que de confiança.

Anónimo disse...

A realidade politica, económica e social desde tempos remotos e´ a submissão compulsiva do fraco ao forte, ou seja, viver sob a égide da lei do mais forte.
E´ a era do esclavagismo pós-modernista e o exemplo esteve e esta´ a´ vista:
-A hegemonia germânica na Eurozona
-O domínio made in USA sobre o Banco Mundial
-O domínio do Tio Sam sobre a OMC
-O controle Financeiro da Wall Street, City e Hong-Kong
Ao integrarem o país na União Europeia, perdemos Autonomia em todos os sectores da vida portuguesa
Por isso acho graça aos esforços despendidos para demonstrar por A mais B a verdade da mentira em que vivemos … de Adelino Silva

Anónimo disse...

A palhaçada com pseudo-humor de velho usurário ressabiado pelas 17 e 03 não paga impostos.

Mas confessemos que é uma boa amostra da sua incapacidade intelectual e argumentativa.

Anónimo disse...

A propósito dum comentário disparatado a raiar a provocação indigente é preciso dizer que aqui não é o lugar apropriado para esta apologia triste dos mantras religiosos das igrejas fundamentalistas, que pregam a irmandade de quem explora e de quem é explorado. Isso é asnice religiosa para manter o status quo , como bem o demonstra aliás quem defende os offshores. (Esta cumplicidade óbvia com a nata da máfia não é de todo um contra-senso).

Considerar Salazar como irmão de Humberto Delgado é o mesmo que dizer que o mandante do crime é irmão do segundo, o que é, de per si, um soberano crime.

Anónimo disse...

cagalhão zé

eu não sou teu irmão