sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Neoliberalismo em Portugal (II)

Neste blogue já por várias vezes denunciámos e procurámos explicações para o maior problema do nosso país: as gritantes desigualdades de rendimentos e de riqueza que não param de se aprofundar (ver aqui e aqui, por exemplo). Algumas coisas (estruturais e conjunturais) são claras: (1) o salário mínimo em Portugal perdeu 8,2% do seu poder de compra entre 1975 e 2005 (cálculos de Eugénio Rosa), sendo em 2006 inferior a 50% do salário médio (60% em 1990); (2) de acordo com Fernando Marques (num excelente artigo sobre esta questão publicado no número de Abril do Mdiplo), um quarto dos trabalhadores vive com um salário muito próximo do salário mínimo; (3) temos um tecido económico excessivamente concentrado em sectores de reduzido valor acrescentado e que é hoje muito vulnerável à concorrência internacional; (4) o aumento da precariedade e do desemprego reforçam o poder dos patrões para fixar os termos (também salariais) das relações laborais; (5) a fuga e evasão fiscais que contribuem para a injustiça fiscal são quase monopólio dos profissionais liberais que auferem rendimentos em média mais elevados; (6) os impostos indirectos são cada vez mais importantes; (7) os mecanismos de redistribuição são frágeis (ainda segundo Eugénio Rosa, as transferências sociais correspondem a 57% da média da UE enquanto que o nosso rendimento por habitante corresponde a cerca de 73%); (8) as transformações no capitalismo a nível nacional e internacional traduziram-se num aumento do poder dos detentores do capital das empresas e dos gestores de topo que a eles estão intimamente ligados que têm uma capacidade acrescida de captura do valor acrescentado criado pelas empresas; (9) investe-se pouco na formação e no aumento das qualificações dos trabalhadores; (10) enfim, o aumento do alcance e da escala das forças de mercado no último decénio e a inexistência de uma política económica digna desse nome traduziram-se inevitavelmente num aumento da polarização social.

Se a isto, acrescentarmos a hegemonia do discurso liberal que monopoliza o debate público sobre políticas e a fragilidade de uma tradição genuinamente social-democrata que leve a cabo uma agenda reformista forte (vejam-se as opções do actual governo), temos o caldo de cultura que permitiu alcançar o propósito das políticas neoliberais: reforçar o poder das classes dominantes (ainda para mais tão medíocres, empresarialmente falando).

Nota: O gráfico foi retirado do resistir.info

1 comentário:

juribaldo_farinha disse...

O salário mínimo serve como um "chão" para as desigualdades: se usarmos a base de "quadros de pessoal" do ministério do trabalho verificamos que desde 1985 o salário mínimo corresponde sensivelmente ao percentil 10 (ou um pouco acima deste), ou seja, grosso modo, 10% dos trabalhadores presentes nesta base de dados (que caminha para a universalidade, com vários mihões de trabalhadores em cada ano, neste momento terá uns 4 milhões) auferem o salário mínimo.
Não li o artigo referido, mas essa perda de poder de compra é igual a perdas reais no salário mínimo? É que pelo menos desde 1985 o salário mínimo (existiam 3 categorias, serviço doméstico, agricultura e restantes actividades, refiro-me a este último) tem sofrido aumentos acima da inflação, é fácil comprová-lo: compare-se os valores do salário mínimo (http://www.dgert.msst.gov.pt/Trabalho/rendimentos/evolucao_smn.htm), com os valores da inflação (séries anuais de várias proveniências, como por exemplo Banco Mundial na sua publicação world development indicators). Não discuto que os aumentos (reais, porque não há como comparar os nominais, uma vez que na década de 70 as taxas de inflação passeavam não raras vezes acima dos 20 %)possam ter sido maiores em 1975 do que em 2004, mas salvo raros anos eles têm sido sempre isso mesmo, reais.
Uma coisa é certa, as desigualdades têm vindo a aumentar, desde 1985, que o rácio 90-10 (10% trabalhadores mais ricos vs 10% trabalhadores mais pobres) tem tido aumento real anual um pouco abaixo dos 2%. Isto antes de impostos e do efeito redistribuidor dos mesmos. É importante é discutir o porquê, e investigadores portugueses já o fazem.