segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Utopia de mercado

Depois deste meu comentário à subida dos preços dos medicamentos de venda livre, a direita intransigente resolveu reagir. Ainda bem. Vou procurar responder. Em primeiro lugar, eu estava a referir-me aos medicamentos de venda livre pelo que argumentar que o Estado fixa o preço da maioria dos medicamentos (o que é verdade e ainda bem) é responder ao lado. Em segundo lugar, não me parece que seja verdade (onde está a evidência empírica?) que a indústria farmacêutica tente compensar uma menor rentabilidade no sector tablado, com aumentos dos preços no sector liberalizado. A rentabilidade no primeiro sector é mais do que satisfatória. Mas se isto fosse verdade apenas confirmaria o meu argumento de que a indústria detém poder mercado que lhe permite fixar os preços. Em terceiro lugar, não creio que se possa defender seriamente que a venda livre generalizada poderia, por si só, reduzir o preço dos medicamentos. Este argumento talvez exija alguma elaboração.

Um dos problemas da nossa direita liberal, quando fala de mercado, é que parece ter em mente a chamada ficção da concorrência perfeita em que os consumidores omniscientes conhecem perfeitamente o produto homogéneo que estão a adquirir e em que existem uma miriade de empresas que tomam o preço como um dado (tomadoras de preço), ou seja, que não têm poder de mercado. Uma breve incursão pelo «mercado» do medicamento basta para ver como isto não é e não pode ser assim. O mito da soberania do consumidor não serve aqui e ainda bem. A maioria das decisões de consumo de medicamentos é o resultado de uma decisão médica baseada idealmente numa avaliação científica do estado do paciente e num tratamento que implica o consumo de medicamentos. O acesso à maioria dos medicamentos requer a famosa receita médica. Ele é portanto condicionado. Este condicionamento está relacionado com um entendimento social e político partilhado (que pode ser contestado). O problema não desapareceria, no entanto, se se eliminasse esta sensata exigência. Os «consumidores» ficariam apenas mais vulneráveis. Só no reino da fantasia é que se pode achar que, dada a ignorância inevitável da esmagadora maioria dos consumidores em relação ao medicamento que estão a comprar e dada a assimetria de informação entre quem vende e quem compra (que entre outros factores confere um certo grau de poder a quem vende), se pode falar de um preço formado pelas decisões voluntárias e informadas dos consumidores. É evidente que tudo isto é uma questão de grau. Mas também é evidente que no reino da fantasia mercantil em que habitam tantos liberais não há lugar para estas impurezas. E depois existe a estrutura da indústria que inevitavelmente produz monopólios ou oligopólios. Para além das patentes, temos estruturas com custos fixos muito elevados, pesados investimentos em investigação e tecnologia, etc. Tudo isto contribui para fortes tendências para a concentração aproveitando os rendimentos crescentes à escala neste sector. Isto confere às empresas alguma autonomia relativa para fixar preços (custos mais taxa de lucro) por forma a assegurarem a rentabilidade dos investimentos. Liberalizar os preços conduziria apenas ao desaparecimento de um contra-poder político. Frágil e que não disciplina as empresas o suficiente é certo, mas ainda assim um contra-poder necessário.

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