quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O direito a fazer a casa que se quer?

O passado nada exemplar de José Sócrates serve, pelo menos, para analisar as posições da direita intransigente numa matéria que lhe deveria ser cara: a propriedade. Helena Matos (Público de ontem, sem link) tem pelo menos o mérito de ser clara lá para o fim do seu artigo: cada um deve poder fazer «a casa que quer». A ideologia do ‘individualismo possessivo’ é assim mesmo. Sem contemplações. Outros, mais sensatos, perceberão que não faz sentido falar de propriedade, como se esta fosse uma coisa, mas sim de direitos de propriedade (assim no plural), ou seja, de «feixes de direitos e obrigações» que definem os interesses e os valores que o Estado decide proteger em cada momento (a ideia é de Warren Samuels, importante economista institucionalista). O direito a usufruir de espaços decentes, de um território ordenado e sustentável, com património ambiental e cultural tanto quanto possível preservado deveria ir moldando a afectação dos direitos e obrigações. Afinal de contas vivemos em sociedade e limitar a ‘liberdade’ de um ‘proprietário’ pode permitir aumentar a liberdade de outros que o podem ser ou não ser. Assim, dizer que os projectos assinados por Sócrates são um «crime ambiental» ou uma «obscenidade arquitectónica» é já meio caminho andado para reconhecer que hoje pagamos um preço demasiado elevado pelo domínio da ideologia egoísta do ‘direito a fazer a casa que se quer’. Ideologia que blogues como o blasfémias e o insurgente continuam a promover de forma tão activa quanto contraditória. Os chamados projectos de interesse nacional são a continuação deste desastre por outros meios e com outros recursos. É o direito a construir o hotel ou o campo de golfe «que se quer».

5 comentários:

NC disse...

Um post «na mouche», devo confessar

Zé Bonito disse...

Completamente de acordo, parecendo-me que se devem acrescentar outros temas de reflexão:
- não serão aqueles projectos exemplos da limitação da função fiscalizadora das instituições?
- será indiferente a descaracterização da paisagem assim promovida e que não se limita às fronteiras do quintal do proprietário do mamarracho?
- quantos daqueles proprietários não lamentam hoje (devido a problemas que de certeza surgiram)terem recorrido a uma aparente facilidade?

Anónimo disse...

Pergunta: deve o Estado impor um gosto? A quem compete decidir o que é feio e o que é bonito?

L. Rodrigues disse...

Anónimo, e se em vez do Estado for uma comissão de moradores, serve?

Se for condómino, acha bem que o seu vizinho do 3º esquerdo pinte o exterior do andar dele de uma cor diferente do resto, à revelia do que pensa o resto dos condóminos (para não falar dos vizinhos da frente, porventura os mais agredidos mas sem direitos sobre o assunto)?

A questão é a mesma, acho.

Zé Bonito disse...

"deve o Estado impor um gosto? "

Não. Nem deve permitir que outros imponham os seus gostos no domínio público. Esse é o problema. Todas as construções se desenvolvem num domínio privado e noutro público (paisagem), a menos que estejam enterradas.