quarta-feira, 2 de julho de 2008

A filosofia económica espontânea do bloco neoliberal

«Numa sociedade democrática, um contrato entre dois agentes é celebrado de acordo com a vontade de ambos e nunca com a imposição do que outros consideram ser o bem comum». Quem escreveu este lugar-comum para apoiar o fim dos acordos colectivos de trabalho, uma instituição, que, como mostra a experiência dos países escandinavos, é central para qualquer Estado Social digno desse nome? João Miranda do Blasfémias? André Azevedo Alves do Insurgente? Errado. Tiago Barbosa Ribeiro, destacado blogger do PS. Vejam também esta pérola sobre os novos esforços em curso para esvaziar os contra-poderes laborais nos locais de trabalho. Assim se mostra como também os jovens intelectuais orgânicos do «socialismo» dito «moderno e liberal» estão a caminho da direita intransigente e das suas habituais amálgamas entre liberdade individual (que nunca se dão ao trabalho de definir) e relações contratuais de mercado que são voluntárias e livres por sua alta definição.

É preciso não esquecer que o facto de um individuo ter escolhido um determinado curso de acção não significa que essa escolha tenha envolvido a sua aceitação da estrutura económica que determinou as opções que lhe estão disponíveis. A natureza voluntária das transacções em qualquer «mercado» não pode ser um pressuposto da análise. É assim preciso ter atenção ao contexto em que os agentes, individuais e colectivos, transaccionam e aos seus graus diferenciados de autonomia e de poder, que radicam nos recursos que controlam e na sua capacidade assimétrica para impor custos e captar benefícios (no romance de mercado, a empresa capitalista é tratada como se fosse um indivíduo, os únicos agentes colectivos são os sindicatos…).

Os truques neoliberais, que em alguns meios passam por filosofia e economia política de esquerda, merecem alguns comentários adicionais: (1) qualquer contrato pressupõe um enquadramento legal que é sempre o resultado de uma decisão política prévia, ancorada numa qualquer concepção do bem comum; (2) o mundo do trabalho na empresa, lugar de todas as subordinações e explorações potenciais, diz respeito a toda a comunidade, entre outras razões, porque aquilo que os indivíduos vão ser e fazer nas outras esferas da vida e a natureza do laço social dependem muito do que ali se passa; (3) as sociedades escandinavas, que conseguiram combinar competitividade económica, maior igualdade nas oportunidades e nos resultados e expansão das liberdades efectivamente gozadas por uma imensa maioria, fazem amplo uso dos acordos colectivos centralizados que fixam salários ou estruturam percursos e carreiras; (4) a liberdade também depende dos recursos e do poder de cada um e uma sociedade democrática digna desse nome deve bloquear colectivamente o exercício de, pelo menos, certas formas de poder económico patronal que alimentam todos os despotismos silenciosos e aprofundam todas as assimetrias nas relações sociais de produção e na repartição dos seus resultados; (5) aliás, a mal chamada esquerda liberal (esta última palavra presta-se a todos os equívocos), pelo menos desde John Stuart Mill, viu a relação laboral capitalista como uma ameaça potencial aos valores da autonomia e da dignidade individuais, tendo proposto várias soluções, incluindo a democratização e o controlo das empresas pelos próprios trabalhadores; (6) hoje, a terceira via limita-se a reforçar uma representação fortemente enraizada que funda a separação artificial entre a esfera política e pública - a dos direitos de cidadania - e a esfera económica supostamente «privada» e despolitizada - a das relações contratuais entre indivíduos que são autónomos por definição; (7) a esquerda lutou sempre pela superação desta ficção, através da extensão da lógica dos direitos políticos democráticos à economia em geral e ao mundo do trabalho em particular e quando abandonar este objectivo terá perdido toda a sua razão de ser.

Nota. Roubei o gráfico ao Hugo Mendes do Pensamento do meio-dia.

2 comentários:

Pedro Sá disse...

Eu que sempre sou crismado de neoliberal neste blog, e que tal como o TBR sou militante do PS, discordo em absoluto dessa proposta.

Fora da contratação colectiva há coisas completamente impossíveis de alcançar. Aliás, os sindicatos portugueses são burros que nem uma porta em não quererem que a função pública de regime estatutária passe toda para contrato individual de trabalho...só o poder que ganhavam com isso...e os trabalhadores ganhariam certamente regalias !

Anónimo disse...

O TBR tem toda a razão... as convenções caducas só prejudicam os trabalhadores. Uma esquerda moderna deve ter preocupações social-democratas, não deve ser estatista.