quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O discurso do combate às corporações - II


(Continuação do texto iniciado aqui)

O discurso do combate às corporações assume que a sociedade é dominada por grupos de interesses particulares que disputam os recursos do país, e ao mesmo tempo vê cada grupo como uma soma de indivíduos, todos procurando obter benefícios pessoais dando o menos possível ao grupo. Em linha com o pensamento neoliberal e o seu individualismo metodológico, aquele discurso ignora a natureza intrinsecamente relacional do ser humano tomando as pessoas como átomos sociais. Trata-se de uma visão redutora da realidade social uma vez que descarta a existência de classes e sistemas sociais dotados de causalidades irredutíveis à acção dos seus membros. De acordo com esta lógica, percebe-se que o voluntarismo reformador do governo dê uma atenção especial ao controlo dos comportamentos individuais através de múltiplos procedimentos burocráticos (descritores, indicadores, fichas, etc.). No fim de contas, ignora que a mudança das organizações se tece nos locais de trabalho a partir da reconstrução das relações entre pessoas e redes de pessoas em torno de uma visão partilhada sobre o sentido das respectivas tarefas. Como disse um autor da gestão empresarial, “nas transformações falhadas encontramos frequentemente muitos planos, directivas e programas, mas nenhuma visão.” (continua amanhã)

2 comentários:

Porfirio Silva disse...

Em minha opinião este post, bem como o anterior sobre o mesmo tema, faz uma série de associações apressadas, e ilegítimas, entre o que chama “discurso do combate às corporações” e certas posições sobre sociedade. Não vale a pena tentar meter os inimigos, tanto os de fundo como os de ocasião, todos no mesmo saco e agitar…

Escreve: «O discurso do combate às corporações assume que a racionalidade humana é predominantemente egoísta, um pressuposto essencial ao pensamento neoliberal.» Discordo: o mecanismo corporativo até é cooperativo, mas de vistas curtas. Pela minha parte, o combate ao corporativismo é um combate contra um egoísmo de grupo. O combate ao corporativismo é o combate contra a captura de um “aparelho do Estado” por um grupo, qualquer que ele seja, mesmo que seja um grupo profissional nele inserido. É preciso “visão”, como sugere no fim do segundo post. Concordo. Mas é preciso que as visões não sejam particularistas. É preciso visões solidárias não apenas dentro de um “aparelho”, dentro de um “grupo profissional”, mas visões de sociedade. O corporativismo só tem uma visão: fazer sobreviver a corporação.

Escreve que o discurso do combate às corporações «concebe a gestão sobretudo como uso de mecanismos de controlo hierárquico». Não vejo nenhum fundamento nessa afirmação. A gestão pode ser democrática, participada, pode ser “controlo de gestão”, … o que quisermos. Mas a gestão não é boa só por ser democrática. Por estranho que pareça, no debate actual até há “corporações” que defendem avaliação externa. E isso aconselha: seria desejável que evitássemos aplicações apressadas de conceitos mais subtis e mais complexos, se não queremos transformar tudo em querelas de política imediata e esgotar os nossos recursos conceptuais aí, quando eles fazem tanta falta para guerras mais globais.

Escreve que o tal discurso do combate às corporações «desvaloriza a generosidade dos actores e a sua capacidade para cooperar na concretização de um projecto de interesse comum.» Não vejo porquê. Mas seria interessante definir “interesse comum”. “Comum”, de quem? De um grupo profissional? De um “aparelho”? Dos membros de uma dada organização? Ou de toda a sociedade? Só da presente geração ou das futuras?

É muito certo que, como escreve, «a escolha de um modelo de avaliação não é uma escolha técnica». É uma escolha política. Por exemplo, pode ser um golpe corporativo: pode ser um grupo a dizer “aqui manda quem cá está, não se metam connosco”.

Escreve: «O discurso do combate às corporações assume que a sociedade é dominada por grupos de interesses particulares que disputam os recursos do país». A pura verdade é que há uma disputa pelos recursos do país. Se os interesses que os disputam são ou não são legítimos, é outra questão. Mas observo maravilhado essa ideia de que afinal vivemos numa sociedade onde não há interesses e muito menos interesses contraditórios, e muitos menos interesses a tentar lançar mão dos recursos do país. Essa parece ser a tese subjacente ao que escreve. Acho essa tese demasiado angelical. As coisas tornaram-se mais complexas porque não são só os “capitalistas” que podem tomar o controlo de certos bens comuns de forma ilegítima. E, a meu ver, devemos estar sempre dispostos a renovar uma análise concreta acerca de se e quais grupos fazem isso.

Já agora, o “estado corporativo” que Portugal supostamente já foi, também lhe merece simpatia? Desculpe a pergunta, mas é que tantos recursos a defender em abstracto os que atacam o corporativismo, parece-me estranho…

Porfirio Silva disse...

Já agora, em complemento do que escrevi antes, sugiro privatizar a escola pública, o fruto está quase maduro .