terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A tragédia do ‘free-riding’ em plena crise europeia

O problema do ‘free-riding’ é uma noção básica da ciência económica. Num exemplo clássico, embora todos os contribuintes beneficiem dos bens públicos providenciados pelo Estado (educação, ciência, saúde, infra-estruturas várias, segurança, etc.), há sempre quem procure fugir aos impostos, contando que outros paguem por eles os bens de que todos usufruem. Se todos procurassem (e conseguissem) fugir aos impostos, o resultado seria óbvio: os bens públicos não poderiam ser financiados e todos ficariam a perder. Algo equivalente ameaça agora a economia europeia.

Em plena crise económica, dada a incerteza sobre o futuro, os agentes privados tendem a adiar as suas decisões de investimento e consumo, o que reduz a procura agregada na economia. Mas menos procura significa também menos produção, o que acarreta menos emprego, menos salários e menos lucros. Isto deprime ainda mais a procura agregada, envolvendo as economias numa espiral recessiva, com custos económicos e sociais graves. Diz o mais elementar bom senso que, em contextos como este, o Estado deve tomar a iniciativa, estimulando a procura agregada através do investimento público e das despesas correntes. Por outras palavras, os governos europeus deveriam estar já a prevenir a espiral descendente que se anuncia, pondo em acção um vasto programa de investimento e consumo públicos.

Acontece que algumas economias europeias foram apanhadas pela crise com desequilíbrios macroeconómicos significativos, nomeadamente com dívidas externas avultadas. Aumentar as despesas públicas nestas condições incorre no risco de deteriorar ainda mais a dívida externa (e.g., parte dos investimentos públicos implicam a aquisição de bens e serviços ao exterior, o que prejudica a balança comercial). Para estes países a tentação do ‘free-riding’ é demasiado grande. A lógica que tendem a adoptar é: deixemos os outros governos aumentar os seus défices, que as nossas exportações beneficiarão com isso (melhorando o défice externo), sem termos de aumentar a nossa dívida pública.

O problema, tal como no caso de manual descrito acima, é que se muitos governos adoptarem essa atitude, o nível de procura agregada no conjunto da UE poderá ser insuficiente para evitar uma crise prolongada. Pior ainda, apercebendo-se das tentações de ‘free-rinding’, alguns dos países que poderiam neste momento dar um maior contributo para a retoma, sem riscos para o seu equilíbrio macroeconómico (como é o caso da Alemanha), recusam-se a desempenhar o papel de perdulários num clube de egoístas. O resultado é que a crise se generaliza, o investimento escasseia, o consumo também, caem as exportações em todo o lado e, com isto, aumenta o desemprego, deterioram-se ainda mais as contas públicas e prolonga-se a recessão.

As notícias que vão chegando a este propósito não são boas. Nem mesmo o modesto plano de recuperação económica da Comissão Europeia parece receber o apoio dos principais governos da UE. A solução para este tipo de problema só poderia ser um: atribuir às instituições europeias a possibildade de envividamento e de gestão supranacional da crise, tendo em conta as diferentes situações nacionais e tirando partido de todos os instrumentos de política económica que um Estado soberano deve ter (emissão de obrigações europeias, transferências automáticas de natureza anti-cíclica, controlo política das políticas monetária e cambial, etc.). Mas tudo isto está vedado pelos Tratados - tanto no que está em vigor como naquele que insistem em querer aprovar contra a vontade dos irlandeses (e sem consultar a esmagadora maioria dos europeus).

Quem nesta fase ainda não percebeu a embrulhada em que a UE se meteu ao adoptar a arquitectura de gestão macroeconómica saída de Maastricht já não pode ser apelidado de neoliberal. Crédulo irredutível, é o adjectivo mais apropriado.

1 comentário:

Pedro Sá disse...

Claro que está vetado. Isso seria 90% do caminho andado para a perda de independência dos Estados-membros, coisa que quase ninguém aceitaria.