domingo, 18 de janeiro de 2009

A ignorância em todo o seu esplendor - I

Luís Aguiar-Conraria (L A-C) aproveitou a resposta à questão colocada por José Medeiros Ferreira (Ainda se ensina o mesmo nas universidades sobre economia, finanças e gestão do que antes da crise?) para nos oferecer um bom exemplo do “rigor científico” hoje dominante nas nossas escolas de Economia. Começa por dizer que a “análise económica convencional” inclui gente de diferentes quadrantes políticos, obviamente “deixando de parte comunistas e afins um pouco mais folclóricos”.

Ora isto não passa de conversa de café, e de baixo nível, porque mistura desleixadamente dois domínios distintos: o das teorias económicas e o das ideologias. Claro que há articulações entre os dois, mas a forma como L A-C começa o seu texto é suficiente para nos dizer que o assunto lhe escapa.

Vejamos. Enquanto economista, o meu trabalho de investigação integra-se na corrente institucionalista, o que inclui Marx, Veblen, Commons, Polanyi, Keynes, Minsky, Galbraith, Myrdal, Hirschman, todo o institucionalismo contemporâneo não-‘mainstream’ (Hodgson, etc), evolucionistas Schumpeterianos (R. Nelson, etc), pós-Keynesianos (não confundir com novos-Keynesianos) e contributos da “escola da regulação”.

Ora, invocar uma filiação teórica nesta ampla corrente do pensamento económico, com inegáveis pergaminhos académicos e a atravessar um momento de grande rejuvenescimento, não chega para tirar conclusões sobre as minhas opções político-ideológicas. De facto, não sou comunista nem um “afim um pouco mais folclórico”. Talvez seja um “radical de esquerda”, como diz L A-C, mas no exacto sentido de que gosto de discutir a dinâmica do capitalismo indo à raiz das questões.

Quem ler este excelente artigo de Ha-Joon Chang fica a perceber melhor como alguns modelos da teoria neoclássica foram combinados com contributos de Hayek (em grande medida antagónico dos neoclássicos) e com valores do individualismo libertário para, ao longo de muitos anos e em condições sociais particulares, permitir a emergência da ideologia neoliberal. Também fica a perceber melhor como a teoria económica do bem-estar e das “falhas de mercado” não é uma teoria sólida para os que queiram bater-se contra o neoliberalismo na luta política.

Lamento ter de o dizer, mas L A-C deve ter mais cuidado com o que escreve. Como professor, fica muito mal na fotografia da nossa academia. Devia evitar expor na praça pública tanta ignorância sobre o que hoje não é ‘mainstream’ e sobre as relações entre teorias económicas, ideologias e luta política.

NB: para os que insistem em dizer que ‘neoliberalismo’ é apenas um chavão do esquerdismo radical, recomendo este texto escrito por um académico que sabe do que fala.

2 comentários:

CS disse...

Caro Jorge Bateira,

O problema dos iniciados em qualquer arte é que se tornam os seus mais fervorosos defensores. Com muitos economistas académicos, como o Jorge, eu ou o Luís Aguiar, há uma cartilha de ensinamentos que não escolhemos. O que nos distingue depois é a capacidade de reflectir sobre os conceitos e os métodos. E perceber a validade ou não de algumas opções.
Infelizmente, o Luís, que conheço há muitos anos e que é uma pessoa inteligente, está a seguir um caminho que supõe traçado: para publicar no mainstream é preciso ser do mainstream. Quando gente como o Mairesse já chegou a American Economic Review.
Devo contudo dizer-lhe que ao revelar-lhe quem sou preparo-me para que os meus amigos ladrões me atirem tão fora do barco, como o Luís, ou os angustiados pseudo austríacos de outros blogues. Sou um econometrista. E se concordei com tudo o que tenho visto escrito aqui a respeito da teoria, tive pena de há uns tempos um post ter surjido em que a economia dita não ortodoxa repudiava também a econometria, como se fossemos serventes dos neoclássicos. Desafio-o a dizer-me se discorda, se me permite a ousadia. É que sabe, o debate de métodos também existe na econometria. E eu aprendi com um homem, o David Hendry, que levou a vida obcecado com questões metodológicas. Uma vez disse-me que o fazíamos era Econometria de Esquerda. Porque a econometria também tem opções ideológicas subjacentes. Faz fé em mim nisso? O que se disse na fundação da Econometric Society, misturando a Economia Matemática e a Econometria foi um disparate. E por isso aqui há tempos o mesmo Luís acusava o meu trabalho de não se identificar com a Econometria que ele usa como praticante. Pois não. O mainstream da teoria económica não usa econometria à la Hendry, ou GETS. O Milton Fridman até cortou relações com o David por que ele acusou os resultados econométricos que suportam o monetarismo, em Friedman e Schwartz, de serem manipulados num certo sentido.
Gostava de me alongar mais. Mas regressarei mais logo. Para já queria só deixar essa precisão: não atirem os econometristas para o barco da ortodoxia. Alguns de nós não têm nada a ver com aqueles meros exercícios confirmatórios. E por isso nem queremos estar no barco deles.
Saudações académicas,
Carlos Santos

Anónimo disse...

Ronald Bailey (Julho de 2008): "Intelligent design is to evolutionary biology what socialism is to free-market economics."

LA-C (Jan.2009): "O socialismo está para a sociedade liberal como o criacionismo está para o evolucionismo."

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