domingo, 12 de abril de 2009

No supermercado das ideias

Em plena crise do modelo de desenvolvimento neoliberal, António Barreto (AB), inspirado pelo banqueiro Fernando Ulrich, vem propor no Público de hoje uma «medida de excepção» para acentuar o desemprego, a crise e as desigualdades salariais: a liberalização temporária dos despedimentos. Eu não ligaria muito a estas previsíveis opiniões das nossas desgraçadas «elites», mas como AB está agora sentado em muitos milhões de euros, generosidade do sítio do costume, é melhor que tomemos nota. Alexandre Soares dos Santos já mostrou que não brinca em serviço e criou uma espécie de supermercado das ideias que servirá como tecnologia de persuasão para difundir estas coisas num tempo que a sua fragilidade intelectual está à vista. O dinheiro pode muito mesmo quando as razões escasseiam.

Estas coisas são defendidas perante uma crise de procura sem precedentes, perante a interacção perversa entre o sobreendividamento e a deflação, quando até economistas convencionais reconhecem que um forte impulso público, coordenado à escala europeia e mundial, um recorte de direitos e obrigações que proteja mais os trabalhadores e um Estado social robusto são a única coisa que pode prevenir um desastre absoluto. Como defendeu recentemente o economista Paul De Grauwe, que assessora o cherne, a maior dificuldade em despedir ou em contrair os salários, o acesso a subsídios de desemprego mais generosos, que evitam cortes tão intensos na procura, a maior viscosidade dos preços, que bloqueia, pelo menos parcialmente, espirais descendentes geradoras de falência e de aumentos de desemprego, ajudam a estabilizar as economias. O aumento do investimento e da despesa dos Estados, keynesianismo ecológico e social, é uma condição necessária para superar a crise. Não há alternativa. Depois é preciso encetar um processo de reformas estruturais igualitárias que alterem a face do sistema socioeconómico e que revertam décadas de utopias de mercado.

Enfim, nada disto interessa a AB. Como não lhe interessa que a maior precariedade desincentive o investimento no aumento das qualificações por parte de trabalhadores e de patrões. Não lhe interessa que um dos efeitos mais salientes da desregulamentação unilateral das relações laborais seja o aumento das desigualdades que, como mostra a experiência de vários países, é prejudicial à criação de emprego. Não lhe interessa que a precariedade e a contracção permanente dos salários que lhe está associada reduzam os incentivos à modernização e à inovação empresariais.

A AB não interessa ainda que a UE, que, com as políticas keynesianas adequadas, poderia ser parte da solução para crise, esteja antes trancada num jogo concorrencial perverso em que o que parece racional para cada país individualmente considerado – promover as suas exportações por via da compressão dos custos relativos do trabalho e seduzir o capital por via fiscal – gera um resultado global irracional sob a forma de um mercado interno desequilibrado e contraído por um défice permanente de procura salarial. Não lhe interessa que este jogo seja hoje um dos grandes responsáveis pelo desemprego europeu que a crise vai acentuar. Não lhe interessa que a actual configuração da globalização tenha acentuado este problema. A realidade não lhe interessa para nada. Ao director do supermercado das ideias apenas interessa ver na crise uma oportunidade para reforçar as elites dos sítios do costume. Excepcionalmente, claro.

4 comentários:

CS disse...

João,

Agradeço mais uma vez a gentileza do teu comentário que me referencia. Escrevo contudo para denunciar o que tem passado um pouco ao lado dos media, apesar de todos sabermos que eles existem. Mas a documentação que reuni aqui http://tinyurl.com/c33zbm faz-me pensar na existência de facto de um partido fascista em Portugal. E se for o caso, eu julgo que é dever da sociedade, particularmente da esquerda levar isto novamente ao TC e ao PR. Deixo à tua análise. Um abraço,
Carlos Santos

Carlos disse...

O keynesianismo é um mito. Os unicos recursos do Estado são aqueles que tira do sector privado. O que se limita a fazer é afectar os mesmos recursos de uma maneira distinta da do mercado, o que por norma é menos eficiente. Numa altura de escassez de capital e poupanças, despesismo estatal é um fardo que não se pode suportar. o que reduz escassez de bens e melhora o nível de vida das populações é a produção de bens e serviços de forma eficiente. Aumentar artificialmente a procura arredada não resolverá os problemas, para além de que essa não é a causa dos problemas actuais.

Vítor Jesus disse...

Viva,

A discussão nacional sobre o caracter da legislação laboral está ainda por fazer. Espero estar a contribuir para ela com este comentário ao seu post:

http://small-brother.blogspot.com/2009/04/argumentos-contra-liberalizacao-do.html

JVC disse...

Muito bem. O supermercado de AB desde há muitos anos que está muito mal fornecido. Deixei uma chamada de atenção para este "post" no meu sítio Inquietude Permanente.