quinta-feira, 9 de julho de 2009

Os números são mais complexos do que parecem...

Hoje, segundo o INE, soubemos que o défice comercial português diminuiu quase 2 mil milhões de euros entre Fevereiro e Abril. Como aqui assinala Pedro Lains, esta poupança nacional equivale quase a um terço do custo do TGV. A preocupação nacional com o endividamento externo, decretada por Cavaco Silva, e seguida pelo manifesto dos 28 não parece, de todo, ser a prioridade da política económica nacional. As prioridades devem ser outras.

No entanto, quererão estes números dizer que a economia portuguesa se tornou mais resiliente a crises internacionais e mais competitiva? Não me parece. Se olharmos para os números do INE verificamos que o grosso da poupança 1,2 mil milhões vem do menor consumo e, sobretudo, da abrupta descida do preço do petróleo durante o último ano. Esta descida é sobretudo o resultado de factores conjunturais, e não estruturais, da nossa economia.

Ainda assim fico uma dúvida. Países com uma dependência energética similar à nossa, como a Espanha ou a Alemanha, sofrem agora aumentos do défice comercial brutais. Qual a diferença? Desconfio que países, como Portugal, com uma estrutura produtiva mais débil, onde as exportações de bens de consumo (ex. têxteis) têm um maior peso na balança comercial do que os bens de equipamento (ex. maquinaria da indústria têxtil), não sejam tão afectados no curto prazo, já que as quebras no investimento são muito maiores do que as quebras no consumo – em Portugal temos uma quebra esperada do investimento de 10% contra um contracção de 3,7% do PIB. Assim se explica que sejam países como a Alemanha os mais afectados pela crise. No entanto, tal não significa que a nossa estrutura produtiva seja mais desejável do que a Alemã. Muito pelo contrário...

A moral desta história é que devemos ter bastante cuidado quando usamos estes dados agregados. Há que perceber o seu real significado. Isto tanto vale para quem o usa o volátil défice externo como constrangimento inultrapassável para o investimento, como para quem percebe a actual redução deste como traduzindo robustez da economia portuguesa.

Correcção: Como o leitor Justiniano assinalou nos comentários, a Alemanha não sofre de nenhum défice comercial e a Espanha tem assistido a uma redução do seu. Peço desculpas pelo lapso.

6 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Em 2008, de Fev a Abr, o défice da balança comercial foi de 5831,7 milhões de euros. No mesmo período de 2009, continuamos com um défice, só que agora foi de "apenas" 3940,6 milhões de euros. Com isto falamos de "poupança" e achamos que já não temos que nos preocupar com o endividamento?

Luís disse...

o efeito de diminuição do défice da BTC é de esperar em face da conjuntura e da retracção dos mecanismos que o sustentavam - crétdito bancário que por sua vez era capital importado. É evidente que existe hoje uma retracção dos consumos das classes médias e méidas baixas, quer pelo medo que agora lhe s foi incutido de recorrer ao crédito como a um esforço de poupança transversal à população que tem o mesmo efeito. A importações desta vez cairam mais que as exportações; já não era sem tempo.

Mas o problema é que Portugal continua a ter uma condição financeira deficitária com o exterior. Esta redução é fruto de "automatismos" de mercado, de rendimento, de crédito. A questão que impende sobre os destinos nacionais é como é que fechamos o "gap" sem uma convulsão económico-social de maior. Isso só com investimento e despesas interna que consumo em grande percentagem recursos gerados internamente. Esse é o busílis. Porque enquanto tiveremos défice da BTC erstamos a aculumar dívida, somos aquela família que tá sempre a juntar mais um bocadinho de dívida à dívida. Isso tem que parar. Porque issso é pernecioso. E isso foi fomentado pela ideologia neoliberal também: os mercados sabem perfeitamente o que estão a emprestar e a quem estão a emprestar. A realidade mostrou que não é assim.

Nós tamos cá para ver.

Rui MCB disse...

Gostava de perceber em detalhe como tem evoluido a Balança de pagamentos desagregando Bens e Serviços, tenho ideia que algures no meio está a virtude: sim uma boa parte é puro automatismo por efeito conjuntural (o que convenhamos não é mau - é bom estarmos ainda que conjunturalmente a melhorar de forma muito expressiva a nossa taxa de cobertura) mas também acredito que há mais qualquer coisa, um efeito transversal que vai além dos sectores tradicionais e que terá justificação estrutural. O padrão das nossas exportações (de bens e serviços) vinha-se diversificando nos últimos anos. Como estarão os diversos sectores a reagir? Faltam-me números detalhados.
Segundo o BdP estamos com uma taxa de cobertura em Abril da ordem dos 85% http://www.bportugal.pt/stats/sdds/inf_esta.htm#bp

Luís disse...

Para esse peditório também dou. Mas a situação e estrutural. Aliás; esta dicotomia deixa de fazer sentido quando a ela se sobrepõe a realidade de crise (crise capitalista!).

As exportações tiveram uma dinâmica razoável nos últimos anos, mas à custa da modernização financiada com recursos externos. A indústria fundiu-se com a banca, de novo, porque a alavancagem dava lucro acima do normal! O problema é que no recuo inexorável da despesa a nível global toda essa indústria exportadora, globalizada, e globalizante perde mercado, vê-se obrigada a reduzir a escala, as empresas menos competitivas saltam fora; mas aí não há progrma que salve a conjuntura, porque a estutura está toda ela deformada, qualquer intervenção nos mesmos pressupostos (no pressuposto da acumulação mundial e liberal) está condenada a fracassar.

Os automatismos contam menos que as mudanças institucionais e as mutações industriais propriamente ditas, mas temos de averiguar da sustentabilidade das mesmas (!!) senão é mais carne para canhão, vulgo emite nota que eu dou cobertura, quem diz cobertura diz a face. Enfim.

Só o descrédito total (no sentido total) nos regime instaurado pode levar à reforma indispensável. E se isso implica inflação, falência bancária, desemprego; o mundo já era mundo em 1883, em 1931, em 1944, em 1973... que será dele em 2010? Autoritarismo de direita? Ou pregresssismo de esquerda?
São estórias. É aposto no des-crédito. Mas os senhores é que sabem. Doutor não sou. Vou é sacar as massas! ihihi

Justiniano disse...

"...como a Espanha ou a Alemanha, sofrem agora aumentos do défice comercial brutais."
A Alemanha!!???? Quando!??

Nuno teles disse...

Caro Justiniano,

peço desculpa pelo meu lapso. tem toda a razão.

obrigado pela correcção.

nuno