terça-feira, 3 de novembro de 2009

"Os intocáveis" por Mário Crespo

"O processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era insultuosa.

Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.

O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (…)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato. Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport.

Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim. Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano. Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes ninguém toca."

Artigo de Mário Crespo originalmente publicado no JN, 2/11/2009.

16 comentários:

Unknown disse...

Face à transcrição do texto de MC, pergunto-me: este blog não sabe distinguir umas quantas verdades alinhadas "ao" estilo populista de análises sérias?

Anónimo disse...

Parabens a este blog pela coragem de publicar o que ninguém além de Mario Crespo diz. Obrigado por saber escolher "análises sérias".

Anónimo disse...

por mais verdades que contenha, este texto é de um populismo atroz

Fernando Torres disse...

Pois que venha mais "populismo" como soi dizer-se...

L. Rodrigues disse...

Eu por mim gosto de um certo populismo.

Do wiktionary:
1. (philosophy) A political doctrine or philosophy that proposes that the rights and powers of ordinary people are exploited by a privileged elite, and supports their struggle to overcome this.

Deste, acho que há pouco.

Afinal, se um sucateiro comprar um político, o que não poderá comprar um banqueiro?

Anónimo disse...

"Afinal, se um sucateiro comprar um político, o que não poderá comprar um banqueiro?" ... talvez consiga um PR!

Dias disse...

O jornalista Mário Crespo põe o dedo numa chaga que assola o país, a sociedade em geral. Ou os contornos de uma crise anunciada, já identificada.

A privatização/usurpação dos bens públicos, a corrupção que se foi sendo entranhando nos aparelhos do Estado e sucedâneos, são algumas das linhas mestras da cartilha neoliberal…Enquanto lá ao fundo do túnel uma mão invisível acenava com uma cenoura: a desregulamentação é liberdade e traz prosperidade!
Ainda há almas que acham que o “Portugal dos brandos costumes” ficou imune à tal corrente.
Olhemos pois à nossa volta.
Como escreveu apropriadamente o “ladrão” João Rodrigues:” Onde pára o Estado”?

Anónimo disse...

a parte do despe as calças é atroz.

simon disse...

Assim, está bem:

agora, bem alinhavada ou não, se for dita, a verdade crua é populismo;

o cinismo, a hipocrisia, os silêncios cúmplices da cambada é que é sinal de elevação democrática, com o povo mudo e servil, a la mafia.

João Dias disse...

O populismo de Mário Crespo reside em querer promover a agenda Neoliberal usando este caso que, na minha opinião, até expõe os podres da agenda que este pretende promover.

Nuno disse...

Cito outrem para transmitir o que acho destas operações e de artigos como esse Crespo e este do sr. Freire: "Isto não é justiça, é uma orgia justiceira digna do tempo em que a Santa Inquisição queimava os pecadores no Terreiro do Paço, promovida por gente que não dá a cara e que usa os poderes que têm para defender os seus interesses. É tempo de questionar o modelo que a democracia concebeu para o funcionamento da justiça, antes que os "bons" da justiça acabem com a democracia com o argumento de que querem acabar com os maus políticos."

Anónimo disse...

Está na moda ser-se "anti populista" é bem, ...ele é anti populista, sabe?

Deixem-se de modas e se denunciar, colocar o dedo na ferida é ser-se populista, então venham 100.000 populistas.

Pedro Lucas disse...

Ó Nuno, não dá a cara ????
Quem não dá a cara é o primo do PM que fugiu para a China. O Mário e outros como MST que se batem pela transparencia, dão-na, todos os dias, nas televisões e nos jornais.
Democracia ?
Aquela em que eu tive de fazer exames ao Técnico em Sábados a chover a potes, e o PM mandou os exame de Inglês por FAX e onde vale tanto o Eng. dele como o meu ?
Aquela onde eu aguento com a variação da cotação das acções que compro, e outros obteem 147% de lucros anuais sem as acções estarem cotadas?
Aquela onde eu trabalho 2 ou 3 anos para pagar um carro, e outros recebem-no de presente por trabalharem no Estado ?
Aquela onde eu deposito o dinheiro em bancos portugueses, e outros metem-no em offshores ?

O que o Mário apresenta é o que o povo pensa sobre tudo o que se passou nos ultimos 5-10 anos. Do povo sim, daquele que apanha o autocarro, e vai ao café, bule de segunda a sexta e arrota à mesa.

Mais cedo ou mais tarde isto vai mudar. E ou muda a bem, ou muda a mal. Caça às bruxas ? Paga o justo pelo pecador ? É provável. Mas é esse o custo do dolce fare niente. Por isso, que o Estado se bata por justiça célere, punitiva e autentica, ou depois será tarde demais. Porque aí estará em causa o próprio Estado.

Não chega haver pão e circo para o povo estar contente. É preciso mais, e o povo é quem mais ordena.

João Dias disse...

"Deixem-se de modas e se denunciar, colocar o dedo na ferida é ser-se populista"

O problema é esse, é que ele não pôs o dedo na ferida.

croky disse...

"Está na moda ser-se "anti populista" é bem, ...ele é anti populista, sabe?

Deixem-se de modas e se denunciar, colocar o dedo na ferida é ser-se populista, então venham 100.000 populistas."

Sr. Costa e Sr. Lucas, isto quando se aparece na televisão e tal, a apontar o dedo para o que dá notícia é muito fácil. Aliás é de caras! É a critica fácil de café, brejeira e saloia que nenhuma solução traz a não ser o "apontar o dedo".

Os meus caros talvez, só agora, observaram o óbvio. O que é natural nesta óptica e atitude populista. No entanto, a história da nossa incapacidade já tem muitos anos, muitos governos e muitos partidos em cima. E já agora, mais algo que é óbvio, muita corrupção. Algo que a esquerda já vem a delatar há muito tempo.

Como um qq populista, MC olha só para a ponta do iceberg. Tira-lhe fotografias de todos lados e diz que a ponta é muito feia, que não presta e que até a nalizou muito bem. Meus amigos, até a pode cortar... Há mais iceberg para emergir à tona. Por isso tem é que se olhar por baixo do nível do mar, por baixo do óbvio e "populista". Pela raíz. O radical !!!

Mas épa ! Se quiserem mais "saloi-isse", força ! É do que o povo mais gosta.

"Olha a língua da sogra!"

Anónimo disse...

A maioria dessa escumalha são como aquele que mata no brasil e depois vinha e vem cá "ssaltar"os bancos e depois TODOS nós é que pagamos o que aqueles canalhas fazem.Um deles agora está algures em França, outro é presidente dos pacientes e os outros passeam-se por aí livremente e gastam massa á fartasana e ninguém tem coragem de os indagar onde foram buscar a guita, podera o "algarvio" não deixa.