sexta-feira, 23 de abril de 2010

Bruxas e papões


Ontem, no mesmo dia em que se celebrava o Dia da Terra e que se encerrava na Bolívia a Conferência Mundial dos Povos sobre as Alterações Climáticas e os Direitos da Mãe-Terra, os apóstolos do nuclear voltaram a manifestar-se contra a expansão da produção de energias limpas em Portugal, argumentando, como já vem sendo hábito, com a questão dos custos. Simbolicamente, não poderiam ter escolhido melhor dia. Após a desastrada prestação do engº Henrique Neto face aos sólidos argumentos do engº Carlos Pimenta, na passada segunda-feira, o lóbi do engº Mira Amaral deu-se agora ao cuidado de pagar uma página inteirinha do Diário Económico de ontem (pág 17) para apresentar um estudo de caso produzido por um organismo independente (imagino que seja tão independente como a ciência do engº Pinto de Sá…) cujo objectivo é apenas mostrar que a energia eólica é cara, não gera emprego e não dá saúde ao PIB. É claro que o bom exemplo referido no texto é o das centrais nucleares, cujos reactores duram mais do que as turbinas das eólicas. Se o desmantelamento após o fecho se prolongar por 100 anos, devido à contaminação, haverá, certamente, algum benemérito investidor (como, por exemplo, o empresário Patrick Monteiro de Barros) que pague a factura, e com juros à cabeça, claro. E engenheiros não nos faltarão também - todos capacitados para produzirem bons projectos com chorudos overheads para as instituições e analisarem os cadernos de encargos a apresentar ao Estado e aos contribuintes.

Um dos patronos do manifesto (o tal manifesto onde o lóbi nuclear se encontra com o PSD numa sala emprestada do Instituto Superior Técnico e arregimenta alguns anti-Sócrates que passam à porta...) contra a actual política energética portuguesa – o engº Mira Amaral – escreve também ontem no Jornal de Negócios que «o poderoso lóbi eólico e alguns jornalistas vieram logo usar o papão do nuclear para tentarem condicionar a discussão sobre os excessos eólico e fotovoltaico…». Papão do nuclear? Ó senhor engº, olhe que já ninguém acredita no papão! E a razão é simples. Nem é preciso mostrar-lhe fotografias dos "reféns do preconceito" e do "tabu" de Chernobyl. Apenas dois exemplos e uma sugestão:

- Em Fevereiro de 2009, 7000 litros de água radioactiva potencialmente carcinogénica foram despejados no rio Ottawa, o mais importante do Canadá e fonte de abastecimento de água para milhões de canadianos. A população só foi informada quatro dias depois do acidente.
- Em Novembro de 2007, outra fuga radioactiva na cental nuclear de Ascó I, na Catalunha. O “incidente” só foi noticiado um ano depois, tendo a negligência e a irresponsabilidade chegado ao ponto de, logo após a fuga, terem ocorrido visitas escolares a esta unidade. A Endesa e a Iberdrola (ó engenheiros, já tendes bons contactos no sector, hein?...) foram responsabilizadas pela ocultação e pagaram 22 milhões de euros de multa.
- Para mais, ninguém nos garante que os nossos políticos, sempre tão amigos dos empresários e dos agentes financeiros, não venham a aprovar uma lei como a que foi aprovada no passado mês de Março na Eslováquia, segundo a qual "as pessoas não terão a possibilidade de saber se um centro de armazenamento de detritos ou uma central estão em conformidade com as regras de segurança”.

Impossível, pois, acreditar no papão - e muito menos em bruxas, como pretendia o engº Henrique Neto, entre as repetidas invocações do bom exemplo do "Doutor Salazar" em matéria de política energética (o L.N.E.C. e a hídrica). E para mais agora, que estamos a criar bons postos de trabalho na Europa Central e que está a chegar a estação dos saldos do urânio

5 comentários:

José M. Sousa disse...

Pelos vistos, a própria indústria nuclear começa a diversificar as suas actividades...para as renováveis:

French nuclear giant Areva buys Ausra, says solar thermal power market may increase 30-fold by 2020

Ora cá está uma tecnologia onde poderiamos desenvolver o nosso potencial

Miguel Rocha disse...

A minha opinião é a de que não faz sentido construir uma central nuclear, neste momento, em Portugal. Para além de ser uma fonte de energia não renovável é perigosíssima (digam o que disserem) e os custos de instalação e desmantelamento são enormes! Neste contexto a situação financeira do país já não importa?
Para além de que os resíduos implicam um tratamento supercuidadoso e especializado que só visto...contado ninguém acredita.

Os instrumentos para captar energias renováveis são caros porque ainda não estão suficientemente desenvolvidos e as economias de escala ainda não foram aproveitadas. Há que trabalhar também nos sistemas de armazenamento para energia proveniente de fontes renováveis. Em vez de se investir no sector das energias não renováveis que se invista fortemente nas renováveis de modo a acelerar o desenvolvimento destas. O paradigma das energias não renováveis acabou...habituem-se.

Malthus dizia que a população humana iria ultrapassar em muito a capacidade de a terra prover alimento ao homem...contudo falhou porque não previu o aumento exponencial da produtividade no sector agrícola.

Não há impossíveis.

Anónimo disse...

"os Direitos da Mãe-Terra"
Ai que mariquice! LOL

Anónimo disse...

.

José M. Sousa disse...

A "Environment News Service" cita um estudo da New York Academy of Sciences, publicado hoje, aniversário do desastre de Chernobyl, onde se afirma que terão morrido quase 1 milhão de pessoas em todo o mundo fruto da exposição à radiação proveniente do desastre.

«Nearly one million people around the world died from exposure to radiation released by the 1986 nuclear disaster at the Chernobyl reactor, finds a new book from the New York Academy of Sciences published today on the 24th anniversary of the meltdown at the Soviet facility.
The book, "Chernobyl: Consequences of the Catastrophe for People and the Environment," was compiled by authors Alexey Yablokov of the Center for Russian Environmental Policy in Moscow, and Vassily Nesterenko and Alexey Nesterenko of the Institute of Radiation Safety, in Minsk, Belarus.