quinta-feira, 29 de abril de 2010

Onde é que já ouvi isto?

«As pessoas aqui gostam mais de gastar do que de trabalhar». «A febre dos juros baixos levou a um endividamento insustentável das famílias.» «Os produtores locais não se dão ao trabalho de procurar mercados externos, preferem viver da procura local.» «A evasão fiscal é enorme e os serviços de finanças não se dão ao trabalho de combatê-la.»

Estas são algumas explicações que tenho ouvido em Atenas, onde me encontro, sobre as razões da crise que afecta a Grécia. Tal como em Portugal, é mais difícil encontrar quem diga que a política monetária única conduzida pelo BCE desde a fundação do euro reflectiu sistematicamente as condições dos países centrais da UE em detrimento das suas periferias (aqui como noutros países a taxa de juro deveria ter sido substancialmente mais elevada durante boa parte da última década). Já poucos discutem que o nível cambial adoptado à entrada do euro foi excessivo e que, associado à valorização do euro face ao dólar, desincentivou o investimento em sectores transaccionáveis. Ou que a sobrevalorização do euro (na perspectiva das periferias) se juntou a uma política comercial europeia que abriu os mercados externos às economias emergentes, prejudicando os sectores mais tradicionais (que dominam as economias das periferias) para obter como contrapartida o acesso das exportações de bens intensivos em capital (que dominam economias mais avançadas, como a Alemã) aos apetecíveis mercados emergentes. Poucos referem também o impacto que a promoção do mercado interno de serviços financeiros e a liberalização dos fluxos de capitais teve sobre a facilidade de fuga ao pagamento de impostos de alguns sectores importantes das sociedades europeias. Ou como a ausência de harmonização fiscal na UE vem erodindo a capacidade de financiamento dos estados membros.

Usar a propensão individual para o pecado como explicação para a instabilidade que actualmente se vive nas economias europeias revela-se uma estratégia eficaz – na Grécia como em Portugal, e suspeito que noutros países – e muito ao gosto de certos comentadores. Infelizmente, o apelo à auto-culpabilização fará muito pouco pela resolução dos problemas estruturais do modelo de integração europeia.

8 comentários:

maria povo disse...

... e às tantas andamos todo(a)s deprimidos!!!... como convém!!!

e quem ganha com isto?!?!? industria farmaceutica!!!
industria do armamento!!!
industria de outras drogas!!! ai!! Afeganistão...

querem mais??? Bildenberg(?)!!! está lá tudo!!!

VIVA O 1º DE MAIO!!!

a.küttner disse...

De facto este post tem conteúdo e razoabilidade, mas, já não adianta estar-se muito (tanto) tempo virados para trás, para o que foi feito e não devia ter sido.

Isso não resolve o hoje! e muito menos o amanhã!

Pelo que hoje se pede, se exige a todos e a cada um, é formas novas e diferentes de darmos a volta a tudo isto.

Os erros é bons serem (re)conhecidos, para não serem repetidos, mas é muito, muito pouco.

Ficaremos estagnados a olhar para trás!

Força, no futuro, no hoje, no amanhã. Ontem, já foi!!!

Augusto Küttner de Magalhães

CarlosC disse...

Portanto nesta óptica a culpa é do BCE por os países da periferia terem eles próprios fixado uma taxa de câmbio demasiado alta.
Quem é que propôs a taxa de câmbio irreversível a 1 de Janeiro? Foi o BCE? E eu a pensar que tinham sido os bancos centrais de cada país.

Sobre o € demasiado valorizado contra o Dólar, parece esquecer que o € chegou a transaccionar 0,85$ e que a moeda única flutua sem intervenção do BCE.

Por último, os riscos do € eram conhecidos de todos, os países entraram porque assim o pretenderam. Aliás a Grécia mentiu para o fazer não foi?
Ou também é para entrar na teoria negacionista que já vi, de que a culpa é da CE que validou as contas sem questionar se era verdadeiras.
Parece a desculpa de um ladrão que diz, "ah a culpa é do dono que não fechou a janela"

Ricardo Paes Mamede disse...

(i) Se pensou que foram os bancos centrais de cada país a fixar o valor do câmbio é porque tem estado pouco atento ás dinâmicas de decisão no seio da UE.

(ii) O euro atingiu 0,85 dólares no início da década, para começar a subir de forma quase contínua até atingir 1,6 dólares. Não sei se percebe a ideia, mas isto significa uma perda substancial da competitividade das exportações.

(iii) Se acredita que a taxa de câmbio euro-dólar flutua sem qualquer relação com a taxa de juro, recomendo-lhe que regresse aos manuais de macroeconomia.

(iv) Quantos aos riscos do euro, que eram conhecidos de todos, não sei se está a assumir que todos sabiam à partida que as regras do PEC seriam infringidas pela Alemanha e pela França quando bem entendessem.

(v) Por outro lado dou-lhe razão: muitos dos riscos eram conhecidos. Aqui não falámos de outra coisa desde o início deste blog. Daí a concluir que os riscos têm de ser assumidos unilateralmente na zona euro é um passo de gigante.

(vi) Como já escrevi noutro post, a questão da culpa deixo-a para o Sr. Ratzinger. Estou mais preocupado em discutir a sustentabilidade de um arranjo institucional que é manifestamente desadequado para a promoção do crescimento, do emprego e da justiça social na UE.

CarlosC disse...

Como compreende estou de certa forma limitado ao espaço para explanar algumas questões.

Logo no dia 1 de Janeiro de 1999 se afirmou que a nossa taxa era alta de mais. Portugal, Grécia todos tinham direito de veto, nesta altura. Se abdicamos dos nossos direitos, não é responsabilidade dos outros.

Sobre a moeda flutuar livremente refiro-me obviamente no contexto das outras divisas. As asiáticas estão na sua maioria presas ao dólar. Sei que não flutua de forma tão fundamental. Lembro-me das pequenas intervenções do BCE para evitar nomeadamente que € continuasse a subir.

Relativamente ao cãmbio do € e ao princípio dá década. Eu apenas referi para dizer que na altura já perdíamos competitividade e não era por um € demasiado alto.

Por outro lado parece desconhecer o ordenamento jurídico alemão.
Neste caso como me recomendou a leitura de manuais de macro-economia, recomendo-lhe ler o acordão do Supremo Tribunal Alemão sobre a adesão ao Euro.

É permitida a adesão ao Euro, desde que a moeda fosse em termos de estabilidade equivalente ao marco, sendo proibido financiar outros Estados sobre pena do tribunal inviabilizar a continuidade da Alemanha no projecto. É por isso que se chegou ao juro de 5% para resgatar a grécia, por ser superior à taxa da dívida alemã.

Não esquecendo que já foi pedida por privados a avaliação dessa ajuda ao Sup tribunal. Daí a necessidade de passar legislação antes de se conceder o empréstimo. Mas é melhor dizer que se deve às eleições na Norte Reno-westfália como se diz nos meios de comunicação.

O que me deprime Ricardo Paes Mamede é que a essência do projecto europeu deveria ser a solidariedade e isso não foi denunciado pelos do Norte, mas pela Grécia com o blush nas contas. O contrato é denunciado se uma das partes tiver agido de má fé!!!! Garanto que mudar dados é má fé.

refere França e a alemanha como violando o PEC. A Alemanha tirando a crise e mesmo assim com um défice bastante moderado, "apenas" ultrapassou o limite num ano. No ano em que a legislação Hartz -A alteração profunda do sistema de desemprego, RSI, reforma e financiamento da Saúde o que caiu dentro da definição do PEC de situações expepcionais.

Lembra-se do projecto do Keynes de divisas mundiais? Pois Portugal, Espanha e Itália ficavam junto com França... mas a Alemanha, a Holanda e a Aústria ficavam noutra zona. já o Lord Keynes sabia que eram realidades diferentes. Se desde o início se sabia que o € é uma emanação do marco, também se sabia que o marco não servia todos.

solução? Bem a solução a meu ver não passa por regatar países, essa tarefa cabe ao FMI. Os investidores perdem e ganham, desde o Lehman que só ganham porque não se pode deixar falir bancos ou países entrarem em default.

a.küttner disse...

Me parece, com todo o respeito, que todos e cada um merece, que o que está para traz sirva para aprendermos TODOS que: cometeram-se erros,
Mas agora convém olhar para hoje e para amanhã e arrancar em frente.

Estamos todos, todos, em toda a parte radiantes em encontrar culpados do que foi feito ontem, parece que é pouco, mesmo muito pouco para resolver o hoje e o amanhã.

João Aleluia disse...

Concerteza que construção da UE em geral e da zona euro em particular estão cheias de vicissitudes.

No entanto a culpa da situação Portuguesa actual cabe, quase em exclusivo, aos Portugueses!

E ao contratrio do que diz, a questão da culpa é fundamental, porque enquanto os Portugueses não assumirem a responsabilidade por aquilo que lhes acontece nunca haverá desenvolvimento nenhum neste país.

a.Küttner disse...

Concerteza que Todos temos muitas culpas.

E o pior é estamos diariamete a assitir a "EX´s" tudo e mais alguma coisa, passando a ideia de que enquanto por lá andaram tudo foi maravilhoso, e sempre e só os outros é que têm culpa de tudo e mais alguma coisa!!

Não dá para entender como , nestes 36 anos, em que tantos ainda bem vivos fizeram disparates o não assumem....é sempre culpa do quye veio a seguir, e do oitro,,,,,,,,,,

E por certo cada um de nós individualmente também o o fez, mas com efeitos muito menos (ou nenhuns) sistemicos...e tão nefastos, como outros, tantos outros!!