quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Vitalpolitik?

Tenho de continuar a conversa sobre o ordo/neoliberalismo porque a resposta de Vital Moreira é equivocada, pelo menos à luz do que nos indica a mais recente historiografia na teoria e economia políticas sobre o contributo vital do ordoliberalismo alemão para o que o historiador e economista Philip Mirowski chama o "colectivo do pensamento neoliberal", que obviamente não surge nos anos oitenta, mas muito antes. As grandes vitórias políticas são precedidas de elaborações intelectuais mais ou menos convergentes.

Aliás, foi Alexander Rustow, que Vital invoca em defesa da separação ordo/neo, quem criou o termo neoliberalismo nos primórdios deste colectivo sempre plural, no colóquio Walter Lippmann, realizado, em 1938, na cidade de Paris. Hayek, que nele participou e que depois andou por Chicago e por Friburgo (o principal centro académico ordo) como professor, só usou o termo neoliberal para se referir aos seus amigos alemães. Curiosidades, mas Hayek é o grande artífice da aliança intelectual neoliberal no pós-guerra. Na crucial fundação da Mont Pelerin Society, ideia de Hayek, em 1947, os ordoliberais alemães estão bem representados e participam activamente, a par do contingente Austríaco e de Chicago. E isto continuou até aos nossos dias. Um critério importante nos recentes estudos da ciência sobre o assunto.

Chega de detalhes históricos. Vamos aos pontos conceptuais. O conceito de “economia social de mercado” não está originalmente relacionado com o Estado-Providência, tal como os socialistas o entendem. Economia social de mercado é a tese de que uma economia capitalista concorrencial em expansão, bem ordenada juridicamente, produz as melhores consequências sociais (os ordo estão sempre entre a economia, o direito, a sociologia e a história das ideias, o que faz do ordoliberalismo, a par da economia neo-austríaca, a corrente neoliberal mais sofisticada, como Vital deve saber melhor do que eu).

Isto não dispensa alguma política social dirigida, claro, ou o reconhecimento do papel dos sindicatos, desde que bem disciplinados pela concorrência e pelo poder capitalistas. Nestes pontos, os ordo não se distinguem, na prática, muito de um Hayek da Constituição da Liberdade e de um Friedman do Capitalismo e Liberdade, que aliás os têm como suas referências. O mesmo não se pode dizer do “modelo” económico alemão, sobretudo depois da introdução das “impurezas” social-democratas nos anos sessenta, hoje muito fragilizadas.

Onde os ordo se tendem a distinguir teoricamente, entre outros, é no aprofundamento da ideia de que o capitalismo é uma construção política e regulatória, com toda a ambiguidade política deste termo, que requer um soberano forte acima dos chamados grupos de interesse, que garanta a manutenção da sempre ameaçada concorrência mercantil como princípio económico estruturante. Isso e a ideia de uma economia moral sem neutralidades, conservadora: o ideal ordo de uma comunidade pequeno-burguesa, empresarial, moral e socialmente sã. Vitalpolitik...

Um Estado forte, protegido de incursões democráticas excessivas, um Estado sem veleidades keynesianas e sem os “excessos” socialistas, como Vital implicitamente reconhece. E a relação dos ordo com o nazi-fascismo? Crítica intelectual e exílio de alguns, sem dúvida, mas também colaboração de outros, tal como antes Mises tinha saudado Mussolini por “salvar a civilização ocidental”, e Hayek e Friedman saudarão e estarão com Pinochet, porque mais vale um “ditador liberal” do que uma democracia socialista. Estados de excepção...

Avancemos no tempo: a União Europeia, com Banco Central independente do poder democrático, uma Comissão pouco escrutinada e dedicada à construção sem fim de mercados, mesmo em áreas onde outros princípios deveriam prevalecer, os Estados bem controlados por mecanismos sem base democrática e um Tribunal a sobrepor a livre circulação de capitais à negociação colectiva e aos direitos sindicais, é hoje o mais próximo do ideal ordoliberal, ou seja, do ideal neoliberal, como defendem, entre outros, o historiador Perry Anderson ou o jurista Alain Supiot. Vital Moreira, um europeísta infelizmente demasiado feliz, alinha com esta desgraçada tendência no essencial. Sobre a actual e funesta influência dos ordoliberais, os neoliberais alemães, na UE leia-se a excelente crítica do economista pós-keynesiano William Mitchell.

Soube, através de Vital Moreira, que Habermas, por motivos de doença, não participará na conferência internacional sobre republicanismo, que amanhã tem lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. No entanto, John Pocock vai estar presente e isso basta para garantir o interesse do evento, de que Vital Moreira é um dos coordenadores. Lá estarei.

2 comentários:

Anónimo disse...

Também lá ia.
Mas estando lá o Vital Moreira, não vou porque dá-me logo vontade de vomitar.
Tenho um bocado de asco aos vira casacas.

CN disse...

Essa tentativa de colar Mises, Hayek e Friedman ao totalitarismo é idiota.

O comunismo é totalitário e a outra face à direita, o fascismo que tinha o socialismo como referência também, foi menos maligno que o primeiro sim, mas totalitário na mesma.

Talvez queira comentar Keynes na sua edição alemã de 1936:

"The theory of aggregated production, which is the point of the following book, nevertheless can be much easier adapted to the conditions of a totalitarian state [eines totalen Staates] than the theory of production and distribution of a given production put forth under conditions of free competition and a large degree of laissez-faire"