segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Federalismo neoliberal

Anteontem, no Expresso, Daniel Bessa (DB) deu-nos a conhecer a sua visão federalista da União Europeia:

“O Estado federal europeu está em construção. Lentamente, com alguns momentos de aceleração. A pauta exterior comum. As regras de concorrência. O euro. O Tratado de Lisboa. O que foi decidido, em maio último, no célebre jantar em que 'o mundo mudou'”.

DB mudou muito desde 25 de Abril de 1974. Hoje não lhe repugna uma União Europeia que manda repetir referendos quando algum Estado-Membro diz não. Vê com bons olhos os jantares em que os líderes dos estados mais poderosos tomam decisões nas costas do plenário do Conselho Europeu. E louva a caminhada gloriosa para o “Estado federal europeu” sem se lembrar de eleições para esse nível de decisão federal.

Nem as eleições presidenciais que actualmente se disputam no Brasil – um estado federal como a Alemanha – fizeram recordar a DB que essa é a maior fragilidade da UE que temos. As decisões de âmbito federal na UE são sistematicamente arrastadas numa negociação intergovernamental em que os Estados mais fortes acabam por impor os seus interesses aos mais fracos.

Confesso que não me espanta esta indiferença pela qualidade da democracia europeia. É típica de um economista neoliberal para quem o poder político deve estar ao serviço do funcionamento dos mercados. Ao contrário de muitos que apenas viram uma gafe na célebre frase de Manuela Ferreira Leite (“se for preciso, suspenda-se por seis meses a democracia”), eu acho que estes economistas vêm a democracia como um estorvo ao funcionamento dos mercados. Os mercados financeiros, e outros, ditam as políticas aos países e os economistas neoliberais acham isso “natural”. Sim, um dado da Natureza.

Aliás, DB não vê qualquer problema em que sejam adoptadas sanções que não estão previstas no Tratado para punir os estados que não cumpram os “critérios de Maastricht”. Como diz DB, “Mandarão, como sempre, os credores … Os textos fundamentais serão adaptados em conformidade.” Pouco lhe importa como.

A DB que no Expresso vende a ideia simplista (mas perversa) de que o problema da UE reside no facto de haver países despesistas, deixo esta pergunta: não deverá a Alemanha ser também punida pelos défices de Portugal?

É que, como DB muito bem sabe, não há devedor sem o correspondente credor e, pelo que diz “a imprensa de referência internacional”, entre os principais credores de Portugal, Espanha e Grécia estão os maiores bancos alemães. Aliás, quando se quis saber os resultados dos testes de solvabilidade destes bancos, a Alemanha não deixou que a informação fosse desagregada até ao nível de cada banco.

Com uma visão teleológica da História, é esta a Europa federal que DB louva.
Não é a minha.

4 comentários:

Pedro Ribeiro disse...

"We make the rules, pal. The news, war, peace, famine, upheaval, the price of a paper clip. We pick that rabbit out of a hat while everybody sits around wondering how the hell we did it. Now you're not naïve enough to think that we're living in a democracy, are you, Buddy? It's the free market, and you're part of it." (Gordon Gekko, Wall Street)

Miguel Rocha disse...

Muito bem dito, Pedro Ribeiro.

E eu acrescento da mesma personagem do mesmo filme: "I create nothing! I OWN!"

Cumprimentos

José Luís Moreira Santos disse...

Se houve economista com quem aprendi a ver nos mercados, nessa ocasião mais entendida como actividade bolsista, foi exactamente com DB.E o que aprendi não se recomenda, mas a vida em sociedade é marcada pelas palavras e actos dos homens( mas também pelas suas motivações), pelo que de há muito que verifquei, sem razão para espantos, que DB ao mudar de posição face à realidade que quer ver, mudou também de realidade. Que mal tem isso? Eu a que quando quero encontrar aqueles que sempre estiveram na posição de outrora, não espero encontrar lá DB. E que mal tem isso? Alguém afirmou algum dia que a dialéctica é uma repetição de casos ou um baile de máscaras?

Maquiavel disse...

DB e os neoliberais criaram a "economia quântica": muda consoante a observaçäo, logo o que estamos a preenciar é apenas uma das realidades possíveis.
Numa outra realidade, o paradigma neoliberal está a resolver a crise, aliás, nem crise existe.

E ninguém na plateia lhe fez o reparo presente neste excelente artigo? Seria interessante ver o fusível a queimar...