segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A lógica dos economistas de Belém no OE

“O único caminho é baixar salários.” Vítor Bento, conselheiro de Cavaco e beneficiário de promoções de duvidoso mérito no Banco de Portugal, em entrevista ao Público. Engenharia social com a vida dos outros. Teixeira dos Santos alinha pelo mesmo diapasão no orçamento, como aliás reconhece em entrevista ao Negócios: defende melhorias da competitividade por via de cortes salariais. Entretanto, o DN indica o que já se sabe: “o salário médio nacional era de 777 euros/mês”. A fraude intelectual do regabofe salarial português é isso mesmo: uma fraude que diz muito sobre os hábitos das elites. A desgraça das nossas elites, promotoras de um capitalismo cada vez mais medíocre, é clara.

Os cortes na despesa pública, os mais profundos desde o 25 de Abril, vão originar quebras intensas nos rendimentos. É esse o efeito. E depois o ministro ainda tem a desfaçatez de vir dizer, em entrevista ontem ao Público, que é tudo muito equilibrado socialmente e promotor da poupança. A abordagem dos balanços financeiros sectoriais ajuda a perceber as imprecisões do ministro. Esta abordagem parte de uma igualdade contabilística incontroversa: a soma dos saldos dos sectores externo, público e privado no PIB tem de ser igual a zero em cada momento.

O projecto do governo é operar uma brutal contracção do mercado interno por via orçamental e da quebra dos rendimentos e assim reduzir o saldo do sector externo, ou seja, o nosso défice externo. No entanto, a redução do saldo do sector externo não deve acompanhar a redução do défice público prevista em percentagem do PIB, o que significa que o contraproducente esforço para reduzir o défice público, a ser bem sucedido, terá como contrapartida uma deterioração do saldo do sector privado e um aumento do seu endividamento. Num contexto de deflação, pode acontecer que o saldo do sector privado se deteriore também porque aumenta o valor real das dívidas. Mas será que a corda parte por outro lado?

E se a redução do consumo e investimento privados for maior do que a redução dos rendimentos? O colapso das importações poderá ser maior do que o previsto? No entanto, tenho dúvidas em relação ao aumento das exportações previsto devido à situação europeia global, ou seja, o cenário de uma melhoria muito significativa da posição externa parece improvável. Pode então acontecer que o défice público, devido à recessão criada, não vá diminuir como o governo prevê e que a corda parta por aqui. Teremos novos cortes e o acentuar do ciclo vicioso. Por isso é que Rob Parenteau, um dos proponentes da abordagem dos balanços financeiros sectoriais, criou várias cenários e concluiu que uma coisa é certa: os “porcos (pigs) vão ser mortos” com estas políticas deflacionárias...

3 comentários:

Miguel Rocha disse...

Li os artigos e isto parece uma anedota de muito mau gosto.

É óbvio que o senhor Teixeira dos Santos perdeu a noção da realidade. Ele deixa em entrelinhas o que o sector privado deve fazer...o que à poucos dias tinha negado.

Com que base é que produtos essenciais como a margarina e o óleo alimentar passam a ser considerados como bens de luxo passando de 6% a 23%? Com que critério?

Esta é a ilustração perfeita de que os impostos foram aumentados tendo como base a rigidez da procura (a receita garantida). E já agora quais são os substitutos de que o ministro falava? Banha de porco? Azeite é mais caro...

É claro que isto pode não parecer muito mas é simbólico de que o governo já perdeu grande parte das preocupações sociais. Para uma família em dificuldades, isto é catastrófico...

Para além de que não é apenas a subida do IVA...são várias variáveis que vão pressionar os consumidores e os trabalhadores...

Todas as variáveis ponderadas (de receita e despesa), os consumidores deverão perder entre 10 a 20% de poder de compra em traços largos...

Então e as offshores continuam impávidas e serenas...

A situação social em Portugal está prestes a "explodir"...

Rui Costa disse...

O João tem razão quando diz no final do seu texto que muito provavelmente estamos metidos numa armadilha fiscal em que os efeitos recessivos das políticas fiscal e de rendimentos poderão levar a uma redução da receita fiscal que deixe as contas públicas no mesmo impasse.

O problema, parece-me, é que a questão não está nas nossas mãos. A alternativa é não forçar o ajustamento orçamental nesta fase? Essa possibilidade não existe a menos que se considere a hipótese de default, sem mais. Neste momento, fazemos o que nos ditam os credores. E a cartilha dos credores, já a conhecemos. Colocámo-nos a jeito e agora temos de arcar com as consequências.

Francamente, neste momento, só vejo duas questões que podemos discutir:

- como cortar, i.e., se os cortes preconizados por este orçamento são "equilibrados" ou haverá outra maneira de fazer as coisas - e neste caso, acho que os argumentos por aqui defendidos colhem;

- como fazer perceber à UE que nós (e outros países) nos encaminhamos para o abismo com este enquadramento institucional da moeda única que a prazo aliás acabará por afundar a própria UE no seu conjunto - francamente, não sei como será possível esta chamada à pedra acontecer, a não ser muito tarde quando a realidade impuser a tomada de medidas.

Penso, francamente, que neste momento, não está nas nossas mãos decidir se devemos ou não cortar na despesa pública e/ou carregar nos impostos, talvez nem sequer o quanto cortar. Temos de fazer o que os credores nos pedem (sob pena de a alternativa - fim do crédito - ser ainda pior) pelo menos enquanto não houver da parte das instituições europeias o reconhecimento da insustentabilidade a prazo deste caminho. Mas, parece-me a mim, é apenas uma questão de escolha entre a crise abrupta e caótica ou uma crise que evolui de forma lenta mas igualmente implacável...

Não consigo ver o futuro próximo com optimismo, qualquer que seja o caminho...

Micael Sousa disse...

Eu diria que nem temos ordenados baixos para competir com os colossos industriais nem salários suficientemente elevados para ter um grande consumo interno e uma adequada tributação capaz de fazer face às despesas de Estado.
Havendo opção acho que todos escolheríamos a segunda... Que será necessário para ter tal opção?