quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Europeísmo crítico

Em Portugal, o romance europeu das elites, o dos amanhãs europeus que cantam sempre, acabou. Basta ter visto Freitas e Soares, dois convictos europeístas, ontem na TVI24. Defenderam a necessidade das periferias baterem o pé ao eixo franco-alemão de Merkel e Sarkozy e pugnarem por uma reconfiguração progressista da integração europeia. Silva Peneda, presidente do conselho económico e social, já tinha sublinhado a necessidade de uma iniciativa diplomática das periferias para fazer face à dominação do centro. Até Santos Silva se junta ao coro, embora o governo nada diga ou faça sobre isto, como bem assinalou o Rui Tavares. O europeísmo crítico ganha terreno aos poucos? Já não era sem tempo. O silêncio de Cavaco, sempre com muito respeitinho em relação aos “mercados” e aos mais poderosos, é revelador. Uma parte da direita está disposta a tudo para impor o seu projecto de regressão socioeconómica à boleia das potências do centro que só pensam em salvar os seus bancos? Manuel Alegre, por sua vez, foi quem introduziu o tema da iniciativa diplomática das periferias na agenda política. Há alternativas. As alternativas na zona euro são claras. O economista Dani Rodrik, que não é um eurocéptico e que tem aplicado o seu trilema da economia política internacional à crise europeia, defende agora que, tudo o resto constante, só nos resta, às periferias, sair do euro. Seria a única forma de se evitar uma austeridade contraproducente, reestruturar a dívida e recuperar a competitividade perdida. Continuo a achar que a saída pelo aprofundamento da integração europeia, corrigindo a sua assimetria, é mais razoável, mas os obstáculos políticos são de monta. Resta saber se ainda há margem para a escolha. Não há tempo a perder. É altura de lutar concertadamente contra uma austeridade e uma especulação que estão a desfazer o projecto europeu.

Publicado no arrastão

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro João,

Não é só por cá que o silêncio impera e não se contraria a visão catastrófica de Merkel-Sarlozy (que, ainda para mais, se destestam).
Soares, ontem, falou nisso e confesso-lhe que já me tinha interrogado sobre o relatório que o tal Comité de Sábios tinha elaborado sobre a Europa. Vi nos jornais esparsas referências ao Relatório, mas como não me apercebi das posições das instituições europeias sobre o relatório, suspeitei até ter imaginado a sua existência.
Procurei na net informações sobre o tal Comité e respectivo relatório e só muito a custo o consegui localizar (em rubrica nada óbvia). Se a Europa "trata" assim as "estruturas" que ela própria cria, é necessário que os Estados, nomeadamente os periféricos, tenham um pensamento concertado, uma ideia e uma estratégia comuns para se fazerem ouvir. Aliás, a postura da "Europa mandante" é a de fazer crer aos periféricos na respectiva periferia e insignificância. Mas, sem razão ou fundamento. O alemão é língua internacional? E é falado por quantos milhões de cidadãos? Compara-se em influência com o Português e o espanhol? Felizmente para Portugal, o Brasil fala Português e a Alemanha deve ter esse facto presente no cenário e estratégia internacionais.
Goste-se ou não, Portugal está no Conselho de Segurança da ONU, tendo derrotado a candidatura alemã. Este facto devia, para nós e para o mundo, ter um significado profundo, para além dos "contentamentozinhos jornalísticos" do momento da escolha de Portugal.
Só apostando noutra frente, que não a imadiatemente a económica e financeira, podemos, neste momento, fazer ouvir a nossa voz na Europa e no mundo. Mas é preciso que o nosso Governo perceba isto e saiba caminhar neste nesse sentido. Fazer o trabalho de construir alinaças com outros periféricos e impor um pensamento e uma estratégia de defesa da Europa, a qual passa, no actual momento, pela defesa do euro pela Europa no seu conjunto.
Para onde pensa a Alemanha exportar os seus "BMW" se os periféricos abandonarem o euro? Para a França? Quererá a Alemanha, por desespero ou ignorância, precipitar a dualização do mundo entre os EUA e a China? Que ganhará com isso?

Maquiavel disse...

O único orgäo democraticamente eleito na UE é o Parlamento Europeu. Malta, Luxemburgo, Estónia têm 6 eurodeputados cada; a Alemanha tem 96. Cada eurodeputado alemäo representa quase 850.000 pessoas, enquanto o luxemburguês representa 75.000. Claro que a Alemanha impôs compensaçöes para isto, e da pior forma: näo tendo a mesma representatividade no PE, manda onde verdadeiramente faz a diferença (Conselho de Ministros, por exemplo), sem necessidade de ter os seus pontos de vista sufragados.

Se acho mal? Acho. Se eu acho pior que fossem os desorganizados do Sul da Europa a mandar na UE? Acho. Nada como uma UE verdadeiramente federal.

Anónimo disse...

Portugal e outros países periféricos (PIGS ou GIPSI...) têm problemas graves (financeiros, económicos, sociais...) para resolver.
Mas não o conseguem resolver sozinhos, têm de actuar internamente e externamente, aliando-se e actuando conjuntamente na UE (e OCDE, ONU, O.Comércio M., OITrabalho, ...).

** Estes problemas não se resolvem enquanto não se atacar (também) políticamente na Comissão Europeia, no PE e no ECOFIN ;
* o problema da crise financeira-económica,
* dos offshores, dos bancos e especuladores,
* da moeda/Euro, da necessidade de um Orçamento Europeu,
* de mais integração e cooperação via CONFEDERAÇÂO Europeia, e
* de penalização dos 'dumpings' fiscais, ambientais, trabalho, ... com imposição de barreiras às importações da China, India, Paquistão, ...

** Porém associado a isto (e à intransigência do ''eixo Alemanha-França'') temos um problema político-social a encarar frontalmente (e a resolver por via democrática em Eleições e Manifestações):
* é que na UE dos 27 países, 24 têm governos de DIREITA (populistas, liberais, conservadores, católicos, e até pró-fascistas),
* que governam não no interesse da maioria (dos seus países e da Europa) mas no interesse de OLIGARQUIAS (e seus criados e sabujos, nacionais e ''internacionais''),
* são minorias mas são detentores do poder económico-financeiro, comunicacional/TVs/jornais, alta-judiciatura, grandes sociedades de advogados, ensino superior e gabinetes de estudos e 'think-tanks', ...

Zé T., Luminária