quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Balanços

Pedro Romano assinala a “flexibilidade” da economia portuguesa. Parte-se, uma vez mais, da abordagem dos balanços financeiros sectoriais – onde a soma dos saldos dos sectores externo, público e privado, os três sectores em que se pode dividir a economia, é sempre igual a zero, ou seja, o défice de um ou dois sectores tem necessariamente como contrapartida um saldo positivo do(s) outro(s). Tendo o défice externo um pequeno declínio (ou seja, o saldo positivo do sector externo em relação à nossa economia pouco diminuiu), porque são estruturais os problemas da inserção dependente da economia portuguesa, então o maciço, súbito e necessariamente descoordenado esforço do sector privado, famílias e empresas, para recompor os seus balanços, expressão da crise global do capitalismo financeirizado a partir de 2008, comprimindo ainda mais a procura, teve como contrapartida necessária o aumento do défice do sector público, a tal variável que agora até Belém diz ser endógena, em Portugal e por toda a restante periferia, como este estudo de três economistas alemães também indica sem moralismos.

O Banco de Portugal foi durante anos quem mais intensamente defendeu o desastre deste euro em Portugal, legitimando o inevitável défice da balança corrente portuguesa, parte de uma fractura mais geral, como a resposta globalmente racional dos agentes económicos aos sinais dos mercados financeiros integrados e desgraçadamente liberalizados, cada dia supostamente mais eficientes. O défice da balança corrente e a entrada de fluxos financeiros intermediados, com os resultados que se viu, pela banca nacional foram os dois lados de uma moeda única criada para acentuar a posição superavitária dos países do centro e para proteger os interesses do capital financeiro e industrial que opera à escala global, mas que continua a ter imbricações nacionais. Este é politicamente hegemónico numa União que fez com que os países perdessem instrumentos de política sem os recriar noutra escala. Os países periféricos viram-se confrontados com forças de mercado que deixaram de poder controlar, como este artigo bem argumenta, embora falhe na questão do défice orçamental português, com os desgraçados resultados que estes processos sempre acarretam: o cortejo de crises financeiras aí está desde que se passou a dar prioridade à chamada liberdade financeira. Na realidade, é caso para dizer com toda a confiança: viva a repressão financeira.

O Banco de Portugal é agora parte da tentativa em curso corrigir os défices das periferias através da barbárie de anos sem fim de recessão e desemprego, exaurindo o país, mas sempre no interesse dos credores. Opera-se uma contracção das importações e um suposto aumento das exportações à pala da redução dos salários directos e indirectos obtidos pelo desemprego e pelas alterações na legislação laboral e social. No entanto, o colapso da procura interna e a desaceleração da procura externa devido à generalização da austeridade expõem a irracionalidade global da desunião europeia com mercado interno contraído, ao mesmo tempo que as chamadas “reformas estruturais”, a eufemística designação para o capitalismo de pilhagem financeira, aumentam a fractura social, retiram ainda mais instrumentos ao Estado e minam qualquer possibilidade de transformação estrutural progressista da economia portuguesa. E quem investe neste contexto depressivo? O investimento cairá mais de 20% nos próximos dois anos, depois de ter caído mais de 20% numa primeira década do euro que viu o desemprego triplicar. Um sucesso este euro, diz-se na Almirante Reis. A inanidade do “Consenso da Almirante Reis”, a versão caseira do sempre fracassado “Consenso de Washington”, renascido entre Bruxelas e Berlim, será mais uma vez exposta.

Há duas alternativas a este consenso e que passam pela recuperação de instrumentos de política económica, de pilotagem política da economia, a uma escala relevante e que permitam debelar rapidamente a crise, corrigindo os desequilíbrios económicos e financeiros gerados pelo euro e pela liberalização financeira que o acompanhou e ajudando a uma transformação da economia que a torne compatível com o Estado social: a saída por cima, com a correcção da assimetria da integração europeia através das euro-obrigações, intervenção maciça de um BCE com outras prioridades e reforço da acção do Banco Europeu de Investimento, acompanhadas a prazo de verdadeira estruturas federais democráticas, ou a saída por baixo, com o fim do euro. A primeira, volto a frisar, é preferível à segunda, mas a segunda é preferível a ficarmos nesta austeridade permanente sem futuro. Não podemos perder nenhum cenário de vista, mesmo que isso implique correr riscos e enfrentar incompreensões e preconceitos. Correr riscos é sempre preferível a um mais do que certo definhamento económico-político...

Procurarei abordar alguns destes temas em mais uma conferência do IDEFF, desta vez sobre a troika.

1 comentário:

Paulo Pereira disse...

Muito bem.

Faltaria dizer que as opções quando ao conteudo da despesa publica foram muitas delas erradas.

Teria sido mais eficaz ter iniciado medidas de apoio aos sectores/empresas transacionáveis em vez de derreter Euros em despesa inutil ou demasiadas auto-estradas.