domingo, 29 de janeiro de 2012

Como o tempo passa e a crise só se aprofunda

Recupero um texto com sugestões irrealistas, que escrevi em Julho de 2010, quando a crise era considerada nacional por Cavaco e por outros economistas dos poderes capitais:

O Banco Central Europeu declarou que há países "sem margem de manobra orçamental", onde se incluiria Portugal. As declarações do BCE são performativas, ou seja, ajudam a criar a desgraçada realidade que aparentemente se limitam a descrever. É que o BCE, apesar de não ter qualquer controlo democrático, tem poder monetário. Numa altura de crise, e enquanto o desemprego permanecer nestes níveis não há razão para usar outro termo, as políticas de austeridade à escala europeia, assentes no corte da despesa pública, já estão a causar os resultados previstos: aumentam os riscos de depressão, de crise no sistema financeiro e, de forma só aparentemente paradoxal, nas próprias finanças públicas. A reabilitação da crença na auto-regeneração dos mercados tem custos sociais elevados.

Neste contexto, o BCE, que já usou relutantemente o seu poder monetário ao intervir nos mercados secundários de dívida pública, deveria comportar-se como um verdadeiro banco central e financiar directamente os Estados em dificuldades, que assim teriam margem de manobra para levar a cabo uma política de investimento gerador de emprego. Em vez disso, o BCE compra dívida pública aos bancos, que assim têm o seu negócio garantido, impedindo que uma restruturação da dívida dos países periféricos, arma negocial importante, ameace o sistema financeiro do centro. O BCE está proibido pelos tratados europeus, que o bloco central irresponsavelmente assinou, de financiar as dívidas dos Estados. Esta separação por decreto das políticas orçamentais e monetárias, a pretexto do combate a uma inflação inexistente, pode ser fatal para o projecto de integração europeu num contexto deflacionário.

O problema da obsessão com regras liberais no campo da política económica é fazer tábua rasa das tendências destrutivas do capitalismo - que só podem ser contrariadas com o uso dos poderes públicos -, transformando essas tendências em oportunidades para destruir o Estado social e as regras laborais que garantem uma economia minimamente civilizada. Obviamente, estas questões nunca são mencionadas por Cavaco Silva, sempre ufano a mostrar as suas credenciais de economista, com argumentos de autoridade que empobrecem o debate democrático. Isto quando foram precisamente economistas como Cavaco, os que reduzem quem trabalha a um "factor" descartável, que criaram as regras europeias geradoras de declínio socioeconómico no país. É a política com "p" pequeno. A política com "p" grande vê para lá das estruturas existentes, questionando-as e inspirando a sua reforma para criar novas realidades, mas a partir de uma ideia de subordinação da economia ao poder político democrático que a deve orientar para fins decentes; é a política que introduz a questão europeia no debate político. Esta é hoje a questão nacional mais importante.

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