sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Leituras

«Cortes tão acima da média reflectem uma escolha. Uma decisão política. Uma prioridade negativa. (...) Esta decisão define claramente uma linha estratégica de desenvolvimento. Uma linha em que em vez de se apontar para um reforço da competitividade pelo reforço da capacidade de inovação do país, se despreza este factor chave para a evolução da produtividade, deixando o país entregue à triste alternativa de ser competitivo apenas com base no controlo dos custos salariais. Esta opção é assim consistente com a política de baixos salários, já não como um dos pilares, mas como o pilar único de competitividade do país. (...) A opção pela redução do investimento em ciência a níveis muito superiores aos da redução geral da despesa é também uma opção ideológica. Parte da ideia de que o Estado não tem nenhum papel a desempenhar no desenvolvimento económico, assente numa visão de que o crescimento é apenas feito pelas empresas.»

Manuel Caldeira Cabral, Desinvestimento na ciência: uma prioridade do actual Governo

«Nuno Crato incentiva a mediocridade. O título da entrevista do presidente da FCT, que o ministro da Educação tutela, é toda uma tese de doutoramento. Diz ele: "Queremos que a ciência esteja cada vez menos dependente do Orçamento do Estado." Cá está o liberalismo de pacotilha: tudo o que é Estado é horrível, tudo o que é privado é o nirvana. Não importa ao dr. Seabra que os grandes avanços científicos que abriram caminho a coisas tão prosaicas como a internet, o GPS, a nanotecnologia - isto é, o iPhone, o iPad, medicamentos espantosos e outras maravilhas da economia privada - tenham na sua origem investigação paga e dirigida por dinheiro público. (...) Silicon Valley e os míticos empreendedores de garagem existem, sim, mas em regra beneficiam do esforço incremental que foi (é) desenvolvido por universidades e laboratórios financiados pelos impostos.»

André Macedo, Sem Estado não havia Apple

«Talvez convenha chamar à atenção para um facto singelo: os "cérebros" não aparecem por arte mágica, são resultado do investimento continuado no sistema de ensino, em particular através da aposta nas universidades. Se temos hoje "cérebros" é porque tivemos uma política científica coerente, alavancada pelos fundos comunitários, ao longa da, note-se, década perdida. (...) Se mais provas fossem necessárias, o massacre das bolsas de investigação mostra como Nuno Crato é um ministro perigoso. Movido por um espírito revolucionário, desmantela o que existe, que tem defeitos, é claro, para em seu lugar nos deixar um enorme vazio. (...) Daqui a uns anos continuará a sangria de jovens forçados a emigrar mas, ao contrário do que hoje acontece, Portugal voltará a exportar mão-de-obra pouco qualificada, disponível para aceitar empregos de baixos salários. Não mais se falará de fuga de cérebros.»

Pedro Adão e Silva, O fim dos cérebros

«Fui ver o programa deste Governo e detectei algumas imprecisões às quais modestamente proponho uma correcção, a bem da coerência que tal documento impõe: (...) onde se lê "Graças às políticas de investimento de sucessivos governos, a ciência em Portugal representa uma das raras áreas de progresso sustentado no nosso país, tendo vindo a dar provas inequívocas de competitividade internacional" deverá ler-se "A ciência, à semelhança de outras áreas de progresso do nosso país é despesista e tem de ser recalibrada, apesar de ter vindo a dar provas inequívocas de competitividade internacional". (...) Onde se lê "Instituir mecanismos que dêem voz a toda a comunidade científica nacional" apagar, foi um erro. (...) Julgo que assim se entende melhor a execução da política de ciência deste Governo.»

Gonçalo Calado, Proposta de errata ao programa do Governo

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