quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Fizeram uma escolha


Nos debates sobre dívida pública, o governo português apresenta-se como querendo honrar os compromissos do Estado e pagar tudo o que deve. Tem moral quando o faz? - Não, não tem. Na realidade, o governo português decidiu "não pagar" parte dos salários dos funcionários públicos e parte das pensões de muitos pensionistas, em vez de tentar negociar a flexibilização das metas orçamentais ou uma nova estrutura para a nossa dívida pública. Negociar não significa conseguir o resultado pretendido, mas nem sequer tentar significa fazer uma escolha à partida - para honrar os compromissos internacionais, o governo escolheu não honrar os compromissos com uma parte significativa dos cidadãos portugueses. É uma opção política legítima, não podem é apresentar-se como os que honram todos os compromissos e contratos assumidos pelo Estado português. O haircut unilateral imposto sobre salários e pensões são uma violação dos contratos assumidos entre o Estado e os seus trabalhadores e pensionistas - podem alegar que se tivessem escolhido outra opção teria sido pior, não podem é dizer que "pagam" tudo.

Também relativamente aos credores, o governo tem dois discursos diferentes, consoante sejam externos ou nacionais. Se por um lado não prevêem nenhuma negociação com os credores internacionais, já relativamente aos credores das câmaras municipais o governo entende que qualquer programa de resgate, no âmbito do Fundo Apoio Municipal, deve implicar uma negociação prévia, que pode implicar (i) alongamento dos prazos de pagamento, (ii) perdão de juros de mora, (iii) redução das taxas de juro ou (iv) perdão de capital em dívida. É o próprio secretário de Estado, António Leitão Amaro, que diz que "se os contribuintes fazem um esforço, é natural que os credores também o façam e, se calhar, é melhor receber 70% agora do que 100% daqui a três anos". E tem toda a razão. O governo não pode é acusar os outros de "não quererem pagar" quando é isso que faz com funcionários públicos, pensionistas e credores de autarquias. Fizeram uma escolha, têm de viver com ela.

(crónica publicada à quarta-feira no jornal i)

10 comentários:

Anónimo disse...

É utópico pensar que é possível evitar um default.

Portugal vai entrar em default provavelmente pela mão de outro governo mas isso vai acontecer.

Eu considero o default positivo já que permite ao país passar a viver dentro das suas possibilidades promovendo-se a eliminação do endividamento externo da economia, quer público, quer privado.

Anónimo disse...

"Nos debates sobre dívida pública, o governo português apresenta-se como querendo honrar os compromissos do Estado e pagar tudo o que deve."
Começa logo com uma falácia. Não se trata de pagar tudo o que deve. Trata-se de pagar o mínimo possível e reestruturar o máximo possível sem que as consequências daí resultantes sejam catastróficas, nomeadamente o corte abrupto do financiamento externo público e privado.
Daí que seja mais fácil violar contratos internos ou impor reestruturações internas do que reestruturar dívida externa.

Depois avança para uma visão ingénua (mas que cai bem na opinião pública) sobre o que são processos de negociação internacional: todas as negociações ocorrem nos bastidores por isso não pode afirmar que "nem sequer tentar significa fazer uma escolha à partida". Quando se notícia publicamente o início de negociações já o trabalho de bastidores foi feito e já se sabe que há uma possibilidade forte de chegar a bons resultados. Sem isso, trata-se apenas de bravatas para consumo político interno. Demagogia, em suma.

Jose disse...

Li até '...flexibilização'.
A partir daí já sei que o princípio do 'quem vier atrás que feche a porta' vai aparecer enfarroupado em projectos de um rápido e milagroso crescimento pelas mãos de gerações que nunca o alcançou e que não comesse o que produziu, e mais!

Anónimo disse...

Há por aí quem só seja "capaz" de ler duas linhas.

Os motivos de tal "incapacidade" podem ser vários.

Será que a pieguice também será um deles?

Perdão: Umständlichkeit

De

Anónimo disse...

O governo fez uma escolha, boa ou má diz Pedro Nuno Santos. E o PS, que escolha fez?

Anónimo disse...

Por falar em escolhas.
Será desta que o PS faz a sua escolha: lançar a derradeira bomba atómica que fará tremer os joelhos de Ângela Merkel e dos bancos alemães?
Ou são só bravatas, fogo fátuo?

Unknown disse...

Austeridade! qual austeridade é praticada na UE, diz aquele economista americano. Muita parra e pouca uva.
Os dirigentes europeus são pródigos em gastar o dinheiro.... dos outros.
Mas são bem secundados pelos restantes membros da brigada das Colheres (Universidades, Corporaçoes, Fundaçoes..)

mexilhão disse...

Para além da incongruência discursiva do Governo exposta por Pedro Nuno Santos, há referir a falácia, o embuste, de se honrar os contratos. Ora, o governo não só se limita a "rasgar contratos internos" de trabalhadores em funções públicas e dos pensionistas, como não toca substancialmente nos contratos das PPP e swaps. Estes, tal como em relação aos credores externos, são para ser respeitados. Só que a nível interno existem normas de natureza imperativa que se impõem à vontade das partes, i.e., não podem ser afastadas por estas sob pena de o contrato ser inválido. Assim, se 1 empregador impuser numa cláusula de um contrato de trabalho por tempo indeterminado o direito a 15 dia de férias a gozar pelo trabalhador e este, porque precisa do trabalho, resigna-se e assina o contrato. Ora esta cláusula é nula pois a lei impõe que o trabalhador tenha direito a 22 dias úteis de férias. Não pode o empregador vir dizer que o trabalhador assinou o contrato naqueles termos, que foi um acordo entre ambos! Eis aqui um exemplo típico de que a expressão "Pacta sunt servanda" (os pactos - contratos/tratados devem ser cumpridos) não é absoluta. Os contratos são para se respeitar desde que não violem a lei e quem diz a lei seja ela a fundamental (CRP) seja a lei ordinária, etc. Isto para dizer de que não há contratos "blindados" a que o Estado se sujeite porque o próprio Estado tem que respeitar as referidas leis, mesmo q o contrato seja, por hipótese assinado pelo 1.º Ministro. Um dos princípios q norteia o Estado é o Princípio da Proporcionalidade que proíbe o excesso ao próprio Estado. Assim, se as rendas contratualizadas não têm justificação e são excessivas, podem perfeitamente ser "rasgadas". Se este Governo ou o próximo não o fazem é porque não querem...

Anónimo disse...

http://observador.pt/2014/10/23/ps-vai-abster-se-projeto-de-resolucao-bloco-sobre-divida/

O PS a convergir com a esquerda. depois os livres se iludem com isto e o antonio costa fica naquele fingimento.

Anónimo disse...

Não pode passar esse "investir" contra as universidades transformadas em "colheres" à medida dos gostos de quem assim fala.

O ódio ao conhecimento e ao saber sempre foi um predicado de quem vê nestes um perigo para a expansão das odes neoliberas e para os rumos das trevas que alguns preconizam.

Em contrapartido um comentário mais do que justo de mexihão

De