segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O estado a que chegámos

Significa isto que «o Estado a que chegámos» não foi objecto de destruição, mas de reformatação (ver, na edição de Dezembro, o dossiê «Culpar e punir: a viragem caritativa e autoritária do Estado»). Ou seja, as escolhas políticas que elogiam o privado e o individual são de facto um empreendimento com sede no Estado para levar tão longe quanto possível a transferência dos recursos gerados pela sociedade para outras finalidades. Incompatíveis com o Estado social, estas aprofundam as desigualdades, a pobreza e o desemprego, e impedem o desenvolvimento económico e social. Este empreendimento implica várias substituições: da universalidade por particularismos, das protecções sociais por um assistencialismo caritativo, dos investimentos da sociedade em si mesma por um elogio da meritocracia e do indivíduo empreendedor, da autonomia por culpabilização e punição, e ainda da participação democrática por um simulacro de cidadania sem informação nem intervenção na decisão. A sociedade portuguesa passou demasiado depressa do «Estado Novo» para este «novo Estado» neoliberal.

Sandra Monteiro, O Estado somos nós?, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Dezembro de 2015.

O Nuno Serra contribui para o dossiê com um artigo - “Do romance do empreendedorismo à miséria moral da caridade”: “Empreendedorismo e caridade são, neste contexto, duas faces de uma mesma moeda. E o regime de austeridade veio torná-lo ainda mais evidente.” O Nuno retoma, desenvolve e articula dois dos temas que tem explorado neste blogue: o «empreendedorismo» é só para disfarçar o vazio e a imoralidade do já têm sopa, que mais querem?

1 comentário:

Jose disse...

«a transferência dos recursos gerados pela sociedade para outras finalidades»
Para não dizer 'é tudo nosso' usa-se a sua expressão subliminar.
O resto quer dizer isso mesmo.
Treta esquerdalha na sua enfastiante lógica de igualdade rasteira.