segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Debate sobre o orçamento: quatro ausências e uma lição.


A tendência, prevalecente em certos meios de esquerda, para fazer amálgamas entre o PS e o PSD, dizendo que são exactamente a mesma coisa, sempre me irritou. Qualquer tentativa no sentido de mostrar diferenças era brindada por epítetos de "reformismo" ou o clássico "queres é ir para o PS". Mutatis mutandis, a situação hoje é bem diferente. Este Orçamento de Estado (OE) tem sido objecto da maior propaganda política de que me lembro, o tal "spin" da moda, à esquerda e à direita, com dois blocos bem definidos na defesa e no ataque ao documento. No entanto, não obstante evidentes diferenças com o que seria um OE da direita, o debate tem esquecido pontos essenciais, presentes na discussão de outros orçamentos.

O primeiro ponto que importa realçar e que, curiosamente, está ausente da discussão pública à esquerda, é a sua incapacidade de responder ao maior problema da economia portuguesa, o desemprego. Este é um orçamento restritivo, que prevê um aumento maior das receitas do que da despesa e que, graças a Bruxelas, impõe uma redução significativa do défice público (de 3,1% do PIB para 2,2%). Ou seja, este orçamento não responde ao problema da capacidade produtiva instalada por utilizar (quer de capital, quer de trabalho). Pelo contrário, agrava-o, reduzindo os montantes de investimento público. A redução de 10 mil funcionários públicos previstos é bem significativa da relação deste orçamento com o problema do desemprego.

A redução do número de funcionários públicos conduz-me ao segundo ponto ausente do debate: os cortes. Os serviços públicos, como educação e saúde (verdadeiro salário indirecto), são sujeitos a cortes ou nominais, na educação, ou reais, na saúde (aumento de 0,6%, abaixa da inflação prevista). Já conhecemos os eufemismos dos "ganhos de eficiência". Na verdade, estamos perante cortes nestes serviços públicos, que serão ainda maiores se tivermos em conta que ambos os orçamentos incluem aumentos de gastos salariais, por via da reposição de salários. A reposição de salários e a descida da sobretaxa do IRS conduz-me à terceira ausência: a repartição destas reposições.

A reposição salarial é obviamente justa face ao esbulho praticado junto das classes médias/médias altas, mas a verdade é que este orçamento concentra aumentos de rendimento na segunda metade da escala de rendimento dos trabalhadores. Os trabalhadores que ganham mais de 1500 euros são aqueles que mais beneficiam da redução do IRS, a que se junta a reposição salarial mais concentrada junto dos funcionários públicos mais bem remunerados. Quem se encontra na primeira metade do rendimento ganha, comparativamente, pouco. Perdeu-se uma oportunidade de reduzir a desigualdade salarial.

A quarta ausência no debate vai no sentido contrário. A subida dos impostos sobre combustíveis é de elementar justiça. Se queremos combater seriamente as mudanças climáticas, o retorno ao combustível fóssil barato deve ser impossibilitado. Como imposto indirecto que é, pode ser argumentado que estamos perante um aumento regressivo, mas na verdade penso que a realidade é bem mais complicada: quem tem um BMW consome mais gasolina e anda mais de automóvel. Acresce que falamos de importações, cujo aumento deve ser desincentivado.

Finalmente, este orçamento mostra, mais uma vez, quem manda nas opções políticas e na alocação de recursos no nosso país: a UE, através da sua não-eleita Comissão. As lágrimas de crocodilo de António Costa "este orçamento é pior do que o apresentado" servem de muito pouco a quem cá vive. Daqui a uns meses, é provável que tenhamos um orçamento rectificativo. O sentido das ordens da União Europeia é claro. Ter um plano B é imperativo.

17 comentários:

Anónimo disse...

Pelo que percebo o Nuno Teles é a favor de impostos sobre a mobilidade, porque é isso que está em causa, as preocupações com o ambiente são panaceia para tudo, numa altura em que as pessoas vêm os seus rendimentos severamente afectados parece-me evidente que a sua preocupação é clara e nada tem a ver com a saúde ou o bem estar dos cidadãos. É óbvio que é aumento regressivo e respondendo ao seu exemplo do BMW tenho a dizer-lhe que não me parece razoável comparar a elasticidade do orçamento de quem tem um carro de alta gama com o de quem tem um vulgar utilitário. Num país onde a desigualdade é tremenda falar em reduzir importações através de impostos indirectos é defender a exclusão, isto devia ser claro para todos os que se dizem de esquerda, estas discussões sobre o orçamento têm sido bastante esclarecedoras...

jvcosta disse...

O problema do aumento do imposto sobre os combustíveis não é o dos condutores, mas sim a repercussão sobre os transportes, quer de passageiros quer de matérias primas e produtos, que afecta todos.

Jose disse...

Um texto correcto.

O que fazer?
Por muito que a esquerda se rebole o que é sensato fazer é pôr o capitalismo a criar riqueza antes de tratar da sua distribuição...
Aqui-del-rei que o fascismo está aí a chegar!!!!!

Anónimo disse...

sabujo zé
além de mentiroso és intelectualmente desonesto
acaso os teus amigos se preocuparam com a economia ?
a maior queixa dos empresários portugueses é precisamente a falta de procura
embrulha sabujo zé e continua a chorar

Anónimo disse...

Mas que distribuição José? A distribuição do Trabalho para o capital...só pode. Ou nega que nos últimos 4 anos isso foi evidente??

Anónimo disse...

A iliteracia é uma coisa tramada.
Repetindo o que se escreve:
"Este é um orçamento restritivo, que prevê um aumento maior das receitas do que da despesa e que, graças a Bruxelas, impõe uma redução significativa do défice público (de 3,1% do PIB para 2,2%)"
"Os serviços públicos, como educação e saúde (verdadeiro salário indirecto), são sujeitos a cortes ou nominais, na educação, ou reais, na saúde (aumento de 0,6%, abaixo da inflação prevista)....estamos perante cortes nestes serviços públicos"
"Quem se encontra na primeira metade do rendimento ganha, comparativamente, pouco. Perdeu-se uma oportunidade de reduzir a desigualdade salarial". (Ora se isto já motivou a invocação do direito à auto-defesaa dos pobres empresários para os offshores habituais)
"Finalmente, este orçamento mostra, mais uma vez, quem manda nas opções políticas e na alocação de recursos no nosso país: a UE, através da sua não-eleita Comissão".

Ou seja e traduzindo. É preciso um orçamento que assuma de vez um corte com o processo austeritário. E que diga não a Bruxelas.Que se assuma o tal plano B, cada vez mais preciso.
"A viragem de página da austeridade é isso mesmo: não é superar a austeridade, mas sim virar a página e começar um novo capítulo do mesmo livro cheio de ideias perigosas"

Como isto se concilia com a conivência e obediência à troika assumida por quem considera este um "bom texto" é um mistério ou um problema de compreensão.

Dá vontade de rir este rebolar pretensamente correcto, enquanto se fala em capitalismo a funcionar ( isso vemos nós todos os dias, para nossa infelicidade) e na riqueza a produzir (riqueza que é saqueada pelos credores, agiotas, especuladores e exploradores)

(as cenas um pouco apatetadas como o rei e o fascismo não são mesmo para comentar)

Anónimo disse...

E pode já acrescentar-se outra ausência, a denúncia de que este orçamento contempla um agravamento da exploração dos trabalhadores. De forma desacelerada em relação ao governo PSD/CDS, mas ainda assim um agravamento.

Tanto quanto me apercebo, o orçamento agora apresentado não traz uma previsão do aumento da remuneração média por trabalhador. Mas ele consta das projeções do esboço, revisto por imposição de Bruxelas, apresentado em meados do mês passado. Aí se estimava, para este ano, um aumento nominal de 2,1%. O que, para um aumento dos preços no consumidor de 1,4%, não é um consolo por aí além.

Segundo o esboço previamente apresentado, o conjunto das remunerações aumentaria (nominalmente) 3,1%. Talvez este valor, com as pressões de Bruxelas a que o PS cedeu, tenha sido revisto em baixa. Contudo, vou tomá-lo como certo. Mas o PIB nominal prevê-se que aumente 3,8%. Ou seja, a fatia da remuneração dos trabalhadores no rendimento nacional diminui.

Se ainda houvesse compensação com a despesa social do Estado. O Nuno chamou, por exemplo, a atenção para os cortes nominais na educação (no agregado dos vários níveis de ensino), mas a despesa com o conjunto das prestações sociais das administrações públicas diminui em ordem ao PIB.

Os trabalhadores criam mais riqueza, mas recebem uma parte menor dessa riqueza que criam. Desejavelmente haverá alguma recuperação de rendimentos, um travão ao empobrecimento, mas a acentuação da exploração não é invertida.

A receita continua a ser a mesma do PSD/CDS. Baixar os custos unitários do trabalho, deixar incólumes os “custos unitários do capital”. Os trabalhadores, sempre os mesmos a pagar...

Se ao menos os lucros, e as receitas do Estado com a fiscalidade sobre o capital, demasiado aliviado, fossem direcionados para o investimento produtivo. Mas nem isso. O investimento (formação bruta de capital fixo) cresce pouco, acelera menos que o PIB, e o investimento público, em ordem ao PIB, diminui!

Ná. Pesem embora as ilusões de alguns setores da esquerda – felizmente não de todos – o essencial, para travar o rumo de empobrecimento e de exploração, ainda está mesmo por fazer.

Carlos Sério disse...

1)“é a sua incapacidade de responder ao maior problema da economia portuguesa, o desemprego”
Com todos os constrangimentos impostos pela CE o saldo do rendimento das famílias entre reversões de cortes e salários e impostos, é favorável às famílias.
Aumenta-se o rendimento das famílias em 1.560 milhões de euros e aumentam-se impostos que incidem sobre tal rendimento em 500 milhões.
Deste modo, será de esperar um leve aumento da Procura interna e desse modo indirectamente um aumento do emprego ao contrário do que diz.

2)A redução de FP imposta por Bruxelas é na verdade algo de muito negativo. O “estado mínimo” desejado pelos neoliberais de Bruxelas tem de ser combatido.

3) “Perdeu-se uma oportunidade de reduzir a desigualdade salarial”.
Aqui tratou-se de repor o que esbulhado. E isso é positivo. Não acho que fosse oportuno nem faz qualquer sentido dizer-se que se” Perdeu uma oportunidade de reduzir a desigualdade salarial”. Os funcionários com 1.500 de ordenado são médicos, professores, juristas, licenciados, mestrados e doutorados com vencimentos na FP muito inferiores aos praticados no sector privado. Não me parece que seja por aqui que passa o caminho da atenuação das desigualdades sociais. Na FP a diferença salarial entre os 10% mais bem pagos (retirando os cargos políticos de topo) e os 10% mais mal pagos não chega a 4 creio eu.


Anónimo disse...

É verdade que o governo Social-democratico de Antonio Costa propoe taxar as elites abastadas que dominam a economia, fechando brechas fiscais e ao mesmo tempo, aumentar o salário mínimo para ajudar os trabalhadores de baixos rendimentos.
E é verdade tambem que ele está propondo redistribuir a riqueza de maneira a que o SNS seja defacto gratuito e universal. que as universidades reduzam ou abulam as propinas. E fala em novos projetos de infra-estrutura necessários na area do ensino. Que vai reduzir o horario de trabalho da F.P. Mas nada disso constitui socialismo. Políticas públicas que redistribuem a riqueza gerada pelo setor privado na forma de programas sociais constituem democracia social, o que ainda é capitalismo.
Uma coisa e´ aceitarmos um governo Social-democrata de improviso, outra coisa e´ não termos a certeza de que o sistema existente de alianças seja duradouro.
Esta´ a valer como experiencia?
E´ que com o povo não se deve brincar! De Adelino Silva
.

Miguel Vital disse...

O aumento dos impostos sobre os combustíveis não vai resolver, por si só, nenhuma questão ambiental. Quem devia arcar com o aumento de impostos eram as petrolíferas, como a GALP que teve em 2015 639 milhões de euros de lucro.(http://economico.sapo.pt/…/lucros-da-galp-dispararam-mais-d…).
GALP apela ao abastecimento em Espanha e tem esta pérola
"remos abastecê-los em Espanha", admitiu Gomes da Silva. "É isso que teremos de fazer com os nossos clientes. Se não os podemos abastecer em Portugal, serão abastecidos em Espanha", disse, aproveitando para lembrar "a beleza" de estar numa empresa que olha e procura estar na Península Ibérica como seu mercado natural: "A beleza de podermos estar com uma presença ibérica é que tanto os podemos abastecer em Portugal como em Espanha."
.(http://www.dn.pt/…/galp-deixa-aumento-para-os-clientes-5021…)

Alice Maria Nobre Beira Silva disse...

Se cortassem novamente nos salários e pensões era melhor? Só fala assim quem não passou por essa situação . Eu acho que os impostos agora aplicados estão, mais concentrados nos que ganham mais.Acho mais justos.

Jose disse...

Ò Alice,
Aqueles a quem nada tiraram por terem pouco nada recebem para além de migalhas.
O grosso das devoluções é para gente que tem trabalho ou pensão assegurada e pertencem a uma categoria de gente privilegiada em salário comparativamente ao que é privado, excepção feita a uma insignificante margem de altos quadros, ou, quanto aos reformados,estão bem acima das pensões esperadas pelos que lhas pagam.
Os impostos são para tudo que mexa. E os juros da dívida são par os que venham a fechar a porta.

Limite-se a dizer que a Constituição e a Geringonça é que assim exigem, e pelo menos não diz asneiras!

Anónimo disse...

(Essa mania de tratar os outros desta forma virá donde?
Ó tu? Isso foi da educação, da falta dela ou tem a incrustação do adquirido na vida adulta em que pela amostra não é de certeza muito aconselhável?)

Aqueles a quem nada tiraram?
Mas este está a falar a sério? Agora está a fingir-se de tonto ou de desmemoriado? Ou é apenas o padrão ideológico a falar mais alto?
O que a governação neoliberal/pesporrenta fez a quem menos tinha é agora silenciado pelas tretas inacreditáveis que lemos?
"É só fazer as contas. Em Portugal, 10% dos mais ricos detêm quase 60% de toda a riqueza do país. E continuam a enriquecer de ano para ano. Do outro lado da barricada, os pobres estão cada vez mais pobres e a classe média perdeu grande parte do seu poder de compra. Estamos a construir uma sociedade cada vez mais desigual, com tudo o que de negativo isso implica: aumento da tensão social à diminuição do crescimento económico. A crise agravou as desigualdades numa dimensão que escapa ao olhar distraído. Mas os números recolhidos pelo economista Eugénio Rosa são claros. O autor compilou e analisou, em várias áreas, mais de meio século de dados. E deu relevo aos anos da Troika - período em que a diferença entre ricos e pobres mais se extremou. As conclusões são chocantes. Ao analisar a riqueza sob diferentes ângulos, o autor descobre desigualdades escondidas. Se observarmos à lupa a mais-valia criada pelos trabalhadores, a propriedade financeira ou patrimonial, ou ainda quem paga ou não impostos, começamos a perceber melhor a real dimensão da desigualdade."
Isto é escondido para debaixo do tapete porquê?

Anónimo disse...

Infelizmente a conversa não fica por aqui porque aldrabices não podem passar.
"Aqueles a quem nada tiraram por terem pouco"? Então quem perdeu o emprego? E a degradação da qualidade de vida das populações, com perda de direitos e sucessivos aumentos das taxas moderadoras e propinas, das tarifas da electricidade, do gás e dos transportes públicos, do preço dos combustíveis, de introdução de portagens nas SCUT e o aumento das rendas? E o agravamento do imposto a pagar pelos consumidores em 77% (de 13% para 23%)na restauração? E os despejos? E a perda das prestações sociais?

Anónimo disse...

Sabe cara Alice, quem assim fala em "gente privilegiada" é gente que quer atirar trabalhadores uns contra os outros, duma forma confessemos que rasca. E rasca porque quem assim fala é quem defendeu os milhões dos vencimentos privados dos António Borges e dos Donos disto tudo. Que defendia o não pagamento de impostos ao primeiro, isento pelas benesses conferidas por quem tem a massa. A defesa de tais privilegiados privados agora está oculta por outro tipo de "necessidades". Mas sabe o que chegou a dizer quando o caso do Borges foi exposto em toda a sua obscenidade?
"O Borges consegue que lhe paguem muito bem. Parabéns!
Quem não consegue quem lhe pague, ainda que pouco, tem um problema a resolver".

O problema a resolver claro.Exposto em toda a crueza egoísta de quem acha que o lucro justifica tudo e que se está completamente nas tintas para os demais.

Este é o que agora vem tentar que nos esqueçamos do saque a salários e pensões. O mesmo que achou e acha bem tal roubo,, mas quando fala em taxar empresários que ganham fortunas diz que esses são uns desgraçados e que devem ter direito a auto-defesa fugindo para os paraísos fiscais.

Quanto aos juros da dívida...já reparou cara Alice que quem andou a fazer crescer a dívida foram os mesmos que lucraram com a dívida,com os juros desta? Sabe que andámos a pedir emprestado para a banca e para os banqueiros, para os donos disto tudo, para os senhores das PPP, dos Swaps e é precisamente para estes que é dirigida a mágoa magoada de quem fala com essa raiva crescente na Constituição?

Não,a questão não são as asneiras. É uma outra coisa mais feia e mais suja e aposto que a Alice sabe do que falo

Anónimo disse...

Há quem defenda a lei e a ordem do tempo da outra senhora.
E que tenha um ódio de morte à nossa Constituição.
Há uma novidade importante neste orçamento. Até ver, não é inconstitucional.

Anónimo disse...

Se cortassem novamente nos salários e pensões era melhor?
Para alguns era. Esse foi o roubo aplicado pelo governo de Passos e companhia.E que teve o apoio entusiasta de quem lucrou materialmente com isso. As políticas do anterior governo não foram só políticas de austeridade , mas sobretudo políticas de concentração de riqueza , como os dados sobre a distribuição do Rendimento Nacional o confirmam.
Quando aos impostos aplicados, a Alice tem toda a razão. Carlos Serio já deu uma contribuição importante.O post de João Ramos de Almeida dá uma luz sobre a questão. É lê-los de novo e rir das manobras de um ou outro para fugir à evidencia dos factos, refugiando-se em tretas de evidências de videntes.