sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Cegos que conduzem cegos



Em 2014, eram 4737 as empresas que tinham uma facturação acima de 5 milhões de euros e representavam pouco mais de 1% das empresas nacionais, mas pagavam mais de 70% do IRC cobrado. Esta concentração de IRC num número reduzido de empresas é abissal! E mais que tudo - tal como desde há duas décadas vinha a ser frisado pela administração fiscal - coloca o Estado numa dependência dessas empresas.

E não só o Estado. Tudo indica que os partidos também. No Parlamento, na discussão na especialidade do OE 2017, a direita insiste que o investimento cai e que, para isso é necessário baixar a taxa de IRC. Ainda hoje, os deputados do PSD e do CDS voltaram a defender a descida da taxa de IRC, como forma de atrair o investimento das "empresas portuguesas e empresas multinacionais". Foi o caso de Pedro Mota Soares, do CDS.

Mas nem uma coisa nem outra é verdade. Nem o investimento está a descer como - nunca é demais repetir - há cada vez mais lucros do que aqueles que são tributados.

Quando se olha para as contas do investimento. Verifica-se o quê?



Fonte, INE, Contas Nacionais, FBCF

1. O investimento total registou uma subida continuada até 2001. A partir desse ano – o primeiro da criação do euro – verificou-se uma estagnação que durou até 2008, ano da crise económica internacional. De 2008 a 2010, período que coincide com a introdução de medidas de desvalorização salarial, o investimento começa a cair. E estava a aguentar-se quando, a partir de 2011, ano da intervenção externa apoiada pelo Governo PSD/CDS, cai a pique. Tudo na sequência de ataques brutais a direitos laborais, com vista a uma ainda mais forte desvalorização salarial. Apenas a partir de 2013 – quando se atenuou ligeiramente a austeridade salarial – se verificou algum alívio no investimento.

A partir da segunda metade de 2015 - sobrepondo-se ao governo apoiado pela esquerda, o que leva a direita superficial a exaltar - o investimento parece abrandar ligeiramente. Será?

Fonte: INE, Contas Nacionais, FBCF

2. Quando se olha para as componentes que, estatisticamente, compõem o investimento, verifica-se que aquilo que o está a travar o investimento é a construção cujos valores de investimento estão em queda desde 2001 e mais abruptamente desde 2010/11. As despesas em máquinas e material de transporte sobem - timidamente, mas sobem - desde 2013.

3. Aliás, quando se comparam estas duas componentes com a evolução do número de assalariados, mais parece serem essas duas componentes a influenciar - com desfasamento temporal - o rumo do emprego.


Fonte: INE, Contas Nacionais FBCF; Inquérito ao Emprego

Ou seja, o PSD e CDS apenas choram pelo investimento que não surge na construção – aquele sector amaldiçoado em 2011 por ser dependente da procura interna e não ter valor competitivo para economia, por depender do Estado e que, pela política de estrangulamento salarial, levou um rombo, que, por sua vez, arrastou consigo os bancos...

E no meio disto, para quê baixar a taxa de IRC? Para quem?

Quando se olha para o passado, torna-se claro que a taxa de IRC é apenas uma pequena parte da política fiscal de apoio às empresas. Só isso explica que, em 20 anos, o IRC pago pelas empresas represente uma parte cada vez menor dos lucros tributáveis ou mesmo da matéria colectável.


Fonte: Compilação de valores divulgados pela administração fiscal

Interessante notar que a criação do euro coincidiu com um forte aligeiramento da tributação sobre as empresas. O que faz sentido: ao criar-se uma moeda única, defendeu-se que a única forma então de ganhar competitividade seria através da compressão salarial e da competitividade fiscal. Ao que isso nos levou...

Quando se tenta perceber esta lógica, todo o argumentário - "é necessário comprimir salários" e "reduzir da tributação das empresas "- aquilo que se depreende é que é em prol de um único caminho, que vai para a capital do império: aumentar a parte dos lucros no rendimento criado, aumentar a desigualdade. Tudo bem, mas depois não se queixem da extrema-direita.

4 comentários:

Anónimo disse...

Faria mais sentido comparar o investimento com o PIB. O gráfico, bem elucidativo, é este:

Formação Bruta de Capital Fixo em % do PIB

Indistinguíveis as responsabilidades de PS, PSD e CDS. E indisfarçáveis as consequências da adesão ao euro.

Não há solução para isto sem sair do euro (condição insuficiente, mas imperativa). E sem romper com a política de direita de PS, PSD e CDS, os partidos do euro e do cala-te e come que estás na Europa civilizada.

Anónimo disse...

Já agora, o mesmo gráfico, desde o início da década de 60. PS, PSD e CDS levaram o investimento (público e privado) aos mínimos pelo menos das das últimas cinco décadas e meia. Talvez mais do que isso.

Formação Bruta de Capital Fixo em % do PIB

O país não investe, como é que há de crescer? Tirando as variações de conjuntura, bem vindas quando positivas, mas tão sobrevalorizadas quanto mal compreendidas.

É bem sabido que, pelo quinto ano consecutivo, a taxa de investimento não permite sequer compensar o desgaste e a obsolescência do stock de capital. A estrutura produtiva do país descapitaliza-se, degrada-se e desatualiza-se.

Repete-se a pergunta: então como é que o país há de crescer? Certamente que não será com as políticas socialistas para o investimento público, que, pela amostra do que orçamentou e executou este ano, mais valia estar calado.

Jaime Santos disse...

Fica a pergunta retórica: se a competitividade pode ser obtida à custa de baixos salários e da diminuição dos direitos laborais em geral, para quê investir na competitividade por via de nova maquinaria, melhoria dos processos de produção, etc? Quanto ao Euro, é certamente a principal causa do baixo crescimento económico depois de 2001, e se não se produz, não vale a pena investir. O problema é que o mal está feito. Por isso, fica outra pergunta, desta vez não retórica: Qual é a fração da dívida das empresas não sujeita à legislação portuguesa e qual é a percentagem do PIB que nos sujeitamos a perder, se uma parte dessas empresas falir pela saída da moeda única, porque tais dívidas continuam denominadas em moeda forte? Quem se limita a exigir a saída do Euro sem responder a um conjunto de questões incómodas (a de cima, a que empréstimos de moeda forte recorrer para proteger o novo Escudo de ataques especulativos, quais as condições para a concessão desses empréstimos e quais as condições para uma reestruturação da dívida, leia-se que novas medidas de austeridade terão que ser adotadas, qual a taxa de inflação máxima aceitável, etc), não está a falar a sério...

Anónimo disse...

Claro que está a falar s sério caro Jaime Santos.

O que é, é que nao se rende. E não olha para o lado a tocar a melodia de sempre, enquanto à sua volta o navio se afunda.

Uma questão também de estar de olhos abertos. E de ser coerente.